Crítica: A Guerra dos Sexos (Battle of the Sexes)

“Até que você é espertinha, hein?”

O contexto era uma conversa com um amigo do meu ex-namorado. Ele nunca tinha trocado muitas palavras comigo e deduziu, baseado em não sei bem o que (talvez aparência tão somente), que meu intelecto era irrisório. Isso por que ele ainda completou com um “não imaginava que você era assim, não parece”. Embrulhei o estômago. Um risinho sem graça que maqueou o machismo goela abaixo procedeu.

Não foi a primeira vez que fui subestimada enquanto mulher, e não ser humano, visto que ser dito como menor é comum à todos. Mas quando visivelmente isso se dá por você ser uma garota é ainda mais amargo. No filme A Guerra dos Sexos  temos a tônica do sexismo nos esportes, especificamente no tênis, através da história de Billie Jean King (Emma Stone) e sua exigência por pagamentos igualitários entre homens e mulheres. A tenista conquistava então seu lugar ao sol, era uma voz reconhecida em sua categoria e soube usá-la para fazer mudança no que há muito pedia por uma.

Emma Stone encarna Billie Jean nessa que é possivelmente sua melhor atuação até agora.

Nos anos 70 o movimento feminista ainda era uma “novidade” muito polêmica e que dividia dicotomicamente as opiniões por aí. As aspas se dão pois, historicamente, o feminismo vinha crescendo desde (pasmem!) a Idade Média. Claro que negligenciado e ainda embrionário, mas quero dizer que não era assim tão recente uma reivindicação por direitos e tratamentos justos, já que o discurso de que mulheres são intelectualmente inferiores aos homens estava cada vez mais desgastado e mostrava-se uma balela difícil de digerir.

Mulheres não queriam mais a limitação do trabalho como dona de casa, ou estavam fartas de terem espaço apenas em postos como os de professora ou enfermeira. E nestes, ainda, eram tratadas como inferiores, recebendo sempre uma forçosa injeção sexista de que é o mais longe que podiam chegar. Aquelas mulheres tinham formação acadêmica, direito adquirido algumas décadas passadas (ainda que, claro, fosse um privilégio à classes de elite). Não lhes cabia somente o fogão ou a máquina de lavar.

Diante desse recorte, Billie Jean vai contra a maré midiática e a sociedade majoritariamente patriarcal, mergulhando na segunda onda do feminismo. Aliada às jogadoras de tênis da época, junta-se até com uma oponente escrota, Margaret Court (Jessica McNamee) e criam uma liga feminina independente – a tal da sororidade acontece bem diante de nossos olhos. Com um discurso não-agressivo que pede apenas por um olhar respeitoso e sério para com o tênis feminino, a jogadora rebate comentários ignorantes e desestímulos às mulheres. Dentro disso, um opositor caricato que se auto-intitula como “macho chauvinista”: Bobby Riggs (Steve Carell), ex-campeão tenista.

Conhecido por aparições circenses dentro de quadra, Bobby, já aposentado, desafia Billie Jean no que ele nomearia de “a batalha dos sexos”, em que provaria que homens são melhores que mulheres, sim. E ela aceita. Mas, ora, por que? O feminismo não é exatamente o discurso de igualdade? Não seria contraditório uma feminista aceitar uma competição para “provar” que mulher são melhores que homens? E é aí que o filme tem um pulo do gato, à olhos sensíveis, e que explicarei a seguir.

Muitas vezes quando se é mulher, e isso segue atemporalmente, é necessário colocar um esforço maior numa atividade dita “masculina”. Dou o exemplo clássico de dirigir um carro. Eu mesma no volante sinto uma pressão inacreditável em minhas costas pelo simples fato de saber que é uma área massivamente dita como masculina. A impressão é que qualquer deslize meu será escrachado e um bom desempenho será lido como “nada mais que minha obrigação”, desmerecido. Não sei se está claro no meu exemplo, mas o que quero dizer é que o machismo faz com que atividades diversas exijam maior dedicação, como que tivéssemos mesmo que provar que somos boas, diante de um desempenho masculino considerado como padrão.

Billie Jean aceita o desafio, que é muito mais um ultimato do que uma partida de tênis. Negá-lo seria aceitar o discurso de inferioridade. Aceitá-lo seria dispor-se a uma enorme pressão psicológica em nome de provar não superioridade, mas igual capacidade feminina.

Emma Stone mostra versatilidade e uma carreira em ascensão; quem apostaria que garota de A Mentira (2010) cresceria tanto? Como no filme, Emma é uma atriz que foi subestimada e nos mostra excelência desenfreada desde Birdman (2014). Certamente será indicada ao Oscar e com razão, visto que sua atuação como a tenista mundial está impecável, desde a caracterização até a vivacidade com que expressa Billie Jean. Steve Carell está vexatório, o que é ótimo pois é exatemente o que seu personagem pede: um macho vergonha-alheia digno de pena.

Saí do filme há algumas horas e lhes escrevo ainda imersa e fisgada na partida de tênis que ocupa os momentos finais do longa. Confesso que jamais imaginaria que ficaria vidrada em uma. Tênis é chato (opa). Com um sorriso e lágrima cambaleando pelo rosto, posso dizer com firmeza que o filme não saiu de mim, contudo. E esse é um enorme privilégio. Por fim, perigando à cair em um egocentrismo desmedido, digo: até que sou espertinha sim. Sem diminutivos. Ensinemos às mulheres a tecer elogios para suas qualidades, e não mais aceitá-los acanhadas, em migalhas e ainda forçando modéstia. Não se olhem apenas de relance no espelho; contemplem-se.

Chupaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa! Haha.

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