Crítica: Star Trek: Discovery 1º e 2º Episódios da 1ª Temporada (T01E01 e T01E02)
Foi em 8 de setembro de 1966 que a série clássica de Star Trek, aqui no Brasil chamada de Jornada nas Estrelas, estreava, inaugurando ali a maior, mais abrangente, prolífica e obsessivamente cultuada franquia da história da televisão, espalhando-se por todas as outras mídias e influenciando geração atrás de geração de nerds e espectadores casuais. No terreno do audiovisual, Star Trek foi responsável por 5 diferentes séries live-action televisivas (Original, A Nova Geração, Deep Space Nine, Voyager e Enterprise), 1 desenho animado e 13 longa metragens (com um 14º no forno), sem contar as fan fics, HQs, jogos de videogame e tabuleiro, RPGs, livros…
Após um longo período de 18 anos entre 1987, com a “A Nova Geração”, até 2005, com o cancelamento de “Enterprise”, os televisores do mundo puderam sempre contar com alguma coisa da franquia sendo produzida para a televisão. No entanto, os trekkies (fãs obcecados por Star Trek), estão órfãos de Gene Roddenberry (criador orginal da série) desde então. Por longos 12 anos ficamos sem nada e, agora, após o largamente considerado bom (ainda que um tanto descaracterizante) reboot cinematográfico nas mãos de J.J. Abrams, a CBS resolveu produzir e despejar MUITO dinheiro na realização de uma nova série televisiva.
Felizmente para os brasileiros e não-americanos, quem distribui a série internacionalmente é a Netflix, o que, pensando bem aqui com meus botões, é uma belíssima alegoria exatamente do que esses dois primeiros episódios querem passar.
Em Star Trek: Discovery – que continua a tendência dos novos filmes ao abandonar o “Jornada nas Estrelas” em seu título em português – acompanhamos a Imediato Michael Burnham (Sonequa Martin-Green), o que, de cara, já quebra um paradigma da franquia. Sempre acompanhamos o Capitão de uma nave estelar ou, no caso de Deep Space Nine, um Comandante de estação espacial, mas desta vez, pelo menos até o que estes dois episódios pilotos nos esclareceram, a protagonista da trama não terá o comando, talvez nem da própria vida.
Michael é Imediato da Capitã Phillipa Georgiou (Michelle Yeoh) na USS Shenzhou, uma nave exploradora da mesma Frota Estelar de sempre. A história se passa uns 10 anos antes dos eventos da série original, quando o principal inimigo da Federação eram os famigerados Klingons, uma raça guerreira e conquistadora. Em Discovery, não se tem notícias dos Klingons há cem anos, uma vez que o Império Klingon, representado politicamente pela influência e poder de 24 grandes casas, está desunido e em caos interno.
É então que surge a figura messiânica e agregadora de T’Kuvma (Chris Obi). Com um discurso que encontra eco nos movimentos isolacionistas e xenófobos de extrema direita do mundo todo, é aqui que Star Trek, como tanto fez em suas encarnações anteriores, brilha. É ao se valer da ficção científica como uma alegoria para o que está acontecendo no mundo e nos aflige enquanto uma sociedade só que a série se solidificou como das mais relevantes da história, e Discovery parece firme na intenção de manter esta excelente tradição.
Como todo bom líder carismático de uma sociedade desorganizada (vide Felipão na copa de 2002), T’Kuvma encontra na Federação e no seu bordão pacifista de “viemos em paz” o inimigo perfeito contra o qual unir uma raça guerreira e trazer sobre uma só bandeira as 24 casas dominantes. T’Kuvma quer fazer o Império Klingon ser grande novamente, ele quer manter a pureza das suas tradições e de sua raça. Qualquer semelhança com a realidade não é MESMO mera coincidência.
Em um episódio piloto duplo (“Vulcan Hello” e “Battle at the Binary Stars”), somos apresentados à trama e aos personagens, ainda que de forma um tanto corrida e superficial. O ponto alto, sem dúvida, é a qualidade de produção. Claramente a CBS não poupou dinheiro nos efeitos especiais e maquiagem. Ao mesmo tempo que permanece fiel ao estilo consagrado pela série original, os produtores souberam adaptar os cenários, equipamento, naves e roupas à nova realidade de 2017 e ao orçamento obviamente gigantesco. O destaque nesse quesito fica para a maquiagem e montagem de cenário do núcleo Klingon, cuja caracterização já teve de ser readaptada incontáveis vezes. Desta vez, inclusive, vemos que há Klingons de várias cores, o que vem para demonstrar ainda mais o cuidado e esmero nesse departamento.
O mesmo elogio, contudo, não pode ser feito às atuações. Apesar da a edição ser um primor técnico e a cinematografia ser estonteante – com closes e mais closes bem típicos das obras comandadas por Bryan Fuller (de Hannibal), que já não é mais showrunner da série – a direção de atores e as próprias atuações deixam um pouco a desejar, à exceção dos Klingons e do ótimo Tenente Saru (Doug Jones).
Estabelecendo com competência as bases da trama na qual toda a temporada deverá transcorrer, os dois primeiros episódios ainda apresentam efeitos especiais de uma qualidade que não lembro de ter visto igual na televisão e uma batalha espacial que remete mais ao reboot do que às séries, o que, no que tange coisa explodindo no espaço, eu acho realmente muito melhor. Resta claro também que um outro paradigma quebrado, já que, ao que tudo indica, teremos um programa serializado, ou seja, cuja temporada ou até mesmo a série inteira seguirá um arco narrativo só. Historicamente, à exceção de alguns pequenos arcos de 2 ou 3 episódios nas versões televisivas mais recentes, Star Trek sempre foi uma série de antologia, ou seja, de episódios avulsos sobre temas variados e que não seguiam uma consistência narrativa.
Ao contrário do que normalmente acontece com as séries Netflix, desta vez os episódios serão disponibilizados semanalmente, toda segunda-feira. Teremos mais 7 episódios até novembro, quando então vai acontecer aquela maldita mid-season em que a série fica suspensa por alguns meses, voltando em janeiro e se estendendo até fevereiro, o que torço para ser o único ponto negativo de Star Trek: Discovery. No geral, é um bom começo e que deverá agradar aos fãs malucos, que sem dúvida torcem para que a série tenha uma vida longa e próspera (rá!) e ao público casual.
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