Crítica: Amores Canibais (The Bad Batch)
A Netflix lançou esta semana a nova produção da talentosa diretora iraniana (apesar de nascida na Inglaterra) Ana Lily Amirpour. Conhecida pelo seu interessantíssimo Garota Sombria Caminha pela Noite, ela insiste no clima fantasioso em seu segundo longa metragem, The Bad Batch (traduzido forçadamente como Amores Canibais, em cujo título não vi uma relação tão efetiva/eficiente considerando a história a nós narrada; já o original, literalmente “O Lote Estragado”, dá o sentido pleno da obra).
Estamos em um cenário pós-apocalíptico (universo comumente retratado atualmente; há um sem-número de produções que apresentam uma visão sobre como será o mundo em um futuro não muito distante): uma cerca separa o território do Texas daquelas terras desérticas abandonadas por Deus (em uma expressão usual); nele são jogados ao “Deus-dará” pessoas consideradas “estragadas”, os que não são “bons” o suficiente para viverem na sociedade aceitável, seja por moralidade, por físico, por idéias ou por caráter. Aberrações que colocariam a civilização em risco, talvez.
Nesta região inóspita, eles têm que lutar a luta diária de um contra todos. A escassez de alimentos e demais recursos faz com que alguns – os mais fortes fisicamente – saciem suas necessidades praticando o canibalismo, deixando suas “presas” amputadas de um membro ou outro. Em meio a isso, tentam encontrar materiais de uso cotidiano em lixões ao céu aberto. Alguns enlouquecem, outros esfriam seus sentimentos. Vivem como animais, sem criar relações pessoais; apenas em raros casos. Pois bem. Esse cenário pós-apocalíptico da anglo-iraniana Amirpour é uma união do que costumo ver diariamente no Jacarezinho, ambientado em Jardim Gramacho, ali em Duque de Caxias. Parece-me que o Rio de Janeiro é o futuro. Bem esse tipo de futuro.
A história segue a personagem Arlen (pela pouco inspirada Suki Waterhouse), que sofre uma dessas investidas anteriormente descritas. Não sabemos nada sobre ela; porque está ali e o que deverá fazer. Ela apenas tenta sobreviver. É o que todos ali fazem. É o que todos nós fazemos. Ela passa a criar (evidentemente) um ódio por aqueles que, ali dentro, deformaram sua condição outrora normal. Após esbarrar com uma criança (Jayda Fink) e sua mãe, o ódio já florescido faz Arlen se vingar não de seu algoz, mas do que aquilo representa. A criança – fria o bastante para não deixar uma lágrima escorrer por assistir uma execução a meio metro de distância – passa a ser cuidada pela protagonista, que vive em uma espécie de refúgio, onde as pessoas são controladas por um chefe abastado (o simpático Keanu Reeves), que tenta criar um pouco de “civilização” dentro daquele freakshow. Mais tarde, após perder a guria, Arlen é intimada pelo pai Miami Man (Jason Momoa) (em um improvável encontro ao acaso) a recuperá-la. Ela, então, vai determinada em sua jornada.
Com elementos que, por vezes, lembram Mad Max: Estrada da Fúria, especialmente no cenário, Amores Canibais não vai além como a obra de George Miller. A fraqueza de seus personagens, em muito evidenciada pelo pouco esforço das atuações, unida a uma história um tanto quanto vazia e, nas raras vezes em que o silêncio é quebrado, preenchida com diálogos rasos, não é sustentada pelo belíssimo estilo e fotografia. Em determinado momento, parece-nos que a diretora se preocupou com o estilo, deixando de lado a narrativa, que anda forçadamente pelos caminhos que ela decidiu. É uma daquelas situações em que a história não tem vida própria, não caminha naturalmente, mas é carregada pela mão de alguém. E isso não é bom. O resultado é o que ressaltei durante todos esses parágrafos: uma obra fraca, sem profundidade, mas com uma estética de valor. Pena que ela não pode conduzir o filme sozinha.
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