Crítica: Star Trek: Discovery - The Butcher's Knife Cares Not for the Lamb's Cry (T01E04)

Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.


O título deste episódio, algo como “a faca do açougueiro não se importa com os lamentos do cordeiro”, já entrega bastante da nova relação desenvolvida por Michael (Sonequa Martin-Green) a bordo da Discovery e o uso indiscriminado que a nave fará do pobre urso d’água.

Começamos o episódio com uma tomada bem emblemática também no que se refere ao tardígrado, já que vemos, em um nível microscópico, a sintetização de um uniforme da federação para Michael e também descobrimos que, apesar de ela estar lotada na seção de Engenharia, ela não tem patente. Michael Burnham ainda é, aos olhos da Federação, um pária e é assim que ela é olhada pela tripulação de figurantes que sempre a fita com um certo desgosto quando ela passa.

Na mesma cena, Michael recebe uma caixa gigante que nada mais é que o testamento da finada Capitã do Shenzhou (a nave na qual Michael se amotinou e, acabo de descobrir, que é o nome do programa espacial chinês), Phillipa Georgiou (Michelle Yeoh). Imediatamente ela se demonstra não estar preparada para lidar com aquilo e, diante dos olhos inquisitivos da sua roomie nerd Tilly (Mary Wiseman), guarda a caixa debaixo da cama. 

Depois de tomar uma esculhambada de Saru (Doug Jones) a caminho da ponte de comando, Michael encontra o capitão e a tripulação em combate aberto contra algumas naves Klingons. A Discovery é derrotada no que descobrimos ser uma simulação. O Capitão Lorca (Jason Isaacs) demonstra mais uma vez o quanto é implacável ao esculachar a sua tripulação pelo desempenho pífio na simulação, mais uma vez explicando o que realmente é a Discovery e seu motor-champignon. Todos devem estar preparados para a vantagem que aquilo dará a Federação, permitindo táticas de guerrilha eficientíssimas.

Michael, após já ter usado a palavra shit (merda) em outro episódio, usa o termo pissed off (puto, em tradução livre) para descrever o estado de espírito do capitão, o que, se minha memória me serve bem, seja a primeira vez que palavras remotamente tidas como palavrões tenham sido utilizadas ostensivamente em qualquer coisa da franquia.

Ainda um pouco puto, Lorca leva Michael à sala dos easter eggs onde ele está mantendo o bicho capturado no episódio anterior. Ele quer que Michael, uma xenoantropóloga, estude a criatura e ache uma maneira de usar as garras que tudo rasgam e a pele que tudo resiste como armas em favor da Federação, o que, em tempos de guerra, parece bem razoável.

É aqui que a série dá, em minha opinião, sua primeira grande deslizada. A cena seguinte vai para o núcleo Klingon, centrado na nave/templo onde ainda estão Voq (Javid Iqbal), o Klingon albino e marginalizado que havia sido ungido por T’Kuvma como o Portador da Chama, e L’Rell (Mary Chieffo), a segunda em comando de T’Kuvma quando este ainda era vivo. Em um diálogo entre os dois, descobrimos que a Capitã Georgiou foi devorada pelos tripulantes daquela embarcação, já que eles estão há 6 meses parados ali no mesmo lugar, recolhendo sucata das naves destruídas na batalha dos primeiros episódios e passando fome com a falta de suprimentos.

Ora, meu caralho, porque nenhuma outra nave Klingon foi ao auxílio deles? É uma nave importante, onde morreu o sujeito que havia unificado toda a raça Klingon sob uma única bandeira. Além disso, conforme ficamos sabendo depois com a chegada de Kol (Kenneth Mitchell), é a ÚNICA nave de todo o império Klingon que tem a tecnologia de invisibilidade. Porque, então, durante os 6 meses em que travavam uma guerra contra a Federação, nunca ninguém foi lá ajudar? E nem que fosse pela questão humanitária da coisa, mas, sim, pela vantagem militar que obviamente aquela tecnologia, tal qual o motor-champignon, poderia dar aos Klingons?

Essa parte incomodou muito e não há, na minha cabeça, forma de racionalizar e justificar isso. Pelo menos não por enquanto. Ajudem-me se vocês pensarem em alguma coisa.

Voq, fiel à política xenofóbica de T’Kuvma, reluta em ir ao Shenzhou e tirar de lá o processador de dilítio necessário para que sua nave possa se mover novamente. “É blasfêmia”, diz ele, mas L’Rell tenta convencê-lo do contrário. Com a chegada de Kol, ele se convence e resolve ir lá buscar o processador. E aí vem um outro deslize. Porque diabos ele não pediu um processador de dilítio para Kol, sujeito que chegou ali com o rabo entre as pernas e jurando lealdade a ele. Ora, se ele não tivesse um reserva, ele poderia ter ido buscar, evitando que Voq cometesse a blasfêmia de ter que fundir a tecnologia Kilngon com a da Federação.

Enfim, para o nosso deleite visual – e em detrimento de uma coerência no roteiro – Voq vai a Shenzhou com L’Rell e rola um momento de ternura entre os dois. Eles levam o processador de volta à sua nave (e é um negócio que cabe na mão, do tipo que o pessoal deve ter aos montes de sobra em uma nave) e Voq é traído por Kol, que, na sua ausência, deu de comer a seus homens e usurpou seu comando da nave. L’Rell, em um momento que engenhosamente nos enganou, também trai Voq e fica ao lado de Kol, sugerindo que Voq, esse sujeitinho nojento, albino e de segunda classe, seja enviado para morrer a bordo da Shenzhou, nave responsável pela morte de T’Kuvma.

Kol cai nessa e manda Voq para lá. Voq, desesperado pela morte iminente de inaninação, assiste sua nave entrar em dobra e partir. L’Rell, contudo, é teleportada ao seu lado no último segundo, dizendo que o traiu ali apenas para salvar-lhe a vida e sugerindo que ambos vão para Mokai se consultar com as matriarcas e, a partir dali, cumprir o destino de Voq como o Portador da Chama. Então deve ser isso que vamos acompanhar no núcleo Klingon daqui pra frente.

Voltando à Discovery, Lorca manda sua comandante porradeira Landry (Rekha Sharma) ir ajudar Michael, já que Landry é uma mulher de foco bélico e Lorca tem algum receio de que Michael seja distraída por sua própria curiosidade. Michael explica que a criatura, carinhosamente apelidada de Ripper (rasgador em tradução livre), é uma espécie de tardígrado (ou urso d’água), que é uma criatura terráquea microscópica conhecida como o ser vivo mais forte e resistente já registrado.

Com um ataque Klingon a uma colônia que é responsável pela mineração de 40% do combustível usado por toda a Frota Estelar, o motor-champignon é a única chance da Federação de salvar vidas e, principalmente, a logística da guerra. Lorca imediatamente é antagonizado pelo Tenente Stamets (Anthony Rapp), que diz ser impossível fazer aquele salto, ao que Lorca é obrigado a dar um belo dum sacode nesse babaquinha que acha que não há uma guerra acontecendo e que sua pesquisa pertence apenas a si mesmo. Lorca, lembrando a todos que vidas estão em risco (e dando um salve a Elon Musk), convence Stamets e, quando o salto é intentado (e fracassa), o tardígrado se ouriça todo, o que leva Michael a achar que há alguma conexão entre ele e os esporos que alimentam o motor-champignon.

Landry, ao ouvir essa suspeita de Michael, lembra que a ideia ali é usar o bicho como arma e não ficar pesquisando qualquer outra coisa. É aí que ela tem a ideia mais de gerico da história das ideias de gerico e decide abrir a contenção do animal para paralisá-lo e arrancar uma de suas garras fora. Lembremos aqui que se trata de um bicho cuja pele é impenetrável e essa maluca abre a porta, com arma em riste, achando que vai ficar tudo bem. É evidente que ia dar merda, Landry é, ironicamente, rasgada em pedaços e morre. Michael só não sofre o mesmo porque ela se vale de sua inteligência para tomar decisões, enquanto que Landry se valeu do seu próprio reto.

Michael teoriza, nesse que foi o ponto alto do episódio e que costuma ser o ponto alto da franquia Star Trek, que o tardígrado era a chave para que a dobra-shitake funcione corretamente. De alguma forma (que espero que seja melhor explicada em episódios futuros), o bicho funciona como uma espécie de navegador, integrando de forma ainda mais explícita um elemento biológico a já viva rede fungal que supostamente permearia o universo e permitiria aquelas viagens.

O tardígrado, ou urso d’água, visto em musgo por um microscópio.

Fazendo as implementações sugeridas por Michael, Stamets consegue colocar o motor para funcionar e e a Discovery chega à colônia para salvar o dia. Em uma animação linda de se ver e muito bem feita, a nave aparece na colônia e já, de, cara, destrói dois caças Klingon. Quando a Discovery é atingida por disparos de outras naves, Lorca decide usar seu motor-champignon também como uma arma. Eu não entendi, contudo, o que aconteceu ali. A Discovery foge daquele local e as naves Klingon explodem. O que houve? A Discovery deixou cargas explosivas pra trás? Os caças Klingon bateram um no outro?

Após os saltos, Michael demonstra alguma compaixão para com o tardígrado, que parece sofrer com cada salto. As ramificações disso talvez expliquem o fracasso dessa tecnologia de esporos, já que sabemos que no futuro essa tecnologia não é usada em nenhuma das outras séries da franquia. Em algum momento, alguma coisa vai acontecer que vai inviabilizar esse projeto e talvez alguma questão relacionada à direito dos animais vai ser usada como pretexto, já que sabemos que, no universo de Star Trek, os animais não mais são escravizados como força de trabalho ou de nutrição.

O episódio termina com a reputação de Michael parecendo melhorar a cada dia e com ela abrindo o testamento de Georgiou. Após um discurso melancólico para Michael no qual Georgiou a relembra das responsabilidades do comando que ela nunca teve e jamais terá, a caixa se abre, revelando a posse mais querida da Capitã, que, por testamento, resolveu deixar para Michael: um telescópio.

Tudo lindo, né?

Só que, puta que me o pariu, como caralhos pegaram esta porra deste telescópio dos destroços da Shenzhou? No piloto, as duas usam o telescópio para poder bisbilhotar o objeto não identificado que depois provaria ser a nave de T’Kuvma, já que os sensores não conseguiam ler nada. E, pior, no recap antes deste 4º episódio, esta cena é relembrada, como que para dizer que é exatamente aquele telescópio, e não outro, que foi dado a Michael. O que é confirmado quando se compara os dois e se percebe que ambos estão meio gastos. Mais um, na minha visão, grande deslize deste episódio.

Contudo, mesmo com 2 deslizes grandes e uma ideia gestada no esfíncter da comandante Landry, o episódio ainda foi bom, pavimentando o caminho para onde a série parece querer ir e colocando-a em um degrau acima das demais da franquia no que se refere ao seu conteúdo adulto e gráfico. Temos aqui pessoas morrendo horrivelmente, com bastante sangue e um pseudo palavrão sendo proferido, além de protagonistas tomando decisões moralmente questionáveis, todas coisas que, tradicionalmente, pouco aconteceram no cânone de Star Trek.

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