Garimpo Netflix: Documentários

Ei, você, que viu o título e já fez cara feia por que documentário é chato: peço que dê uma chance. Eu particularmente gosto bastante do gênero documentário, mas entendo perfeitamente que há alguns que, se você não for vidrada no assunto, podem dar no saco. O maior erro dos documentários no geral é o ritmo; muitos pecam e dão sono mesmo, não vou meter de cultzona. Outros têm uma narrativa que se arrasta, cai no clichê estilo History Channel (que eu inclusive gostaria que ACABASSE por que é comumente um desserviço histórico).

No entanto, peço aqui genuinamente que vocês deem uma chance. Beleza? Separei aqui três documentários excelentes, diversos em tamanho e temática, muito bem produzidos e capazes de engajar o telespectador em alguns minutos apenas. Divirtam-se. Mesmo!


A Máscara Em Que Você Vive (The Mask You Live In), de 2015, dirigido por Jennifer Siebel Newsom

“Homem não chora”; “seja homem”; “isso é coisa de viadinho”; “engole o choro”. Essas são algumas frases comuns dentro do universo masculino e que, eu espero muito, estejam caindo conforme o tempo passa e a sociedade avança. Dentro da sombra do machismo, que é feito em prol da manutenção de privilégios para com a parcela masculina, não podemos negligenciar a influência negativa para essa mesma parte também. Em outras palavras, quero dizer que não é só a mulher que é atingida com o machismo – apesar de ele colocá-la como principal alvo e mantê-la como vítima em maior escala. Para um sistema funcionar o todo deve compactuar. No documentário, somos expostos à esse “pacto”, que mostra camadas dolorosas por baixo dos ditos benefícios de ser um homem em uma sociedade sexista.

Durante pouco mais de uma hora e meia ouvimos psicólogos, docentes e, claro, homens (crianças, adolescentes e adultos) contando sua própria perspectiva da coisa toda. O mais interessante é quando chegamos ao escopo de alguns tabus dentro do “mundo viril” : afinal, por que raios um homem não pode chorar? E então vemos as consequências de tanto abafamento emocional. Também nos deparamos com o peso que é forçado aos meninos, desde novos, a agirem de forma a provar sua masculinidade… e isso tudo para quê? Ironicamente, tanto alarde tem como produto uma masculinidade fragilizada que sente-se ameaçada por miudices como uma roupa apertada, uma cor “de menina” ou uma lágrima quando triste. Esse documentário é necessário. Muito necessário.

Tickled, de 2016, dirigido por David Farrier e Dylan Reeve

Esse é um documentário neozelandês completamente inesperado do início ao fim. Primeiro, sua premissa já traz algo bizarro: mostrar uma tal de competição de cócegas. Isso aí que você leu. Eu comecei a ver o doc sem nem ter visto o trailer (fica a dica para fins de maior surpresa), então não fazia ideia do que esperar de algo que se propõe a trazer à superfície uma espécie de sociedade secreta de… cosquinha? Que mal tem um tic-tic-tic e risadas involuntárias?

No entanto, essa esquisitice toda vai mostrando raízes que nutrem algo macabro e não divertido como parece. Existe uma conspiração de cosquinhas bem debaixo de nosso nariz ou, melhor dizendo, ao alcance de nossa internet, e ninguém sabia. Ok, eu sei que vai demorar um tempo pra levar tanto o que escrevo quanto o próprio documentário a sério. Mas quando começamos a ver o quanto o buraco é mais embaixo, o que iniciou como burlesco se torna… maligno. Um plot twist de cair o queixo que fica páreo duro com M. Shyamalan, por exemplo. Acho que até ganha visto que a coisa toda é real. O ser humano é muito escroto mesmo, é o que reforça a história delirante e de tirar o folêgo que David Farrier e Dylan Reeve contam com determinação. 

A 13ª Emenda (13th), de 2016, dirigido por Ava DuVernay

https://www.youtube.com/watch?v=h4uGff8OScM

A abolição da escravatura não é, em grande parte dos recortes históricos, um enorme símbolo de justiça, liberdade e benevolência dos colonizadores na prática. Aqui no Brasil, os ex-escravos foram jogados na sociedade sem perspectivas de integração, tendo que encarar não só o racismo como também a vinda de imigrantes que simbolizavam o embranquecimento do país e “mão de obra qualificada”. Nos Estados Unidos, um país que se gaba pela constituição liberal, inclusiva e tolerante, que teve a questão da abolição como motor da Guerra Civil, o cenário não é muito diferente. Mais drástico que aqui, lá houve a abolição e pouco depois a segregação institucionalizada, que deu continuidade à desigualdade racial desde a ida dos negros para a “terra da liberdade e o lar dos corajosos”.

Tendo sido até mesmo indicado ao Oscar deste ano,  A 13ª Emenda nos mostra como a política de ódio racial americana ainda é muito presente e sorrateiramente faz a manutenção de privilégios para os brancos de maneiras diversas. Abordando a superpopulação carcerária americana, que já foi diagnosticada como a maior DO MUNDO, a narrativa correlaciona com a constante discriminação racial que os não-brancos sofrem no país. A escravidão não foi o fim e mostra ter cimentado um caminho de perseguição e de uso da população negra como bode expiatório econômico, político e social. Afinal, na 13ª emenda fica claro que o trabalho escravo é proibido perante a lei – salvo enquanto punição por um crime. E nada mais conveniente que enquadrar, literalmente, uma população socialmente marginalizada nessa lógica…

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