O Filme da Minha Vida
Há quase 10 anos eu fui despretensiosamente ver um filme chamado “Feliz Natal” durante o Festival do Rio. Saí da sessão arrebatado, comprei o DVD assim que lançou (sendo que encontrá-lo foi um suplício) e o assisti mais algumas vezes. Depois disso, com um sorriso no rosto e empolgação na alma de estar compartilhando algo que me é caro com alguém que me é ainda mais caro, eu emprestei o DVD ao meu amigo, irmão e sócio Rene Michel Vettori, na esperança de ter com quem discutir aquela obra que me parecera tão maravilhosa. Este filho da puta, contudo, está com o filme há uns cinco anos, não o viu e não o devolve.
Se aquele “Feliz Natal” – primeiro longa como diretor da carreira do até então conhecido apenas como ator Selton Mello – era um filme de densidade quase que intransponível, este O Filme da Minha Vida, seu terceiro filme, é de uma leveza poética, muito embora trate, assim como sua estreia na direção, de complicadíssimos dramas e traumas familiares.
A trama é centrada na vida de Tony (Johnny Massaro), filho de Nicolas (Vincent Cassel) e Sofia (Ondina Clais Castilho), na serra gaúcha do início da década de 60. Tony foi estudar na capital e ao voltar para a sua cidade, seu pai, parisiense de nascimento, sobe no mesmo vagão em que Tony chegara para voltar à França. Sem explicações, sem qualquer motivo aparente e despedaçando por completo o coração dos dois que ficaram.
Restando-lhes nada que não aceitar aquilo e seguir em frente, como soe acontecer com a vida, Tony e sua mãe, ainda que carreguem no peito o peso do abandono e a impotência diante das incertezas deixadas pelas circunstâncias do abandono, perseveram. Tony começa a lecionar no liceu local, onde dá aula para um grupo de moleques que só quer saber de ir ao puteiro perder o cabaço e onde conhece e se enamora das irmãs Madeira, Luna (Bruna Linzmeyer) e Petra (Bia Arantes, absolutamente estonteante em seu look anos 60). No resto do tempo, encontra em Paco (Selton Mello), o moleiro, um arremedo de substituição da figura paterna, em um personagem que funciona como alívio cômico e, de certa forma, fio condutor da história.
Ao analisar as relações familiares e o quanto nossos pais são fundamentais para a formação de nosso caráter e identidade, o cineasta, mesmo ao abordar um tema tão complexo e nodal para a vida, consegue fazê-lo de forma leve, de modo que o espectador leva todo o filme com um sorriso no canto da boca, seja por causa da sensibilidade daquilo que se ouve, seja por causa da beleza do que se vê.
Quanto ao que se vê e como já falado aqui anteriormente na crítica de “Redemoinho“, é necessário mais uma vez bater palma de pé para o trabalho de Walter Carvalho (que havia tão belamente filmado o próprio Selton em cena no estupendo “LavourArcaica“), disparadamente, em minha opinião, o melhor diretor de fotografia já produzido na América do Sul e um dos melhores do mundo. Os cenários idílicos e bucólicos da serra gaúcha são um prato cheio para o sujeito que tem o olho de Carvalho, conseguindo imprimir ação e sentimento em imagens tão banais quanto a de uma dona de casa colocando lençóis no varal ou nas muitas idas e vindas da maria fumaça que conduz a trama. É também de chorar o cuidado e o senso estético que se tem ao filmar as irmãs Madeira, fogo e água, construindo as personagens exclusivamente com a imagem.
Este longa é baseado no livro “Un Padre de Película” do renomado escritor chileno Antonio Skármeta, autor também do celebrado e excelente “O Carteiro e o Poeta“, adaptado com bastante sucesso para o cinema. Skármeta, inclusive, faz uma participação especial como o dono do bordel e tem um diálogo deliciosamente nostálgico com Paco. Se você já leu o livro, entretanto, não veja o filme achando que vai encontrar uma adaptação literal da obra. Selton toma MUITAS liberdades em seu roteiro assinado em parceria com Marcelo Vindicato, mesmo assim, consegue manter o espírito nostálgico e fazer a mesma ode à memória que Skármeta faz em sua obra, ao mesmo tempo que traz à história elementos novos, que adicionam a ela um sabor e uma identidade própria.
Usando muito bem todos os elementos postos à sua disposição, desde a magistral fotografia de Carvalho à mais do que competente entrega dos atores a seus personagens, além da pontual e pertinente trilha sonora, Selton Mello acerta novamente ao nos trazer um longa que mostra seu amadurecimento como diretor e é, até aqui, o melhor filme nacional do ano.
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