Nostalgia: It - Uma Obra-Prima do Medo (It)

Eu sempre odiei palhaços. Nunca os achei engraçados, simpáticos, tampouco convidativos. Era uma sensação de completo asco e rejeição. São figuras bisonhas, assustadoras e medonhas. Fui crescendo e esse sentimento jamais se modificou. Quando vejo um palhaço, um impulso me toma e eu quase me levanto para dar vazão a ele: pegar um taco de beisebol e investi-lo ferozmente contra o idiota pintado (não o homem por trás da máscara; este, pra mim, sequer existe. Eu só enxergo o palhaço). Seja ele humano ou de brinquedo, um enjoo instantâneo parece estar diretamente associado a este ser. Tenho para mim que o que me incentivou e valorizou este sentimento foi It: Uma Obra Prima do Medo, dirigido por Tommy Lee Wallace, quando vi na infância. Lembrava-me muito pouco, tão somente da figura hedionda e da clássica cena do barquinho (logo no começo). Revi para escrever este quadro, por conta do especial referente ao remake It: A Coisa de Andy Muschietti. Pensei que algo teria mudado em mim. Enganei-me. Continuo com a mesma repulsa. Toda vez que o enquadramento contemplava Pennywise, eu balbuciava “bicho escroto”.

Eu odeio palhaços.

Feita enquanto minissérie de TV de dois capítulos, a obra que aqui foi lançada como um filme de 3h conta a história de sete adultos que se reencontram por causa do estranho desaparecimento de crianças em uma região pacata dos Estados Unidos. Um telefonema é dado para cada um dos seis por este sétimo envolvido, e quando ele fala “A Coisa (It) voltou”, a expressão dos demais adultos modifica instantaneamente, tamanho horror. Memórias da época de criança retornam implacáveis, teimosas e grudam como material para além do pegajoso. “A Coisa” (interpretado odiosamente – nesse caso, isso é um elogio – por Tim Curry), também conhecido pelo nome de Pennywise, foi fato marcante naquela juventude. Agora, eles terão que revisitar seus maiores medos e traumas em busca de uma definição completa daquilo que mais os aterrorizou por uma vida inteira.

“The Lucky Seven”, o mosaico de minorias.

O grupo segue uma curiosa construção: uma mulher, um negro, um judeu, um gay, um gago, um nerd e um gordo. Uma miscelânea de minorias. Ironicamente, eles se auto-denominam “the lucky seven” (os sete sortudos). Todos carregam uma história de desgostos: além de serem (obviamente) vítimas de bullying, suas casas são, para alguns, um inferno travestido. Pais abusivos, irmãos que se foram, frustrações pessoais. Como se não bastasse, são alvo do palhaço grotesco; este mesmo que levou a vida do irmãozinho do menino gago. Naquela infância de amargura, eles prometem se reencontrar caso o maldito ressurgisse.

Entre flashbacks, alternando as idas e vindas presente-passado, toda a história nos é construída e costurada a partir da experiência prévia. A situação de déjà-vu é muito comum, não apenas pela presença do desgraçado algoz, mas porque muitos continuam a viver uma releitura de seus primeiros dias. Ainda que adultos, a fragilidade diante do trauma é tão imperativa, que todos se comportam como os mesmos moleques de antigamente. E o medo alimenta o obsessor deplorável. Sofrendo da mesma falta de coragem, aos poucos, os amigos se fortalecem para encarar a encarnação de seus piores momentos de vida. Pennywise, o indesejado animador, a destruição maquiada de alegria, a frustração camuflada de risada, o desgosto passado com ironia. É ele, o palhaço que representa nossas vidas, contra quem temos que lutar, dia após dia. O risonho escroto.

Mas que vontade insaciável de desferir um golpe nesse palhaço escroto!

Rever o filme que ajudou na construção dos meus pavores foi curioso. Peguei-me tendo pesadelos com o colorido imbecil, naquela noite. Identifiquei alguns dos meu medos e percebi que, apesar de tolos, algumas sensações parecem insistentes. É verdade que a obra, enquanto cinematografia, tem um sério problema de conclusão, parecendo que foi remendada de algum outro conto. Mas na memória afetiva, algumas cenas e construções ainda são marcantes. Talvez sejam apenas para uma criança. Se sim ou se não, não posso arriscar uma resposta. Mas uma certeza fica… eu odeio palhaços.

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