Assista!: Oldboy

Assista! de hoje não é uma simples indicação. Não é daqueles filmes que você gosta muito e quer que os outros também vejam (que é o propósito deste quadro, comumente). Para além disso, o título dessa semana é simplesmente obrigatório para a vida de qualquer um. É daqueles filmes que você precisa revisitar, ao menos, uma vez todo ano. É uma obra-prima. O melhor filme do século XXI. Um dos (se não o) melhores de toda a História. E antes que comece o “mimimi” de que não se passou nem 1/5 dos novos cem anos, eu te digo: ninguém precisou (ou ainda precisa) conhecer toda a Humanidade para ter certeza de que a estátua de David é uma das expressões artísticas mais sublimes que já terá existido. Acredito, portanto, que esta foi a impressão de todos quando pousaram os olhos sobre a peça, pela primeira vez, ao ser apresentada por Michelangelo. Assim como Neal Key, DJ do clube de metal de Londres, SoundHouse, teve plena consciência que estava de frente para o que de mais arrebatador a música universal produzira, ao ouvir os primeiros acordes das mais antigas gravações do Iron Maiden.

Era 2005 e eu tinha ido a Botafogo comprar o recém lançado álbum Tyranny of Souls do Bruce Dickinson. Para aproveitar o longo percurso, decidi ir ao cinema também. Estava sozinho e sentei-me bem ao fundo para ver uma obra sul coreana. Eu estava prestes a mudar toda a minha concepção cinematográfica. Não sabia que, a partir dali, apaixonar-me-ia em absoluto pelas produções desse país e, em especial, pela filmografia daquele que passou a se tornar uma das minhas principais referências: Chan-wook Park. O filme? Oldboy.

A melhor cena de luta da História do Cinema.

Oh Dae-Su (sublimemente interpretado por Min-sik Choi) está a caminho de casa, no dia do aniversário de sua filha, quando alguém com um guarda-chuva roxo o sequestra. Ele amanhece em um quarto fechado, com uma televisão. Uma rotina é seguida, com refeições disponibilizadas nas horas certas (sempre com gyoza frita) e um gás calmante para dormir, quando chega o momento. Os dias se passam, tornam-se anos e Oh Dae-Su só tem como companhia o projetor de tubos: o aparelho é seu amigo, seu confidente, seu professor, sua amante. Sem saber quanto tempo ficaria ali ou, principalmente, porque seria alvo de alguém, resolve escrever a autobiografia. Ali, descobre que tinha cometido muitos pecados. Essa fala dele marca o que será não só este filme, mas toda e qualquer obra sul-coreana. Diferente do ocidental, que tende a ver o mundo com olhos polarizados e maniqueístas, em que normalmente há o bom que lutra contra algo ruim, as histórias asiáticas mostram que todos somos, a um só tempo, anjos e demônios. O que teria feito Oh Dae-Su para merecer aquilo?

Quinze anos depois, nosso protagonista é solto. A pergunta a ser feita não é “porque ele foi preso?”, mas “porque ele foi liberado após esse tempo?”. Um jogo sádico se inicia por parte de quem está por trás. Oh Dae-Su tem poucos dias para descobrir a motivação de seu algoz. Um misto de vingança e culpa começa a borbulhar na alma deste perdido homem, que passa a contar com a ajuda da chef Mi-do (perfeitamente encarnada por Hye-jeong Kang), quem conhecera em um restaurante durante a belíssima cena do polvo vivo: “quero comer algo com vida”, balbucia.

Tentáculos agonizantes entre os dentes vingativos de Oh Dae-Su.

Em suas investigações pessoais, ele revisita o passado em busca do que poderia ter provocado a outrem. “Seja grão de areia, seja pedra, ambos afundam na água”. Essa frase martela no ser de Oh Dae-Su que, incansável, procura a resposta. A descoberta o aprisiona. Oh Dae-Su se vê como um monstro, um animal. Não interessa o teor do que fez, interessa o resultado. Volto a repetir o cuidado oriental para com a essência demasiado humana. A frase citada não cabe na cultura ocidental, mas é mais do que certa. Independente do tamanho do seu delito, ele continua a ser um delito. Arrependido, Oh Dae-Su implora por perdão ou misericórdia. Sendo grão de areia ou pedra, ele afunda em seu oceano de pecados. “Ainda que eu seja um animal, eu não tenho direito de viver?”.

“Ria e o mundo rirá com você. Chore e chorará sozinho”.

Perfeito de frameframeOldboy é um tornado de beleza, sutileza e violência. Irretocável da trilha sonora às atuações, passando por todo e qualquer elemento que compreende um filme, com algumas das cenas mais maravilhosas da existência, esta obra hipnotiza, desafia, duela ferozmente com as suas percepções artísticas e sua perspectiva sobre as coisas. Como um monstro-homem que mastiga um polvo vivo, com inabalável determinação, assim Park Chan-Wook dilacera nossa alma, triturando os confortáveis lugares-comuns que, desavisados, ousaram fitar a essência puramente humana desnudada neste conto de vingança.

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