Onde Está Segunda? (What Happened to Monday)
“Resist the twisted truth no matter what the cost”. O que você faria num futuro distópico? Como agiria diante de uma nova ordem mundial ou social?
A distopia me é um assunto de extremo interesse. Qualquer material – seja literário, visual ou musical – que trate do tema me prende a atenção. Recentemente li Admirável Mundo Novo e lamentei por não tê-lo lido antes – não à toa estou aqui, abarrotada de livros na estante, mas repetindo o mesmo livro. A razão para distopias darem tão certo no geral é bem simples. Não é por que são brilhantes – nem sempre o são. 1984, por exemplo, não é a melhor distopia de todos os tempos, mas está presente na memória de muitos, ainda que rasamente, como uma música que só lembramos a melodia.
A explicação de distopias venderem tanto é, por fim, que todos nós adoramos um terror. E somos inegavelmente curiosos sobre o futuro, coisa que o Homem não lançou poder por completo ainda. Juntando os dois gostos, o que pode ser mais intrigante que um futuro terrível? E digo mais: nada mais aterrorizante do que a própria realidade. É por isso que quanto mais concebível for a história – em termos de meios tecnológicos e sociais em especial – mais envolvente ela se torna. Não há pior terror do que o quase-agora.
Sabendo disso, Onde Está Segunda?, a mais recente obra original Netflix, decola bem. Em uma era onde o controle de natalidade tomou proporções extremas, Terrance (Willem Dafoe ) esconde suas sete netas gêmeas do mundo. Mas isso não quer dizer excluí-las da sociedade; as meninas, nomeadas como os dias da semana, alternam-se em sua rotina de acordo com o dia de seu nome.
Mais uma vez a Netflix toca na ferida de uma questão já existente na contemporaneidade. Se antes, em Okja, discutiu-se a utilização de animais como fonte de alimento e suas formas de abate, agora o controle de natalidade é o alvo. Já em vigor em países como a China, que até pouco utilizava a exata regra do “filho único”, o filme retrata a formada resistência de garotas sobrevivendo. A própria existência delas já é uma forma de burlar o sistema, mas, ainda assim, as meninas têm que fazer parte deste mesmo sistema ao trabalhar, sair na rua de cabeça baixa e adequando-se diariamente. Fiquei especialmente ligada no desenvolvimento das personagens e suas individuais personalidades. Apesar de este já ser um clichê quando o assunto é gêmeos, é algo que em mim funciona.
No entanto, se o filme acerta na temática e também na caracterização, ele erra feio durante o desenrolar de seu roteiro. A história é: em algum momento dá merda, Monday (Noomi Rapace) some e elas são descobertas. Até aí, ok. Daí elas têm que lutar, literalmente, para sobreviver. Até aí, top (e deixo claro o tom de ZOAÇÃO ao falar essa gíria). A partir das sequências de fuga é que comecei a notar furos… o já conhecido sentimento de que tô sendo feita de boba por um filme. Algumas vezes pensamentos como “como isso foi possível?” e “pera aí, mas como ela arranjou maquiagem na cela de uma prisão e apareceu deslumbrante, de salto, de uma hora pra outra?” vieram. E, do meio do filme pra lá, fui brochando.
Durante a jornada para entender o paradeiro de Monday temos bastante ação, boas tomadas de luta em que mulheres sem armas esculacham um batalhão armado até os dentes, plot twists (que eu até ponderei por chamar de reviravolta por que eu já imaginava) e uma clara mensagem, com a qual eu concordo: não confie no sistema. No filme o controle de natalidade, assim como a retenção de irmãos “excedidos”, é imposto como o normal e única solução. E, ainda mais escrotamente, é pintado de maneira romântica, indolor e aliviante. Mas será mesmo?
No mais, por tratar-se de uma distopia (e já devo ter usado essa palavra umas 23 vezes), é um filme que vale ser assistido. Um salve para uma das últimas cenas por ter sido belamente orquestrada, com sincronia ao que estava acontecendo em paralelo. Achei o ápice artístico do longa. Um longo “nãããão” pela inserção de mais clichês aqui e ali, agora não dando tão certo assim.
“They tell us to believe just half of what we see and absolutely nothing that we hear”. É melhor analisar melhor o que é visto e ouvido por aí.
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