First They Killed My Father: A Daughter of Cambodia Remembers

Angelina Jolie passa sua sensibilidade e crenças ideológicas de forma sóbria, madura e fantástica em seu novo longa. Com uma carreira deveras “lado B” enquanto diretora, a temática de guerra é uma constante em seus trabalhos do outro lado da tela. Dessa vez ela escolheu retratar um conflito pouco conhecido, escolhendo-o justamente como um ato de tomada de consciência para os telespectadores. O filme sussurra já de início em seus ouvidos: você conhece essa história? Você conhece essa gente? Você sabe por que, quando e como isso aconteceu? Eu não sabia. Faço parte da grande e infeliz parcela que pouco sabe da história oriental. Jolie, agradeço pelo balde de água fria em minha ignorância. Seguindo a característica primordial da verdadeira arte, First They Killed My Father nos desperta.

Camboja, 1975. Localizado ao lado de Vietnã, que sofria com a guerra desde 1955, o país enfrenta uma guerra civil que culmina com a tomada do poder pelo grupo extremista Khmer Vermelho. Camboja sofre também bombardeios americanos apesar de ser um país neutro no conflito externo e, além de tudo, os Estados Unidos apoiam o golpe militar por lá, evento que intensificou a derrubada do governo e o domínio radical. O grupo que viria a exterminar mais de 1 milhão de habitantes da região fica no poder durante os quatro anos seguintes.

Iniciamos o filme observando uma rotina normal de uma família de classe média que vive na capital. Rasgando um imaginário que remete à pobreza, as cenas mostram a banalidade burguesa que a região tem como característica. Uma bela casa, carro, roupas e conforto. Até que o já citado grupo toma Phnom Penh. Se antes a capital era símbolo de estabilidade, agora era um signo do que o grupo “comunista” devia combater. A menininha Loung (Sareum Srey Moch) é expulsa junto com sua família rumo ao desconhecido. 

Submetidos à integração naquele governo autoritário que clama seguir o comunismo, a rotina da família agora é outra. Trabalho análogo à escravidão, no qual crianças de 7 anos exercem funções que são de adultos também. Seus pertences materiais são confiscados e taxados de símbolos de uma sociedade em que há ricos e pobres; nesta de agora as classes seriam extintas. Mas o que realmente segue são ações tirânicas que impõem uma utopia agrícola, lealdade ao líder do regime, torturas, execuções e subnutrição daquela população. Não há espaço para ser uma família. No entanto, com as mãos atadas para resistir fisicamente, em meio a essa realidade, manter os laços é um ato de resistência.

Através de um contraste assustador, vemos as miudezas da família sendo exterminadas. As roupas, tingidas de uma só cor. A comida, escassa, a não ser quando alguém trazia grãos de arroz roubados de maneira heroica, considerando que o ato tinha punição física podendo levar à morte. As crianças vão esquecendo de seus espaços juvenis e inocentes; expostas a tanta violência, armas e estupidez. Inevitavelmente há a naturalização daquilo para uma sanidade mental funcional. As conversas e consolos passam a ser através de olhares, sentidos e expressivos, na falta de protestos em voz alta.

A fila para a escassa alimentação cuspida aos habitantes.

Depois de passar pelos campos de trabalho agrícola, a menina é recrutada pelo exército da organização. Uma criança de 7 anos aprende o manuseio de armas de grande porte, engole o choro e o desespero, desativa sua humanidade e é submetida à uma doentia rigidez e desesperança. Pelo olhar da menininha Loung, somos expostos às brutalidades do genocídio cambojano, pouco posto em pauta para estudo até onde minha realidade alcança. É horrorizante sem usar quase nenhum recurso de ação como bombas, tiros, mortes sanguinolentas e rapidez de corte entre uma cena e outra. É medonho por justamente ser calmo. Orgânico. Normal. Real. A realidade é de fato assustadora e não precisa de muitos artifícios para que vejamos isso.

Um filme muito necessário para fins de conscientização e para que a história não se repita. Não há futuro sem memória. Em First They Killed My Father a memória de uma filha de Camboja é posta à luz e honrada respeitosamente.

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