Crítica: Our Souls at Night


Das pessoas com quem já partilhei intimidade, poucas são aquelas com quem dormi placidamente. Eu considero o ato de dormir com alguém como uma das coisas mais íntimas que existem. Sexo nenhum chega à fragilidade que é dispor-se num momento de cansaço e naturalidade que é a hora que antecede o sono. Não há máscaras como a luxúria de roupas e maquiagens; não há extravagâncias de lugar, holofotes de restaurantes, festas e o que for. Esse é o momento em que o silêncio se prova incômodo ou aconchegante. O ritual do sono, ainda o mais simples, traz consigo carinho genuíno. Há a capacidade de renovação de energias através da companhia ou de absorção delas. Por isso conto nos dedos com quem gosto de me partilhar dessa forma.

Addie, interpretada impecavelmente por Jane Fonda, sente falta dessa conexão. Viúva há tempos, já na casa de seus 70 anos, a mulher propõe a seu vizinho de longa data que os dois passem a dormir juntos. No entanto, apesar das décadas vividas porta à porta, eles não se conhecem verdadeiramente. De início, isso me pareceu uma ideia estranha. Como descrito, dormir é desnudar-se. E tanto Addie quanto Louis (Robert Redford) sabem disso. Mas, afinal, o que os dois viúvos têm a perder? O resultado pode ser uma noite embaraçosa ou… uma boa companhia para passar as noites, antes solitárias.

“The nights are the worst, aren’t they?”

A partir da inesperada proposta temos a construção de um sentimento de confiança e cumplicidade em suas formas mais genuínas. Não existe amor sem comunicação. Em um relacionamento, seja ele de amizade ou casamento, conversar é uma necessidade vital – mais que sexo, fantasias e fervor. A grande prova disso é a dinâmica mostrada em tela: duas pessoas que antes eram estranhas e passam a construir um sentimento pelo outro vindo da conversa. Das mais banais às profundas ou delicadas. A delicadeza do amor, em suas miudices cotidianas. E que delícia assisti-las entre Addie e Louis.

Ao contar de suas vidas, os dois fazem com que tristezas e dores sejam amenizadas, como num expurgo; além disso, através do esvaziamento mental dá-se espaço para novidades. Louis, um cara com rotina solitária e sem grandes arranjos, incrementa sua vida inspirado no contato com Addie. A mulher adota uma postura libertária diante do falatório da pequena cidade (que, aliás, parece só ter velhinhos em toda a vizinhança). Juntos fazem valer de maneira leve e gostosa um período avançado de suas vidas, da forma que a idade prazerosamente agrega à um relacionamento maduro e saudável.

Relationship goals.

Quero dizer em caixa alta que o filme NÃO SE TRATA DE UM ROMANCE ÁGUA-COM-AÇÚCAR, no entanto. Os elementos casal de velhinhos + amor podem passar a impressão de que jaz aqui mais uma história de amor clichê. Não. O filme discorre sobre a solidão e sobre a necessidade do ser humano por aconchego, não necessariamente amoroso. E por mais feminazizona que eu seja (aos que não me conhecem, visto uma camisa independente de tudo e todos…) eu não poderia concordar mais. É revigorante poder contar com alguém pra conversar sobre a mais imbecil das coisas. Ou para contar a mais terrível delas. Ou, ainda, para deitar ao lado, sem dizer nada, e partilhar o silêncio quando não há necessidade de por em palavras seus pensamentos.

A Netflix surpreende de maneira bela, orgânica e cuidadosa em sua nova produção. Our Souls at Night veio para contar com serenidade uma história de encontro, alívio e compartilhamento. E vem também para trazer aconchego ao telespectador que a assiste, fazendo com que sua 1h40min passem com sutileza.

Our Souls At Night.

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