Crítica: Mãe! (Mother!), por Rene Michel Vettori

Esta é a terceira crítica do MetaFictions acerca da obra do impecável diretor Darren AronofskyMãe! (Mother! – durante o restante do texto, utilizarei o nome original, visto que já é, em si, carregado de simbologias, o que se perde na tradução). Uma de Thotti Cardoso, que a colocou como obra-prima (a 6ª claquete de um total de 5, pela primeira vez em nossa avaliação) e outra de Marco Medeiros (relegando o título com duas sofríveis claquetes). Isso já justifica nosso pouco explorado quadro MovieBattle. Então, você se pergunta: para quê um terceiro review, se já temos dois extremos opostos aqui representados? A resposta se dá pela complexidade do filme. Estou de pleno acordo com Thotti ao categorizar o filme como obra-prima (mantenho as inéditas 6 claquetes do amigo), no entanto minha interpretação acerca de seus signos é o extremo oposto. Para que, portanto, o leitor não fique apenas em contato com uma leitura possível, deixo aqui a minha percepção.

Utilizando uma casa – e uma casa apenas – Darren consegue nos levar “em um passeio numa montanha russa” (como ele mesmo ilustrou em suas entrevistas). Não se prenda pelo elenco (maravilhoso, apesar de alguns deles serem automaticamente ligados a certos tipos de filmes bem palatáveis). Não se prenda pelo trailer, que passa uma imagem de suspense/terror. Há, sim, uma estrutura que flerta diretamente com esses gêneros, mas a obra é muito mais do que isso. Ela é para além de todas as coisas. Estamos falando aqui de Arte em seu estado mais puro.

“No princípio, Senhor,firmaste os fundamentos da terra, e os céus são obras das tuas mãos” (Hebreus 1:10)

Jennifer Lawrence e Javier Bardem moram em uma casa reformada por ela, após ter sido consumida por fogo ardente. Ele, o poeta, passa por uma crise criativa, enquanto ela trata de reconstruir a morada, detalhe por detalhe, para a formação de seu “Paraíso” pessoal. Tudo o que ela faz, ela faz sempre considerando ele; é tudo por ele. Seu amor é incondicional. A mãe é todo amor. E apesar dos egoísmos e egocentrismos do artista, ela releva suas atitudes, por vezes constrangedoras, por outras ofensivas, pois seus sentimentos não são destruídos por fogo infernal. O que, aparentemente, parecia o lugar dos sonhos para um casal apaixonado, começa a ser receptáculo do caos quando, repentinamente, um estranho (Ed Harris) chega e se hospeda, a convite do escritor. A partir daí, somos arrebatados por um turbilhão de signos (desde o título original até um simples remédio amarelo ingerido pela protagonista, sendo a esmagadora maioria bíblicos) em uma narrativa que não nos levará pela mão, mas nos atingirá impiedosa, colocando-nos parte da História que se sucederá à nossa frente.

Eu consegui identificar, no mínimo, seis leituras possíveis do belíssimo conto trazido pelo genial Aronofsky, das quais uma me foi mais completa, significativa, sustentável pelas suas simbologias e que disse mais ao meu íntimo. Esta interpretação é a religiosa, mas não como crítica a ela. Parece-me muito claro o quanto Darren (que ama temáticas desse tipo) grita com suas imagens a nossa relação egocêntrica e egoísta para com Deus. Quase como um chamado à fé de cada ser humano; este mesmo que, por vezes, se sente maior que o Criador, enquanto promove destruições em massa, perdendo-se em meio ao seu Paraíso já encontrado. Ignorância, intolerância: partes de um ser que se pretende grandioso, mas que nada é além de uma mistura barrosa.

“Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis” (Romanos 1:20)

Em Mother!, Darren se vale da sua carreira extremamente sólida para realizar algo tão sincero e tão verdadeiro que o resultado é o que estamos a ver: uma divisão brutal da crítica. O filme não é para o grande público. Essa é a sua expressão pessoal mais visceral, por isso tão carregado de simbologias que fazem de cada elemento narrativo algo de uma profundidade absurda. Somos tragados pela história de forma que não conseguimos mais ver o topo, a saída. A profundidade nos leva através de uma correnteza devoradora. O filme se sustenta por si só. O filme se sustenta em cada uma das (para mim) seis leituras possíveis. O filme não para após os créditos, mas desafia suas percepções por horas, dias, semanas. E, exatamente por isso, trata-se de uma obra-prima, de Arte em seu estado mais pleno.

Não há um só título, em toda a sua filmografia, que não seja perfeito. Há, no entanto, três ou quatro que extrapolam o perfeito. É o que chamamos, usualmente, de obra-prima. Mother! é uma delas.

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