MetaGames: Gone Home
Nessa semana, pontuada pela fria e torta chegada de meu décimo sexto inverno, é impossível não pensar em uma narrativa coming of age para ofertar nessa linda ribalta metafictiana destinada exclusivamente aos videogames. Dessa forma não existe escolha mais feliz do que Gone Home.
Com apenas 2h, tendo como cenário uma típica casa ianque no plácido estado do Oregon, você é Katie, uma recém-formada filha pródiga retornando ao lar. Todavia, ninguém vai te buscar no aeroporto, a chuva cai e a morada dos seus pais está abandonada. Nela há apenas um bilhete de sua irmã, suplicando para você não investigar.
Assim, como todo bom videogame, sem tutorial, explicações mirabolante ou intermináveis cutscenes em CGI (o que só é aceitável na série Metal Gear), o indie já empurra o jogador em sua espiral de curiosidade. A casa, de largas escadas e quartos ariscos, remete a uma versão reacionária de parques de terror. Gone Home te leva a imaginar criaturas fantásticas ou psicopatas em cada ranger de porta, estalo ou piscar de lâmpadas. Todavia, enquanto te fustiga, o véu vai se dissipando e a narrativa se prova uma incrível e familiar história de amor.
Jogá-lo é como visitar a casa de nossa juventude, mobiliada com nossas mais ingênuas e fortes paixões, aquelas às quais, na ânsia infante de preencher, nos atirávamos meio sem saber por que. Quando olhamos para lá hoje, regurgitamos repressões internas por ter alimentado tal brutal ilusão. Na retrospectiva do tempo, porém, permanecem sinapses amargas:
“Aquele menino, aquela menina, poderia ter sido a tábua de salvação.”
No melhor estilo point and click, você vai se esgueirando entre os quartos e procurando – a partir de fitas, objetos e cartas – reconstruir essa trágica e linda história de duas meninas que, em meio a todo o caos, encontram a si mesmas numa mistura de Street Fighter, punk rock e uma romântica anarquia. Atirando você num mundo despedaçado, repleto de momentos melancólicos e líricos, o game faz de seus cenários claustrofóbicos cemitérios, onde jazem mortas vivas, promessas partidas e juras de amor, ecoando solitárias entre as paredes da vida. A cada cômodo um fragmento diferente, em cada gaveta uma nova e relacionável visão.
Trazendo à tona o pioneirismo gamer, Gone Home, conta uma história verossímil e sensível, na qual a nostalgia pelos nossos dias de naifismo juvenil transborda. Essa maneira como se utiliza das particularidades únicas da mídia, misturando um gameplay detetivesco com uma atmosfera sombria para contar uma versão moderna de Romeu e Julieta com traços de pós-modernismo, faz da obra um achado, uma partícula de baixo orçamento, que pulsa as capacidades únicas da décima arte.
Posso dizer que nessa quarta vou ligar o console e passeando por esses cômodos, de preconceito, dor e salvação gritarei boa noite, até o amanhecer, para minha já enferma juventude.
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