Crítica: Mindhunter

Há um novo tipo de assassino no pedaço, um assassino que não mata por dinheiro, que não mata por vingança, um assassino que não mata por qualquer motivo corriqueiro que observamos em assassinos que enchem as delegacias de polícia em geral. Este novo tipo de assassino, como disse Edmund Kemper (notório serial killer americano conhecido por matar colegiais e por matar sua própria mãe e depois fazer sexo oral com a cabeça dela), este tipo de assassino “mata por vocação”. Um novo espécime de ser humano, um novo tipo de criminoso, um novo comportamento a ser estudado, um comportamento a ser evitado pelo poder do Estado. A nova série da Netflix, Mindhunter (criada por Joe Penhall), nos mostra todo o trabalho inicial realizado pelo Departamento de Ciência do Comportamento do FBI em desvendar a mente de serial killers e assassinos violentos em geral.

A série começa com a estrela principal do show, o Agente Especial Holden Ford (Jonathan Groff), tentando dissuadir um sequestrador atormentado a libertar sua refém; tentativa frustrada em que o sequestrador, nitidamente sofrendo de paranóia esquizofrênica, acaba por estourar sua própria cabeça com uma espingarda calibre 12. Para Holden, enquanto não se atingisse uma compreensão mais profunda sobre a mente e comportamento de certos indivíduos violentos, nada se poderia fazer para evitar suas ações e consequências devastadoras. É neste momento que Holden passa a flertar com a idéia de um estudo mais detalhado das causas, motivações e das forças conscientes e inconscientes que dirigem certas pessoas a cometerem atos de extrema violência. É bem verdade que o tipo serial killer (este termo só foi cunhado pelo próprio Departamento de Ciência do Comportamento do FBI nos anos 70 do século XX, como vemos na série) já havia sido reportado ao longo de toda a história humana; Jack the Ripper, H.H. Holmes, Elizabeth Bathory, entre tantos outros nomes, já exibiam todas as características, violência e motivações que, hoje, fazem seus nomes serem ligados a infame denominação de serial killers. Porém, na época em que viveram, suas “obras” eram mais vistas, pelo grande público e por especialistas, como comportamentos desviantes de loucura, muitas vezes ligados ao próprio mal, diabólico e satânico.

O que vemos na série Mindhunter é o deslocamento da abordagem destes comportamentos, do campo do místico-religioso-desviante para o campo científico-psiquiátrico-legal. Hoje a psiquiatria é enfática em dizer que psicopatas não são loucos, mas sim habitam na linha fronteiriça entre a loucura e a sanidade. Na série, a ideia central de Holden é entrevistar e analisar os principais assassinos em série sob custódia do Estado e procurar definir o dito “perfil psicológico” de assassinos violentos. Neste momento nos cabe uma indagação importante: a motivação de Holden, representante do Estado, é utilizar o dito perfil psicológico para capturar assassinos seriais que já executram suas “obras” ou utilizar o perfil psicológico para evitar que serial killers se formem? Creio que se trata de uma indagação importantíssima e, ao mesmo tempo, com uma resposta óbvia.

Para responder à essa pergunta, cito o próprio Edmund Kemper (Cameron Britton): “Existem outros como eu, mas você não vai chegar perto deles, não vai descobri-los a não ser que eles queiram ou deixem”. Em suma, o trabalho da psiquiatria em torno de serial killers não servirá de maneira efetiva para precaver a formação de assassinos seriais, mas, sim, para ajudar a traçar um perfil de como assassinos seriais podem agir, traçar suas fantasias motivadoras e delinear a forma de ação de seus inconscientes maquínicos para que, um dia, eles possam ser pegos (caso eles queiram). De maneira ainda mais profunda, o que quero dizer é isto: a fixação, a obsessão da ciência psiquiátrica e de nossa sociedade em torno do assunto psicopatia (nunca existiram tantos filmes, documentários, séries e livros com esta temática em nossa história) é visar a normalização de comportamento dos indivíduos ordinários dentro de uma sociedade.

Por exemplo, a história do diretor Roger Wade (Marc Kudisch) que nos é mostrada na série é prova disso. A não ser que haja uma reviravolta na trama e se descubra que ele é um pedófilo abusador de crianças (particularmente não acredito nisto), o diretor é acusado injustamente de ser um “pré-pedófilo”, ou seja, por tratar as crianças de forma mais afetiva ao fazer cócegas em seus pés; o Agente Holden, obcecado com a fixação de Jeremy Brudos (Happy Anderson) – assassino em série entrevistado por ele – por pés femininos, acaba taxando o diretor de ser um potencial pedófilo. Holden vê uma linha tênue entre um assassino serial e um diretor dedicado de uma escola infantil: os pés. Por conta disso, o diretor acaba perdendo seu emprego e sua moral dentro da sociedade, tornando-se um pária.

Particularmente, vejo os serial killers como uma vela ou um farol que são utilizados para a normalização de indivíduos comuns em nossa sociedade moderna ao mesmo tempo em que retiram a atenção do público dos verdadeiros assassinos em nossa sociedade. Em termos estatísticos, serial killers psicopatas perfazem menos de 0,1% entre os ditos 10% de psicopatas em todo o mundo. Onde estão então os outros 9,9% de psicopatas? Eis a lista de profissões ou campos de atuação nos quais há uma grande incidência de psicopatas: CEOs, Advogados, Agentes da Lei, Política, Mídia e Jornalismo, Publicidade, Clero, Medicina. O que há em comum entre essas profissões? O PODER! Então, caro leitor, a chance de você topar com um psicopata serial killer é reduzidíssima, mas a chance de você topar com um psicopata “não-assassino” (espero que entendam o significado das aspas) é altíssima. Como disse a bela Dra. Wendy Carr (Anna Torv) na série, a diferença entre estes dois tipos de psicopatas reside em seus interesses; uns querem matar para satisfazer seus impulsos e fantasias, já outros querem família, riquezas e, se possível, serem admirados por seu comportamento de sucesso, mesmo que ninguém perceba que eles mataram e passaram por cima de muitas pessoas.

É por esta linha que a série Mindhunter nos conduz e nos conduzirá pelas próximas temporadas. A série se passa nos anos 70 e, durante esta década e nas próximas, muitos notórios serial killers estavam em atividade nos EUA, como por exemplo o Assassino BTK (sigla para Bind, Torture and Kill), cujo nome verdadeiro era Dennis Rader e que aparece a partir do segundo episódio da série e nos começos de cada um dos capítulos sem que o telespectador saiba quem é; temos também o famoso Ted Bundy que com certeza será uma das “estrelas” do show. Há também John Wayne Gacy Jr., vulgo “Palhaço assassino”, Gary Ridgway, o “Assassino de Green River” e Richard Ramirez, o “Perseguidor da noite”, só pra citar alguns.

Material e público não faltarão para a série, disto eu tenho certeza. Afinal, vivemos na Era da Psicopatia, na qual os laços entre humanos estão sendo desfeitos e a ânsia por Poder e reconhecimento são as pautas do dia. Até a segunda temporada, psicopatinhas!

por Leonardo da Cunha

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