Crítica: Entre Irmãs


Depois de levar mais de cinco milhões de espectadores ao cinema com a história de dois irmãos em “2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano“, Breno Silveira retoma a delicada relação entre aqueles que vieram do mesmo útero. Só que, agora, os tons são outros: saem cantores sertanejos e entram costureiras, Goiás cede lugar a Pernambuco e o tom lírico-documental cede espaço à grandiosidade de um épico que, embora gigante no tom e na técnica, consegue manter-se intimista e feminino. Assim é Entre Irmãs, que traz no DNA os genes aditivados de verdadeiras majors: a Sony, a Conspiração Filmes, A Globo Filmes e a O2. Respeita as moças.

Emília (Marjorie Estiano) e Luzia (Nanda Costa) são as irmãs do título, no Nordeste dos anos 20 e 30. Criadas para serem costureiras, a primeira sonha com um príncipe encantado que a leve para uma vida de glamour na cidade grande, enquanto a segunda, trazendo as sequelas de um acidente da infância, pensa que o mundo é só aquilo que vê. As duas serão separadas pelo destino, mas os laços imateriais da irmandade as sustentarão em meio às reviravoltas que a vida (e o bem traçado roteiro) dá. No caso de Emília, através de um casamento de conto de fadas que, mais tarde, revela-se não tão edulcorado assim, nos preconceitos da alta sociedade e nos conflitos de um marido (Rômulo Estrela, em consistente atuação) em um mundo cruel com as diferenças. Para Luzia, os desvios dos caminhos se dão ao ver-se (obrigada, em princípio, por vontade e amor, a posteriori) em meio a um grupo de cangaceiros, tornando-se esposa do líder (Julio Machado) e recebendo a alcunha de a Costureira.

Entre Irmãs é grandioso no discurso e na poderosa elaboração técnica. O sertão do Brasil nunca antes foi mostrado com tamanho gigantismo e beleza, frutos de uma das mais bonitas fotografias que nossa cinematografia presenciou. Figurinos e direção de arte não ficam atrás, reconstruindo de forma bastante impactante o Recife dos anos 30. A grandiosidade também se revela temática, na abordagem de assuntos como a condição feminina, a homossexualidade, o aborto e o cangaço.

No entanto, o longa equilibra tais hipérboles com uma pegada intimista, feminina no sentido mais mágico da palavra, aquele que aponta a capacidade das mulheres em construírem verdadeiras revoluções nos espaços interiores, sejam eles as casas ou os próprios corpos. Breno Silveira constrói um “épico de uma tonelada de plumas”, definição que fica bem marcada até mesmo na belíssima trilha sonora, que mescla o gigantismo de preciosa orquestra com os ritmos ora brejeiros, ora insolentes, dos ritmos nordestinos.

Os únicos incômodos da esmerada produção talvez decorram exatamente de seu poder de fogo. Por um lado, o filme comete o pecadilho de parecer “bem-tratado demais “ em alguns (poucos) momentos, deixando que a emoção se retraia em presença de tanta abundância visual. Por outro, ele sofre um pouco de uma quebra de ritmo, acelerado demais no início, lento no quarto final.

Porém qualquer senão desaparece na presença de suas protagonistas. Há que se marcar que todo o elenco está muito adequado, mas Marjorie Estiano e Nanda Costa oferecem trabalhos de encher os olhos. Juntas ou separadas são duas atrizes que estão no melhor de suas formas em seus ofícios. Contrastantes e complementares na condução da montagem de suas personagens, elas criam duas vidas na tela. Bonito de se ver.

No fim, o filme é, acima de tudo, um testemunho dessa sutil e única cumplicidade que só quem tem irmãos sabe como é e que Drummond (sempre ele) tocou tão belamente quando escreveu:

Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?

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