Garimpo Netflix: Especial Dia das Crianças
Eu tenho 35 anos e até hoje minha mãe me dá um presente de dia das crianças. Se antes eu ganhava comandos em ação, hoje (e já há boas décadas) eu fico felicíssimo quando ela me dá cuecas ou meias, já que, se ela não me compra novos, eu é que não vou deixar de usar aqueles panos remendados que me cobrem os pés e as partes pudentas. É em homenagem a minha mãe e a este espírito que envolve o dia 12 de outubro (ignorando aqui que esse é também o dia de Nossa Senhora Aparecida) que o garimpo de hoje é especial. Apresentamos a vocês hoje 5 indicações. Dois longas, um documentário, uma série e um especial de stand up, todos absolutamente nada a ver um com o outro e todos presentes de Dia das Crianças do MetaFictions para vocês que, também como eu, vão passar o feriadão em casa se entupindo de comida e vendo Netflix.
Aproveitem e torçam para que esse ano ela me dê uma cueca. Eu tô realmente precisando.
– Dois Caras Legais (The Nice Guys), de 2016, dirigido por Shane Black
https://youtu.be/H6OXgjMhUxs
O diretor Shane Black despontou para Hollywood com o excelente e subestimado Beijos e Tiros, uma comédia policial que via Val Kilmer e Robert Downey Jr. se juntando para tentar desvendar um crime. Dois Caras Legais segue uma premissa parecida, só que dessa vez temos Russell Crowe como uma espécie de jagunço e Ryan Gosling como um detetive particular tido por sua própria filha como o pior do mundo.
Estamos no ano de 1977 em Los Angeles e a morte de uma atriz pornô junta os dois em uma trama hilária, dando a estes dois atores, conhecidos por seus papéis dramáticos, a chance de demonstrar uma inexplorada e afinada veia cômica. Inexplicavelmente, apesar de contar com dois nomes bem conhecidos do panteão de estrelas hollywoodianas, Dois Caras Legais passou bem batido aqui pelo Brasil. Trata-se de um filme na melhor tradição dos filmes de buddy cop (Máquina Mortífera, 48 Horas, Hora do Rush…) muito bem executado e com momentos realmente sensacionais.
– Guerreiro (Warrior), de 2011, dirigido por Gavin O’Connor
O ano era 2011 e o MMA (mixed martial arts, também conhecido equivocadamente como UFC) estava em alta no mundo. Pegando a fórmula americana tradicional dos grandes filmes sobre boxe, o diretor Gavin O’Connor, valendo-se de interpretações magistrais de Joel Edgerton, Tom Hardy e, principalmente, de Nick Nolte (indicado inclusive ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel), trouxe uma poderosa fábula sobre os valores da família e dos horrores da guerra.
Nick Nolte interpreta o pai ausente, alcoólatra e ex-boxeador dos outros dois. Quando o mais novo (Hardy) volta da guerra do Iraque como herói, ele está devastado pelas coisas que viveu e sofreu por lá, ainda que seja celebrado pela sociedade. Ele não sabe mais lidar com o mundo normal a não ser por meio da violência. E é só treinando com o pai que ele consegue encontrar algum alívio de todas aquelas memórias e sofrimento. Brendan, por sua vez, é um lutador de MMA aposentado (o MMA, até uns 10 anos atrás, era uma atividade largamente amadora) que, ao se ver com dívidas, resolve voltar a lutar em nome de sua família. De alguma forma o roteiro é bem escrito a ponto de fazer com que seja crível a incrível história de ascensão dos dois no esporte e seu emblemático embate ao final.
Por baixo do dramalhão familiar, há uma história bem contada, bem atuada e com cenas de luta extremamente verossímeis. Está ali, lado a lado, com os grandes filmes de boxe lançados nos últimos tempos, mas, por tratar de uma modalidade ainda um tanto discriminada (em especial à época), o longa não teve a distribuição merecida.
– Going Clear: Scientology & the Prison of Belief, de 2015, dirigido por Alex Gibney
As crenças cientológicas são tão complicadas, inacreditáveis e exageradas que eu sequer sou capaz de sintetizar tudo aqui nessas poucas linhas. Basta saber que a Cientologia é uma religião (ou seita, como a classificam a maior parte dos países da Europa) que, como todas elas, se dispõe a ajudar o indivíduo, a melhorar sua vida. O que ela tem de especial é a popularidade que alcançou dentro da comunidade cinematográfica de Hollywood, sendo Tom Cruise e John Travolta seus principais seguidores, e toda a aura de mistério e segredo que circundam seus preceitos e ensinamentos.
O diretor e roteirista ganhador do Oscar Paul Haggis é um dos fios condutores da história contada por este documentário. Trata-se de uma análise profunda, baseada em depoimentos de pessoas que conseguiram, com um grande custo pessoal, se desvencilhar da seita, pintando um retrato preciso de suas origens, finalidade e propósito. É um documentário original da HBO, ganhador de vários Emmys, feito de forma a tentar esclarecer à sociedade o grande esquemão que é essa religião, em especial nos EUA, onde a legislação é extremamente frouxa nesse tocante.
– Dirk Gently’s Holistic Detective Agency, de 2016-, criada por Max Landis
Baseado na obra do genial Douglas Adams (mais conhecido pela série de livros Guia do Mochileiro das Galáxias), Dirk Gently’s Holistic Detective Agency é uma série distribuída internacionalmente pela Netflix e produzida pela BBC America. Ela segue as incrivelmente insanas aventuras de Dirk Gently (Samuel Barnett), um detetive holístico, e seu assistente Todd (Elijah Wood) na tentativa de resolver um assassinato/sequestro/troca-de-corpo-entre-uma-menina-e-um-cachorro. Como já se pode ter percebido, sim, a série é completamente despirocada.
Segundo Dirk, absolutamente tudo está conectado. Então temos aqui uma trama que envolve troca de alma, viagem no tempo, CIA, FBI, vampiros de alma e uma mulher chamada Bart (Fiona Dourif), que passa a série toda matando quase tudo que aparece pela frente sem sofrer qualquer consequência simplesmente porque ela é uma anomalia probabilística e nada de ruim pode lhe acometer.
É uma série curta, de 8 episódios de 45 a 50 minutos e muito fácil de ser assistida. Inclusive, eu recomendo que você a assista de uma vez só, porque tudo isso que eu falei ali em cima é só o que está na superfície. Tem muito mais coisa acontecendo e, incrivelmente, tudo faz sentido e se encaixa com facilidade. A 2ª temporada estreia nos EUA semana que vem e eu mal posso esperar para que a Netflix a distribua internacionalmente.
– Mike Birbiglia: My Girlfriend’s Boyfriend, de 2013
A Netflix lança quinzenalmente especiais de stand-up de vários comediantes. A maior parte deles é americano, já que esta é uma forma de arte inventada e aperfeiçoada por lá, mas muitas vezes temos comediantes de outros países também, inclusive alguns especiais um tanto constrangedores de humoristas nacionais. Em geral, contudo, é mais ou menos a mesma coisa. Um sujeito lá em cima reclamando de alguma coisa, apontando obviedades cotidianas e falando muitos e muitos fucks.
Mike Birbiglia, por sua vez, é um caso a parte nesse mundo dos stand-up comedians americanos. Ele raramente fala de putaria e quase nunca usa a expressão fuck como muleta ou faz piadas sexistas e/ou ofensivas para qualquer outro grupo, seja ele uma minoria ou não. Mike fala de si. De sua vida. De como ele vê o mundo. E nunca isto foi tão evidente quanto neste especial em que Mike conta a história absolutamente comovente e hilariante de como ele conheceu a mulher da sua vida, conseguindo arrancar da plateia gargalhadas, lágrimas e vários “awnnnn” de tão verdadeira e bem contada que é a sua história.
Trata-se de uma das melhores surpresas que tive na Netflix desde que comecei a assinar e, caso você se interesse por stand-up, é imperdível.
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