Crítica: Invisível (Invisible)
“A vida é tão bela que chega a dar medo”. Assim começa um dos mais belos poemas já escritos por Mário Quintana, cujo tema é a adolescência. Aos 17 anos, Ely (Mora Arenillas) não possui a mais bonita das vidas. Com uma mãe sofrendo de um distúrbio psicológico que não a deixa sair de casa nem para trabalhar, obrigada a equilibrar-se entre o último ano do colégio e o emprego em uma pet shop, dormindo num sofá e tendo como única distração programas ruins de TV, a moça não conheceu o belo do mundo. A cerejinha do bolo sabor desgraça chega no formato de uma gravidez providenciada com a ajuda do homem casado com quem ela se relaciona. Decidida a abortar, Ely não viu o belo da vida. Já o medo…
Com Invisível, Pablo Giorgelli, premiadíssimo em Cannes com seu primeiro longa, “Las acacias“, constrói um filme extremamente corajoso, que mete o dedo em feridas profundas da Argentina e de toda a América do Sul, como a não-legalização do aborto, a culpabilização das mulheres e as enormes disparidades socioeconômicas que lançam milhares de vidas a uma situação de completa invisibilidade social. De cara, o filme se destaca pela direção marcante, com uma voz bastante audível e um olhar capaz de criar planos muito criativos e inesperados.
Por falar no olhar do diretor, Giorgelli explora de forma lírica a situação de ensimesmamento e solidão da protagonista. Com planos fechados e com a estratégia de ocultar o rosto das pessoas que interagem com Ely, o filme cria uma atmosfera muito pesada do isolamento interno e exterior da jovem grávida. A fotografia de Diego Poleri amplifica esse jogo, apoiando-se numa sucessão de claros e escuros que toca o poético, tal qual os sons que saem da TV eternamente ligada na clausura autoimposta pela mãe, repetindo programas de perguntas e respostas e notícias sobre a pobreza argentina.
Tudo isso se amplifica na sólida performance de Mora Arenillas. A jovem atriz constrói sua Ely optando por uma atuação contida, num papel cuja escapada para o exagero seria bastante fácil. É uma entrega corajosa que ela faz à narrativa. Além disso, Arenillas dá conta da complexidade dúbia da adolescente, sempre oscilando entre a fragilidade típica da idade e a maturidade forçada pela situação da mãe, a certeza de que a gravidez é um erro e a dúvida delicada advinda do útero, o medo e a força, sins e nãos. Este ano de 2017 tem realmente tido uma safra de admiráveis trabalhos de atrizes e a intérprete argentina pegou com louvor a sua carteirinha do clube.
O incômodo da produção, no entanto, está no seu desfecho. O final irrompe de forma tão abrupta, num filme bem curto (não chega a 1h30), que o espectador não sai da sala tão certo de que se o desejo era refletir na tela a rudeza da situação da gravidez na adolescência ou se foi um caso de cena preguiçosamente pensada. Como tudo antes do fim aponta para um filme extremamente bem cuidado, tendo a apostar na primeira hipótese.
No geral, Invisível é belo, triste e contundente. Relevante, acima de tudo. E, se no começo, esta crítica evocou Quintana, ela fecha com ele. Com versos que lembram muito a adolescência quando você é um invisível para o mundo:
As imagens perdendo no caminho…
Deixa-me fluir, passar, cantar…
Toda a tristeza dos rios
É não poder parar!
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