Crítica: Extraordinário (Wonder)


Uma dos meus grandes devaneios dentro do que circunda ser mãe é o enorme medo de colocar uma pessoa no mundo e vê-la sofrer. Eu sei que deve soar pessimista ou até precipitado – afinal, ainda acho que está bem longe de eu ter um filho e isso pode nem acontecer mesmo. Mas só a rápida possibilidade de colocar um serzinho no mundo e vê-lo triste me assusta pra cacete.

Dentro desse pensamento, imagina como não é ser Isabel (Julia Roberts), cujo temor é mais que válido e, infelizmente, certeiro. Uma mãe que tem um filho diferente, neste caso esteticamente, já prevê como o mundo vai tratá-lo e constrói uma redoma ao seu redor. Seja através de um capacete de astronatua ou substituindo a escola por aulas em casa. Hora ou outra, contudo, a redoma inevitavelmente se estreita; e agora? Extraordinário nos mostra o transpasse de Auggie (graciosa e brilhantemente por Jacob Tremblay) por essa redoma.

A hora em que o filhote sai do ninho.

Como esperado, há um estranhamento de maneira geral pelo aspecto o rosto do menino. No entanto, através de um roteiro muitíssimo equilibrado, não senti que isso foi retratado de maneira forçada; houve o tempero ideal com a realidade necessária pra situação de Auggie. Olhares esquisitos, repúdio; mas também algumas mãos se estendendo e outras se fazendo de indiferente à sua diferença. A pegada do filme é perfeita para o tema pois ele em si já é deveras sensível e não precisa de estardalhaço algum pra tocar quem assiste. Na primeira cena eu já irriguei meus olhos, irremediavelmente.

Outro acerto muito do digno de ser falado é abordar pessoas ao redor do menino como temática do filme também, reservando à elas breves narrativas de seus pontos de vista. Dessa forma temos sua irmã Via (Izabela Vidovic) expondo “o outro lado da moeda”, que no caso é o de ser a filha “sem problemas” – ou sem tantas dificuldades quanto o irmão -, e acabar sendo posta de lado mesmo que não intencionalmente. A menina demonstra ser compreensível mas também carência por que, no final de tudo, é apenas uma adolescente que precisa igualmente de pais de seu lado pra questões inerentes a seu universo.

Um pequeno passo para a humanidade e um grande passo para um menininho.

Auggie faz amigos e enfrenta bullying. Atiça em nós sentimentos fraternais de querer protegê-lo e de revolta pelo fato de um rostinho tão doce, ainda que marcado por uma condição física, ser mal visto pelos outros. O ato de encarar alguém certamente se ressignifica depois da exposição à crueldade que isso pode muitas vezes significar para outro diferente de nós. Até por que, no final das contas, com rosto padrão ou não, todos queremos ser aceitos, ter pessoas ao redor que podemos contar e que saibamos que nos olham através de nosso corpo e não somente para ele. Uma mensagem genuína de olhar através das pessoas é passada; afinal, tudo isso aqui, bonitinho e “no lugar” segundo a sociedade – ou não – se desfaz. Tudo que é sólido desmancha no ar, já dizia Tio Marx. E não estou falando do capitalismo e sim da beleza externa.

Extraordinário é um filme revigorante que proporciona momentos de emoção sem apelações, feito para entrar de cabeça num conto juvenil que contempla também o mundo adulto. O menino Auggie encanta com seu jeito autêntico e fofinho de ser, assim como o grupo de crianças parte do elenco – salve especial para o gracioso Jack Will (Noah Jupe)! Não esperava tanto de um filme que, no alto de minha ignorância, parecia só uma adaptação de livro meio blockbuster com temática delicada. Trata-se, no entanto, de um filme que cumpre seu papel conscientizador e de obra cinematográfica de qualidade concomitantemente. Prepare o coraçãozinho, desculpe a breguice, para uma história encantadora.

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