Crítica: A Origem do Dragão (Birth of the Dragon)
Em 1993, eu então com meus 10, 11 anos, fui com meu melhor amigo Roberto Honda, o sujeito que sempre me vencia nas olimpíadas de matemática do colégio, assistir a “Dragão: A História de Bruce Lee“. Este era o início dos anos 90, quando a febre oitentista de filmes de artes marciais ocidentais ainda estava em franca ascensão, levando gente como o Van Damme ao estrelato e Chuck Norris a condição de lenda, mito e deus, o que inclusive explica por que o Luke Skywalker quis fazer cosplay dele durante nesse último Star Wars.
Então, se você era um moleque da minha idade numa época em que classificação indicativa sequer existia, você teria crescido vendo o Steven Seagal e seu indefectível rabo de cavalo quebrando ossos brutalmente e assassinando bandidos violentamente sem esboçar um sentimento sequer. E, fosse você minimamente nerd, como éramos eu e Honda, você pesquisaria, iria mais a fundo e entenderia a importância e influência absolutamente inegáveis que Bruce Lee tem para o cinema de entretenimento e, essencialmente, para a divulgação das artes marciais no mundo todo.
“Dragão” era um filme que se dispunha a contar toda a vida de Bruce Lee, valendo-se da fórmula, clichês e lugares-comuns que uma cinebiografia costuma ter, só que dessa vez com alguma porrada no meio. Um dos episódios mais emblemáticos apresentados em “Dragão” é a razão de ser não só desse A Origem do Dragão, mas do início de toda a lenda que circunda a figura de Bruce Lee: sua luta com Wong Jack Man.
Sem qualquer compromisso com a verdade, A Origem do Dragão romanceia de forma descarada este evento ao apresentar um roteiro extremamente rocambolesco e forçado no que tange a construção dos personagens e o desenrolar da história. Enquanto que na vida real a luta ocorreu porque os dois queriam mesmo sair na mão para ver quem era o melhor (apesar de Bruce Lee ter criado o factóide de que era porque os chineses não gostavam que ele ensinasse Kung Fu a brancos) aqui é criada toda uma situação desinteressante e não convincente com o escada Steve McKee (Billy Magnussen) e uma chinesa meio que escravizada pelas tríades chinesas (Jingjing Qu). Wong Jack Man (Yu Xia) é retratado como o estereótipo do monge paciente e santificado, de modo a ser um contraponto a Bruce Lee (Philip Ng), jovem, ambicioso, orgulhoso e ainda longe de se tornar a lenda que viria a se tornar, o que, a toda evidência, é mais ou menos como Lee realmente era antes dessa luta.
Ainda que não seja ajudado pelo roteiro, pela edição e pela construção totalmente monocromática dos personagens, A Origem do Dragão ao menos tem algum sucesso ao passar algum verniz de filosofia das artes marciais, valendo-se da luta e de tudo o que acontece no filme como uma grande lição em humildade ao arrogante Bruce Lee, o que teria contribuído decisivamente para a mudança de seu estilo, a criação do Jeet Kune Do poucos antos depois e para a construção de sua lenda.
Com uma fotografia interessante e cenas de luta com alguma alma, ainda que um tantinho derivativas, A Origem do Dragão certamente não agradará a todos. Mas, dentro do que se propõe e mesmo com tantos problemas, o longa consegue ser um filme de porrada passável, que vai agradar às muitas viúvas do gênero (eu incluído) que, eclipsado pelos filmes de super herói, quase não veem mais a luz do dia em terras tupiniquins.
E não poderia deixar de destacar os milhões de easter eggs de toda a filmografia de Bruce Lee durante toda a exibição do longa. Isso, por mais que talvez o retrato de Bruce Lee seja um pouco ofensivo a quem não o aceita como um cara bem arrogante ainda no começo da carreira, trará um sorriso a todo e qualquer fã.
Leave a Comment