Crítica: Dark – 1ª Temporada


Que saudades do cinema alemão! Acho que nos últimos 15 anos eu não vi um filme alemão sequer que eu tenha achado ruim, embora não tenha visto tantos filmes da terra da cevada quanto eu gostaria… mas isso não altera o meu ponto.

Em toda produção germânica não há tempo a ser desperdiçado, todas as peças têm uma função e a exercem de forma infalível. Dentro da biogeografia, existe um termo que se aplica à escola alemã e, especialmente, a este Dark: Propriedade Emergente, que é quando o todo é maior do que a soma das partes. Em Dark, prepara-se para uma história que vai muito além dos seus personagens.

Georgie do It ainda procurando seu barquinho.

Aproveitando que você está se preparando, pegue também um caderno e um lápis. Adianto que lhe será muito útil caso você não queira ficar indo e vindo no IMDB da série.

E por que falo isso? Porque, como você já deve bem ter reparado no trailer e no pôster, a palavra central da obra é “QUANDO”. Então inúmeras datas serão importantes e muitos personagens aparecerão em alguns momentos distintos do tempo e, já sendo “germanofóbico”, os personagens possuem nomes e rostos parecidos, especialmente quando idosos. Caso viagem no tempo, história não-linear e atenção total a quem/onde/quando sejam um problema para você, melhor nem começar a série (mas acabe de ler a crítica, pelo menos).

Que?! Tchau!

Dito isso, Dark é uma narrativa sobre como todos estamos conectados, agora, no passado e no futuro. Não apenas conectados, mas com o futuro influenciando o passado tanto quanto o passado influencia o presente. Confuso? Calma… vamos lá.

A série começa em 2019, quando a polícia na pequena cidade de Winden, na Alemanha, está buscando uma criança desaparecida e com uma família tendo que entender o suicídio do pai/marido alguns meses antes. Aí conhecemos as 2 famílias centrais que nos apresentarão os 3 personagens condutores da série, Jonas (Louis Hofmann), filho do suicida,  Ulrich (Oliver Masucci), policial encarregado na busca do garoto e Mikkel (Daan Lennard Liebrenz) filho caçula de Ulrich.

Ulrich, uma mistura do Tite com Ivan Drago.

Apesar de trágico, até aí não há nada de anormal. Isso até o filho de Ulrich, Mikkel, desaparecer e reaparecer 33 anos no passado (em 1986). O policial dá início a uma investigação que vai desenrolando a história da série no presente. Ele é motivado duplamente – e aí que mora a magia da obra – pois seu irmão havia sumido sem deixar rastros também 33 anos atrás (note que essa data não é casual). Tudo ganha um ar muito mais urgente quando corpos caracterizados com roupas/apetrechos dos anos 80 (1986 para ser exato) começam a aparecer nas florestas que cercam a cidade.

Já Jonas leva a série por outro caminho, muito mais introspectivo. Seu pai se matou e ao fazê-lo, em uma cena forte, deixa uma carta a ser aberta com dia e data específica, que coincide com o dia e horário do sumiço de Mikkel. A busca de Jonas por respostas o envolve com personagens misteriosos e vamos lentamente entendendo como tudo se conecta.

“Yes it’s a hard life/ In a world that’s filled with sorrow / There are people searching for love in every way / It’s a long hard fight / But I’ll always live for tomorrow / I’ll look back at myself and say I did it for love / Yes I did it for love.”

Por sua vez, Mikkel vai nos guiando por 1986, fundamentando os diversos personagens que habitam 2019 em suas versões mais jovens. Não falarei muito desse personagem, pois seria spoilar demais a série. Diga-se de passagem, que tudo que eu falei aqui ocorre nos 2 primeiros episódios.

Dark é uma mistura incrivelmente equilibrada de diversas temáticas sem ficar um Frankstein. Para você ter uma referência, como se misturássemos o terror e acontecimentos cíclicos de “It: A Coisa“, com a questão temporal de “Os 12 Macacos“, a ambientação (não nostálgica) de “Stranger Things” e uma ligação entre personagens em diversas épocas como em “O Predestinado“.

Ah… o passado.

Apesar de espetacular, a série possui pequenos “problemas”, alguns que se originam da fidelidade que os roteiristas tiveram com a própria premissa que eles criam sobre viagem no tempo. Infelizmente, com metade da série passada, já dava para saber quem eram os personagens misteriosos, quem matou quem e onde chegaremos no final, é só ficar bem atento. Para tentar corrigir esse “defeito”, a série usa daquele artifício maroto de mostrar alguns personagens fazendo algo suspeito para removermos a nossa suspeita sobre os verdadeiros culpados.

Outro problema foi o abandono de determinados eventos importantíssimos apresentados nos 3 incríveis primeiros episódios e que só são retomados muito depois, criando certo distanciamento entre os personagens envolvidos e o espectador.

Vendo o grupo do Brasil na Copa.

MAS esse problema, que poderia ter gerado uma senhora barriga com vários episódios fillers na série, foi compensado com praticamente todo episódio trazendo eventos novos e/ou revelações que (re)significavam os episódios passados, fazendo com que eu pausasse a série para arrumar as relações dos personagens na minha cabeça.

Sendo um crítico babaca e cri-cri, embora não tenha feito falta, gostaria de ter visto – muito mais por ser formado em geografia do que pela paixão pelo cinema – questões sobre a Guerra-Fria, afinal estamos na Alemanha Ocidental em diversos momentos do passado, quando a tensão com o leste europeu era muito grande.

Predestinado?!

Cabe aqui mencionar 2 elementos que ajudam muito na imersão da obra. A fotografia, que usa uma região chuvosa na Alemanha proporcionando um ar melancólico sem usar cores pastéis (toma, Reino Unido! Há!) e a trilha sonora, que criou diversos momentos de tensão. Tecnicamente, a série não fica devendo em comparação aos seus irmãos americanos de produtora.

Dark, 1ª produção serial alemã na NETFLIX, chegou e já conquistou uma alta posição como uma de suas melhores séries produzidas. É uma obra que a todo momento se reconstrói e que fica melhor após uma 2ª visita. Agora é esperar a próxima temporada.

Menção especial para uma das minhas bandas favoritas, Kreator – usada como disparador de diálogos em momentos diferentes da obra – com o álbum Pleasure to Kill, lançado em 1986… yeah…

 

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