Crítica: Star Trek: Discovery - Magic to Make the Sanest Man Go Mad (T01E07)

Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.


Preciso confessar uma coisa. Eu tenho extremas reservas a filmes, séries e qualquer outra obra de ficção que lide com viagem no tempo ou, no caso aqui, loop temporal. Uma coisa é fazer isso dentro de um âmbito de uma comédia, de uma obra que não se leva a sério e se vale desse tipo de artifício apenas para fazer rir, tal qual o excelente “Feitiço do Tempo“, filme de 93 estrelado por Bill Murray, que, a propósito, seria um Mudd impagável provavelmente. Outra coisa é usá-la com um falso ar de seriedade e ciência, quando na realidade os roteiristas se valham disso apenas como um macete para forçar uma história.

Talvez por causa disso eu tenha sérias ressalvas em relação a este episódio. A começar pelo recap. Já de cara vemos as cenas do escrotíssimo Harry Mudd (Rainn Wilson) no único episódio no qual ele havia aparecido até aqui. Isso faz com que não seja surpresa NENHUMA quando descobrimos que o sujeito saindo de dentro do gorgamander é Mudd, o que acaba sendo alvo de alguma frustração.

O episódio começa com Michael (Sonequa Martin-Green) fazendo um apanhado geral das últimas semanas, deixando claro que algum tempo se passou desde o episódio anterior e que, nesse tempo, a Frota Estelar, não em pouca medida por causa da Discovery, está ganhando a guerra com os Klingons. E, por falar em Klingons, apesar de termos tido uma cena breve na semana passada quando eles sequestraram a Almirante Cornwell (Jayne Brook), nós não temos qualquer notícia de L’Rell e Voq já faz muito tempo. Tanto tempo que eu não estou nem com saco de colocar o nome dos atores que os interpretam.

Michael se encontra naquele ambiente no qual todos nós, nerds, temos algum tipo de problema: uma festa. Nela, a tripulação da Discovery está lá ouvindo música do século 21 (o que seria o equivalente a nós estarmos numa balada enchendo a cara e pulando ao som de Wagner) e se divertindo. Tilly (Mary Wiseman) se demonstra bem mais saidinha do que a nerdona virjona que nos foi apresentada no 3º episódio, talvez por efeito da birita, talvez porque os roteiristas estejam querendo um contraponto à ubíqua seriedade de Michael. Fato é que Tilly não só enche sua cara como gente grande, como de virjona ela não tem nada.

Tyler (Shazad Latif), mantendo seu ar de herói de guerra galante, faz um discurso sobre os 10.000 que se perderam para os Klingons, todo mundo aplaude, Tilly se assanha toda, mas se recusa a fazer alguma coisa porque ela sabe que sua BFF Michael está caidinha pelo moço. Como eu havia antecipado algumas críticas atrás, o interesse de um pelo outro é evidente e este episódio se presta, enquanto ferramenta de avanço da narrativa, quase que exclusivamente para demonstrar o desenvolvimento desses dois personagens enquanto um casal.

Os dois são chamados à ponte pelo Capitão Lorca (Jason Isaacs) porque alguma coisa foi detectada pelos sensores. No caminho, eles esbarram em Stamets (Anthony Rapp) e seu companheiro, Dr. Cuber (Wilson Cruz). Stamets se tornou uma espécie de maconheiro gente boa que gosta de abraçar todo mundo desde que teve seu DNA combinado com o do tardígrado e começou a existir em infinitas dimensões ao mesmo tempo, o que é bem consistente com alguém que vive agora vagando por uma rede universal de fungos.

Chegando à ponte, eles descobrem que a tal coisa detectada pelos sensores é um gorgamander que, apesar de seu nome parecer o de uma modalidade de boquete espacial, é na verdade um bicho gigante que vaga pelas estrelas procurando se alimentar e se esquecendo de reproduzir, ou seja, uma espécie de Michael Burnham com nome de bolagato.

Por causa de um regulamento da Federação que protege espécies ameaçadas de extinção, o paquiderme é teleportado para um dos hangares da Discovery para preservação da espécie. De dentro sai um homem armado atirando em todo mundo. Eventualmente, ele se revela ao Capitão Lorca pelo comunicador e então descobrimos ser Harry Mudd, surpresa estragada pelo recap como já dito. De alguma forma ele conseguiu fugir da prisão Klingon na qual estava há muito tempo, descobriu a importância da Discovery e seu motor-cogumelo, deu um jeito de se enfiar dentro de um bicho daquele e de divinar o paradeiro da Discovery, confiando que ela seguiria o protocolo e teleportaria o animal para dentro. Seu objetivo era simplesmente o de vender a Discovery aos Klingons e ganhar uma grana, mesmo que isso significasse a subjugação da raça humana.

Eu ainda não entendi como que Mudd, que é historicamente só um sujeitinho escroto, consegue matar tanta gente com aparente facilidade dentro de uma nave da Frota Estelar, sendo certo que aquela era a primeira vez que aquilo acontecia, conforme comprovado pelo encontro de Michael e Tyler na cena anterior.

Após conseguir as informações que quer, Mudd destrói a nave e, pela primeira vez, temos uma imagem da Discovery explodindo, o que é sempre um pouco doloroso para os fãs de Star Trek. É então que descobrimos que ele, de alguma forma, criou um loop temporal e vai repetir aquilo quantas vezes for necessário até descobrir como funciona a dobra-champignon, de modo que possa vender a Discovery para os Klingons.

Ora, se um sujeito tem uma tecnologia que lhe permite manipular o tempo, não seria mais rentável ele vender essa tecnologia a quem quer que fosse? Essa tecnologia não seria, por óbvio, MUITO MAIS PODEROSA do que a da Discovery? Não é a resposta de Mudd. Ele prefere usar essa tecnologia, com implicações e aplicações inimagináveis, para ter um trabalho fodido para roubar uma nave e vendê-la a uma raça que pretende destruir a Federação da qual a raça humana faz parte, ao invés de usá-la para fazer dinheiro de uma forma muito menos trabalhosa, complicada e demorada.

Enfim, iniciado o segundo loop, Stamets, que agora é um ser multi-dimensional, vai tentar avisar Michael e Tyler do que está acontecendo para que eles possam dar um fim a coisa toda. Porque Stamets não foi falar com o capitão? Porque ele mesmo não foi tomar uma atitude, como, por exemplo, avisar que não podiam teleportar o gargabol pra dentro da nave?

 

A resposta é porque os roteiristas queriam usar esse episódio para asseverarem a máxima faustosilvana de que “só o amor constrói”. Stamets, um sujeito brilhante, entende que só vai conseguir salvar a nave se ele fizer com que Michael e Tyler entendam o sentimento que têm um pelo outro e vivam isso plenamente. E, para tanto, cabe usar artifícios como o de Michael contar a Stamets um segredo bem íntimo para que ele, em um loop posterior, pudesse lhe convencer de que aquela loucura do tempo estar se repetindo era verdade.

Por experiência pessoal, sempre que você chega do nada para qualquer pessoa, mulheres em especial, e diz para ela que “ela nunca se apaixonou” ou qualquer variação disso em relação a vida pessoal dela, são quatro as alternativas do que vai acontecer em seguida: ou ela vai chorar, ou ela vai te agredir verbalmente, ou ela vai te agredir fisicamente, ou ela vai dizer que tem namorado. Provável inclusive que sejam todas elas. Michael, por sua vez, acredita piamente em Stamets, sem nem um segundo de hesitação.

O que temos aqui é basicamente um episódio inteiro daquele amigo homossexual que as mulheres têm e que se torna peça fundamental para que ela consiga ficar com seu bofe, o que seria ótimo se as motivações e os fundamentos para que isso acontecesse não estivessem baseados em situações esdrúxulas, em especial quando se especula sobre tantas outras coisas que pessoas medianas teriam pensado em fazer.

Voltando ao episódio, eventualmente eles descobrem que Mudd tem um cristal do tempo que o permite operar o loop temporal, mas só consegue realmente fazê-lo porque ele tem uma nave dentro do gorgoflex onde está contido o cristal maior, o que nos faz descobrir que o gargamel tem o interior mais espaçoso do que o o de uma Belina 89, já que a nave dentro do bicho ocupa um espaço equivalente ao que uma televisão de tubo de 42 polegadas ocuparia dentro de um ser humano normal.

Ainda temos tempo para ver Mudd matando muita gente, usando sua bolinha anti-matéria que é anunciada como a pior das 837 formas de se morrer no universo e revelando que matou o capitão Lorca 53 vezes, ao que somos agraciados com uma montagem das variadas mortes às quais Mudd submeteu Lorca, no que foi provavelmente o ponto alto deste episódio.

Finalmente, algo novo acontece e Stamets, repentinamente de saco cheio de ver gente morrendo o tempo todo e infinitamente, resolve revelar que o motor só funciona com ele, efetivamente botando em risco todo o esforço de guerra e a vida dos bilhões de seres pertencentes à Federação. Mudd, então, não tem mais porque voltar no tempo e agora a Discovery vai acabar sendo vendida. Michael consegue convencer Mudd de que será necessário refazer o loop porque ela se revela como a assassina de T’Kuvma e, portanto, valiosíssima aos Klingons. Mudd, ganancioso como nunca e escroto como sempre, se interessa, não sem antes Michael mencionar Stella. E é aqui que esse negócio de viagem no tempo me incomoda, porque, até onde eu pude perceber, ele não havia falado de Stella para Michael durante aquele loop específico. Como Michael sabia de quem se tratava?

Ela se mata na frente de Mudd, obrigando-o a voltar no tempo novamente. Desta vez, mesmo sem qualquer lembrança do que ocorrera nos loops anteriores e sem ter conseguido falar com Stamets sobre seu plano no loop atual, todo mundo consegue, em poucos minutos, conversar entre si, convencer-se da situação absurdamente inacreditável que está acontecendo e colocar o plano em prática.

Eles convencem Mudd que Stamets convenceu todo mundo de que lutar contra ele é impossível e que o melhor mesmo é se render. Mudd cai nessa, descobrimos que o loop era de meia hora e que, uma vez terminado, todos voltariam ao fluxo normal do tempo, o que é também muito conveniente para a trama, além de não ter sido informado ao espectador em momento algum. Isso significava que, a partir daquele momento, tudo que acontecesse seria definitivo.

É então que descobrimos que, em menos do que essa meia hora, a tripulação toda se convenceu de que o tempo estava se repetindo, conseguiu preparar todo um plano elaborado e o executou perfeitamente bem debaixo do nariz de Mudd. Eles na verdade descobriram que Mudd estava fugindo de Stella (Katherine Barrell) porque havia ido embora com o dote pago por seu pai, um traficante de armas de muito renome. A punição de Mudd, então, é que Michael chama Stella e entrega Mudd em suas mãos.

Temos então uma situação em que um sujeito mata centenas de pessoas, destrói a nave dezenas de vezes, intenciona vendê-la para o inimigo e comete a mais alta traição à raça humana e à Federação que se pode cometer. E sua punição é ir embora com a esposa e com seu pai traficante inter-galático de armas.

Ora, meu caralho, Mudd era para ter sido preso junto com seu sogro e com sua esposa, em especial quando estamos aqui falando de tempos de guerra e de um sujeito que é claramente um psicopata. Ele era para ter sido preso e sua tecnologia confiscada para ajudar no esforço de guerra, mas o que acontece é que ele leva uma palmadinha no bumbum e vai embora, aparentemente para viver em um casamento no qual sua esposa o ama e é extremamente dedicada a ele, apesar de ser uma criminosa maluca, tal qual ele.

Com tudo resolvido, ainda ouvimos alguns acordes do tema original de Star Trek antes de Michael e Tyler terem uma mini-DR que anuncia que os dois vão se pegar forte e, se usaram um episódio inteiro só para desenvolver isso, essa relação provavelmente vai ser muito importante para a trama.

Magic to Make the Sanest Man Go Mad é, em minha opinião, disparadamente o pior episódio da temporada até aqui. Seus furos de roteiro são muitos e as reações dos personagens não fazem sentido dentro do contexto criado pela própria série, o que é uma pena, já que este é um episódio que nos leva o tempo todo ao passado e às séries anteriores. Não é apenas por causa do uso de Harry Mudd, um personagem muito querido dos fãs da série original, mas também pelo uso de lógica parecida com a de “Causa e Efeito”, um dos episódios mais celebrados da “Nova Geração”, e pela quebra do ritmo de “serialização” desta nova série em favor de fazer um episódio de antologia, tal qual ocorria nas demais versões de Star Trek, um episódio que não avança a trama maior que vem guiando a série até aqui.

Mesmo assim, acredito que o desenvolvimento da relação entre Michael e Tyler seja algo de suma importância daqui para frente, que talvez resolva alguns dos conflitos ainda a serem postos diante da Discovery. Espero, também, que voltem ao núcleo Klingon no próximo episódio e também explorem mais aquela cena maluca de dois ou três episódios atrás em que Stamets deixa um reflexo seu no espelho.

Fico, por fim, com duas perguntas: O que fizeram com o gorgamander? E o cristal do tempo gigante dentro dele?

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