Garimpo Netflix: Contratiempo, Hush e O Convite

É interessante analisar como a 7ª arte e suas ramificações vêm mudando (e recriando-se, até). Um exemplo muito claro disso para mim é quando penso na minha vó, que é de uma geração em que o cinema era algo tão absurdo quanto um meio de transporte que leva pessoas pelo ar. Ou coisa assim. Era um acontecimento pra vida da Dona Stella ir ao cinema, assim como havia toda uma simbologia quando uma atividade envolvia uma sala com a telona… ela ter sido chamada pro cinema pelo meu avô, por exemplo, significava que ele tava caidíssimo por ela e que queria dar as mãos sem muito alarde. E dar as mãos pra sempre. Daí pro casamento foi um pulo.

Hoje em dia bastante coisa mudou. Outro dia mesmo levei minha velhinha pra assistir a um filme 3D e ela ficou é nervosa ao mesmo tempo que hypada. Essas mudanças vão acompanhando, é claro, a geração, de forma que a minha não sente pesadamente as adaptações que rolaram. Como diz a minha mãe, a gente nasceu com o botão na mão. E talvez com o iPhone registrando o parto todo pra postar no snapchat. O fato é que, ainda assim, tento insistir no ritual do cinema, ainda insiro simbologias e peso e ainda o trato respeitosa e ritualisticamente.

Olha que partido alto essa Netflix! Você diria não pra essa gracinha?

No entanto, a vinda da Netflix foi mais que bem vinda. Afinal, queridos, eu não cago dinheiro ou tempo para tornar o ritual do Cinema algo diário ou coisa similar. Hoje em dia alterno entre os dois espectros da arte visual e acho um bom equilíbrio. E a Netflix pode ser aí a neo-sala de cinema em que casaizinhos ficam de conchinha, praticam o famoso Netflix & chill e entre uma série e outra, boom, casamento.

E é por isso, ressssssspeitável público, que venho aqui indicar três filmes excelentes, todos de um dos gêneros que mais aprecio: o thriller. Apesar de meus coleguinhas de site me enquadrarem aí nos filmes alternão-feminista-crítica-social-foda, eu sou vidrada em produções que me fazem sofrer de apneia. Agradecemos a preferência e desejamos a todos uma boa sessão. Digo, filme.
Um Contratempo (Contratiempo), de 2016, dirigido por Oriol Paulo

Mario (Mario Casas) está sendo acusado de ter matado a amante, Laura (Bárbara Lennie), e sua defesa se sustenta na pífia alegação de que não foi ele, basicamente. Isto se dá por que o quarto em que ambos estavam não tem indícios de ter sido palco para ninguém que não os dois; logo, o único assassino, aparentemente, é ele. No entanto, Mario veementemente mantém sua inocência e, para que haja chances no tribunal, conta com a ajuda de Virgínia Goodman (Ana Wagener), uma promotora fodona que é conhecida por ganhar todos os casos.

O filme é interessante por se passar basicamente através da conversa dos dois e ainda assim não ser monótono; pelo contrário, há uma constante mudança de ritmo conforme a trama desenrola. O cinema espanhol, clássico por suas reviravoltas inesperadas, não decepciona e traz esta característica. Ao longo do papo dos dois somos surpreendidos aqui e ali e, como de costume, há um escalonamento que desabrocha abruptamente com seu final.

No mais, vejam aí a lição que o longa deixa aos mais atentos: trair não é legal. Olha a merdalhada que deu, seu otário.

Hush: A Morte Ouve (Hush), de 2016, dirigido por Mike Flanagan

Só de ver o trailer desse filme meu coração deu uma disparada. E olha que eu já vi o filme duas vezes e já sei de cor e salteado o que vai acontecer.

Em Hush temos um thriller psicológico inteligente, que flerta com o gênero de terror na medida certa. Não é feito de grandes sustos mas mantém em sua história tensão do início ao fim. Seguindo a mesma linha de “The Babadook” ou do recente “Corra!”, traz consigo um elemento inusitado, o que quebra em muito os clichês narrativos que estamos acostumados. Nossa protagonista, Maddie (Kate Siegel), é surda e muda. Quer melhor escolha que essa pobre coitada para um sedento psicopata no meio de lugar nenhum doido pra aterrorizar uma nova vítima?

Seguimos então com Maddie tentando se proteger, atacar, fugir, pedir ajuda e tudo que é de praxe pra se manter viva. Passamos aí 87 minutos com o corpo travado de uma forma tal que a única solução é tomar dois comprimidos de tandrilax e ver, imediatamente após o filme, um episódio de “Ursinhos Carinhosos”. Um filme surpreendentemente bom e enfiado nos confins do catálogo da Netflix. Merecedor de maior destaque, dê uma chance pra essa obra bem feita.

O Convite (The Invitation), de 2015, dirigido por Karyn Kusama

Inacreditavelmente bem dirigido por Karyn Kusama, que entrou nos trilhos e produziu um filmaço diferente de Garota Infernal (também dela e HORROROSO), esse longa nos presenteia com muito nervosismo e uma temática comum a todos: afinal, ex bom é ex… morto? Brincadeiras à parte, Will (Logan Marshall-Green) é um ser humano evoluído e resolve atender a um convite meio esquisito: um jantar organizado por sua ex-esposa e o atual marido. Até aí muito que bem não fosse pelo clima bizarro que todo o ambiente despeja num esquema meio conta-gotas. Ele e atual namorada, Kira (Emayatzy Corinealdi), não estão lá muito bem ambientados e, acreditem ou não, isso não parece ter absolutamente nada a ver com o ex-relacionamento entre Will e Eden (Tammy Blanchard).

É claro que as desconfianças de Will são, no entanto, mal interpretadas e frequentemente redirecionadas a certa inveja e má-digestão do passado. Nós, espectadores, ficamos de fato em dúvida se o cara só está tendo um surto de paranoia ou se tem algo de errado naquele lugar. Afinal, Will está entrando em parafuso ou sua ex-mulher planeja alguma macabrice por trás dos sorrisos e gentilezas noite a fora? Confiram.

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