Assista!: Três... Extremos (Saam gaang yi)

Se você pegar alguns anos para trás, vai perceber que algumas produções americanas de terror foram remake de obras asiáticas. Em comparação, notará ainda que os títulos originais são bem mais viscerais, assustadores e desafiadores do que suas releituras ocidentais. Parece-me que os orientais não tratam alguns temas de maneira hesitante. Eles não ficam “em cima do muro”, mas vão além; atravessam determinados o caminho e, por isso, produzem algo sincero. Os orientais perambulam entre os extremos.

Abrindo a semana de Halloween, na qual nossos quadros terão a temática terror/suspense como protagonista, o Assista! vai até o Oriente para trazer aquela que considero ser uma das obras mais marcantes de terror de todos os tempos. Contando com três episódios escritos e dirigidos por artistas diferentes, representando três grandes países do continente (China, Coréia do Sul e Japão), Três… Extremos é um daqueles filmes que consegue associar profundidade, estética e os melhores elementos do gênero.

Até onde iria pelo seu desejo pessoal? (Miriam Yeung em Dumplings)

Abrindo com o segmento Dumplings, regido pelo chinês Fruit Chan, acompanhamos a história de Ching (belamente atuada pela lindíssima Miriam Chin Wah Yeung), em crise de meia idade, por se ver envelhecer à medida em que o desinteresse do milionário marido por ela aumenta. Após saber que Mei (Bai Ling), uma pessoa da região, consegue rejuvenescer e manter as pessoas assim, Ching decide encontrar a misteriosa e peculiar figura em um bairro de classe pobre. Até que se vê de frente para o método exótico de Mei, que aparenta ser uma jovem mulher, apesar da idade avançada.

Ching se vê desafia internamente (tanto em sua moral, quando em seus limites) quando descobre que a fonte de juventude são dumplings (guioza, aqueles pasteizinhos asiáticos) recheados de um ingrediente pouco usual que, segundo Mei, é o que garante o vigor inabalável da pessoa; o que faria seu marido se dobrar diante dela mais uma vez, tal qual quando se conheceram. Em dúvidas diante disso, Ching dá uma chance para a consideração da “jovem” moça, enquanto mastiga enojada, de uma vez, aquele bolinho abjeto. Ouvimos os pedaços se partindo dentro de sua boca, enquanto os dentes dela trituram aquilo. Terror em seu estado mais puro com um breve mastigar. Isso é fantástico!

Percebendo os efeitos que a degustação ocasiona, Ching se aprofunda cada vez mais nesse cardápio bizarro para atender seus desejos mais íntimos. O paladar se adapta ao novo ingrediente. As feições enojadas dão lugar a um semblante de quem come o que de mais natural lhe é servido. Ao passo que seu relacionamento vai mudando como queria, Ching percebe que há contrapartidas em sua atitude. Até que ponto ela estará disposta a ir em busca de sua eterna juventude?

A teia complexa dos sentimentos humanos. (Cut)

Em seguida, há o episódio Cut, dirigido pelo sul-coreano Chan-wook Park, uma das coisas mais primorosas que alguém já terá visto. Não há nada melhor do que um filme de vingança produzido por um asiático, em especial se este for o Senhor Park. E Cut é só mais um maravilhoso exemplo disso em sua filmografia. Nele, é apresentada a história de um diretor de Cinema (no tom exato por Byung-hun Lee) extremamente talentoso, bem-sucedido, bonito, além de ser caridoso e altruísta (a ponto de dispensar a equipe para que descansem, enquanto vara a madrugada trabalhando sozinho). Após um estressante dia de trabalho, ele é sequestrado por um estranho (peculiarmente atuado por Won-hee Im). O diretor acorda naquilo que parece ser sua casa, mas que se revela uma cópia dela em estúdio. Ao lado, com os dedos colados no piano, está sua mulher (expressivamente atuada por Hye-jeong Kang). E o sequestrador entre eles.

O criminoso tem em sua motivação o fato de o diretor possuir todas as qualidades. Além de rico, bem sucedido e talentoso, ele quebra o esterótipo quando se mostra agradável e preocupado com o bem estar de quem está à sua volta. Segundo o sequestrador, a existência de alguém assim tão maravilhoso faz com que não reste nada para pessoas como ele próprio. Dessa forma, inicia-se um jogo de verdade ou consequência de modo que o diretor, forçadamente, declare todos os seus pecados, mostrando que há nele algo de contestável.

Os três personagens entram numa espiral medonha de ódio e horror, enquanto são colocados em seus extremos mais odiosos. Com impecável estética e estilo, enquanto desnuda a alma, Cut vai cortando, camada por camada, a pele plástica e falsa que esconde a real essência do ser humano.

O show de horrores de cada um. (Box)

Em clima bastante diferenciado de seus dois predecessores, Box, assinado pelo japonês Takashi Miike, traz um clima onírico em um filme deveras silencioso, que vai construindo o medo no espectador, plano após plano. Ainda que não apele para jump scare ou elementos mais imediatos de susto e medo, a obra japonesa cria e mantém, em todos os seus minutos, uma tensão sedutora em quem o assiste.

A história que se segue é a de um escritora que, mentalmente, revive o trauma promovido por uma tragédia de infância. Presente, passado e memórias (criadas ou reais) se costuram entre si, criando no espectador e na própria personagem medo, tensão e confusão, enquanto os blocos da narrativa vão se encaixando um no outro, revelando o sentido daquelas imagens (sedutoras já pelo seu estilo e estética impecáveis). Caixa que esconde um corpo, um circo vazio e um incêndio. Todos esses elementos vão passeando entre o real e o imaginário (ou não) à medida em que nos leva à catarse de uma conclusão que, apesar de não explosiva, mantém-nos vidrados como durante toda a narrativa.

Os três… extremos.

Seja a busca pela juventude, seja a inveja incontida, ou as lembranças que retornam, cada um desses elementos são capazes de levar o indivíduo ao seu extremo mais absoluto, revelando que o ser humano é uma figura distorcida, um esboço bizarro recheado de horror.

Horror, horror, horror! Não pode a língua nem o coração conceber-te, nem dar-te nome algum.
(William Shakespeare).

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