Na Mira do Atirador (The Wall)
“Deitado acordado à noite limpo o suor da minha testa
Mas não é por medo porque eu prefiro ir agora
Tentando visualizar os horrores que virão lá na frente
O monte de areia do deserto um cemitério
Quando chegar a hora
seremos parceiros de crime?
Quando chegar a hora
estaremos prontos para morrer”
Assim se inicia a música Afraid to Shoot Strangers, escrita por Steve Harris da banda Iron Maiden, acerca da guerra do Golfo. Assim, basicamente, se inicia e se mantém por 1h30 a nova produção de Doug Liman, Na Mira do Atirador.
Muitos são os filmes que contam uma história em uma só locação. Narrativas nas quais os protagonistas estão impedidos de sair dali, como se fadados ao castigo de Prometeu. Os efeitos no espectador são imediatos: a sensação que o personagem passa é sentida facilmente por aquele que o acompanha; claustrofobia ou aprisionamento, por vezes, incomodam deveras. Sem pensar demais, conseguimos, sem dificuldade, elencar os seguintes títulos como exemplos: “Uma Simples Formalidade“, de Giuseppe Tornatore (este, uma obra-prima da cinematografia mundial), “Enterrado Vivo” de Rodrigo Cortés, “12 Feet Deep” de Matt Eskandari, “Deus da Carnificina” de Roman Polanski, entre algumas dezenas de outros. Na Mira do Atirador, estreando hoje, segue esta proposta.
A sinopse é bem simples: dois atiradores americanos (Aaron Taylor-Johnson e John Cena) estão há 20 horas camuflados em um ponto específico do Iraque, de frente para um muro, espécie de barricada que, teoricamente, esconde um haji (termo usado pelos soldados para se referirem aos muçulmanos insurgentes). A visão que eles tem, de longe, é a de alguns combatentes dos Estados Unidos fuzilados. A partir da análise minuciosa da cena, ventilam a hipótese de aquele massacre ter sido feito por um único e talentoso sniper profissional. Incomodados com o calor da região, com a espera por (aparentemente) nada, o sargento Matthews (Cena) se põe a caminhar até o muro, revelando seu disfarce entre as pedras. Quando, porém, se aproxima do local, é alvejado e cai, ainda vivo. Isaac (Johnson) corre para socorrer o colega, entrincheirando-se nos escombros daquela antiga parede.
O conflito está, portanto, definido. Isaac precisa garantir a segurança do sargento, enquanto tenta sobreviver à mira do desconhecido. Ao tentar se comunicar com a central, o muçulmano intercepta sua linha e começa um jogo ideológico e militar. De um lado, a troca de tiros; de outro, a troca de acusações. O especialista escondido começa a despir Isaac de sua vida e de suas convicções. Enquanto discutem a invasão norte-americana e aspectos culturais de cada qual, um tenta vislumbrar o próximo movimento do outro para sair vencedor. A tensão paira. O americano tem pouco tempo, pois o corpo não resistirá aos ferimentos a longo prazo.
Doug Liman não se utiliza dessa história para mais uma propaganda ideológica dos Estados Unidos. Em tempos de Trump, poderíamos desconfiar de ações nesse sentido. No entanto, o que estamos vendo – mais comumente – são críticas a esse modelo de superioridade liderado pelo presidente fanfarrão. O diretor do filme esboça uma crítica ao pensamento messiânico geralmente atribuído aos americanos por eles mesmos. No entanto – assim como o recente “War Machine” – temos a plena sensação de que não foram além. Havia um material e possibilidades tão grandiosas para esta narrativa, mas que não foi aproveitada em sua plenitude. Não raro, vejo o americano como aquele indivíduo que não consegue desnudar por completo a sua cultura e suas instituições, temeroso de que isso poderia enfraquecer, diante dos olhos do mundo, a imagem de gigante indestrutível que construíram sob um alicerce falso e cambaleante.
Aquele que assiste a essa obra com olhar um tanto mais apurado, querendo motivar debates, sairá insaciado. O que foi para se envolver com um conto de guerra, este ficará um pouco mais animado. A tensão de ter uma mira sobre si próprio e de buscar uma saída quando tudo o que te protege é um condenado muro de tijolos velhos é levada a nós com segurança pela direção de Liman. Com dois atores (sendo boa parte do tempo, tão somente um) e a voz de um terceiro (Laith Nakli) e um cenário apenas, Na Mira do Atirador cumpre sua proposta, mesmo flertando com a possibilidade de ir muito além, ainda assim sem fazê-lo.
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