Crítica: Ninguém Está Olhando (Nadie Nos Mira)
Um dos paradoxos da cultura contemporânea é a sensação de que, embora conectados, facebookados, instagramados e outras internetices mais, estamos cada vez mais isolados. Hoje, somos ilhas separadas por mares de redes. Ninguém Está Olhando, de Julia Solomonoff, um filme argentino e multiculturalmente coproduzido (Espanha, Brasil, Colômbia e Estados Unidos) se constrói a partir dessa questão, a do exilio pós-moderno.
Nico (Guillermo Pfening) é um ator argentino frustrado com a carreira desestimulante na TV em um papel medíocre e com o relacionamento com Martín (Rafael Ferro), produtor da telenovela, casado e pai de família, que jamais assumirá o afeto homossexual. Ele embarca então para Nova Iorque, em busca de novos rumos profissionais e interiores. No entanto, seu american dream toma uns tapas todos os dias. Loiro, ele foge do estereótipo do latino e, preso a seu sotaque, ele também não serve para nenhum outro papel. Para sobreviver, ele faz bicos e trabalha como babá do filho de uma amiga. Na maior metrópole do mundo, ninguém olha para Nico, nem ele próprio.
Embora parta de um plot bastante promissor, a sensação que o filme deixa, em sua 1h42m, é a de que, apesar de alguns momentos de fôlego, ele não consegue decolar totalmente. Tocando em pontos nevrálgicos de nossos tempos, como a questão da imigração, a produção parece muito mais fazer voos panorâmicos (visualmente muito bonitos) do que dar zoom em qualquer ponto.
A grande alma do filme está no trabalho de Guillermo Pfening. Seu Nico é construído de forma extremamente adequada, cuidadosa mesmo. Ajudado pelos bem cuidados planos e pela fotografia ricamente plástica de Lucio Bonelli, o ator consegue dar conta do arco dramático de sua personagem. É bonito ver como ele consegue até mesmo, sem precisar recorrer a recursos exagerados, imprimir na tela a transformação de Nico, interna, mas revelando-se até mesmo fisicamente. Um belíssimo trabalho de ator.
Também se destaca o interessante jogo que o roteiro faz com a noção de língua, pertencimento e isolamento. Uma cena extremamente bem pensada, por exemplo, transforma a diferenciação entre ser/estar, inexistente em língua inglesa, em uma rica metáfora para se pensar na sensação de deslocamento experimentada pelos imigrantes. Embora, no geral, o roteiro mostre-se apenas apropriado, este e alguns outros momentos dão uma sacudida na apatia que, infelizmente, insiste em se mostrar em vários períodos da exibição.
No fim, Ninguém Está Olhando é um filme bonito de ver, relevante no levantamento de certas questões e multicultural, o que sempre carrega um mérito grande em tempos como os nossos. Eu só desejaria que sua pegada blasé new yorker tivesse dançado um tango mais trágico com a pegada soco no estomago tão característica do excelente cinema argentino atual.
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