Crítica: O Artista do Desastre (The Disaster Artist)

Há duas décadas, desde que fiquei íntimo do Cinema e passei a vê-lo como parte da minha vida, fiquei sabendo das histórias por trás de Edward D. Wood Jr., o considerado pior cineasta de todos os tempos. Sua principal obra, “Plano 9 do Espaço Sideral“, foi por mim revisitada um sem-número de vezes (inclusive resenhada aqui no site em um Nostalgia), sempre figurando, na minha concepção, como uma ode ao Cinema puro e sincero, apesar de ridículo em sua realização. Mas, como disse Giuseppe Tornatore e que está citado em meu breve perfil, “eu gosto de todos os filmes. Mesmo quando um filme é ruim, eu gosto dele. Eu gosto dos filmes simplesmente pelo fato de eles existirem“. Ed se tornou cult e começaram a resgatá-lo como um ícone B (ou Z) da 7ª Arte.

Mas o raio pode cair duas vezes no mesmo lugar. A figura de Wood encontrou um representante no século XXI. Trata-se de Tommy Wiseau, com sua inacreditável produção “The Room“. O filme é um daqueles erros tão absolutos que, por uma caridade do destino, torna-se referência e passa a ser adorado por uma horda de fãs que se deleitam com aquele estrago, de forma que vira um acerto. Pra mim, é feito semelhante ao de Ed: Cinema feito com sinceridade e pureza. Apesar de ridículo, é genuíno.

Equipe incrédula daquilo que estavam fazendo.

Eis que James Franco é um desses fãs e resolveu fazer um filme sobre o processo de criação desta que é considerada a pior produção do breve século atual. Mais do que isso, O Artista do Desastre (nome dessa homenagem) é uma declaração de amor ao Cinema e o reconhecimento de uma amizade verdadeira, digna daquela entre soldados em uma trincheira, onde um depende do outro para sobreviver a cada dia. A ilustração não é exagerada, visto que aparecer no meio cinematográfico é quase como vencer uma guerra (e a História atual nos mostra que, em muitos casos, há vítimas, sim).

Em uma pequena escola de teatro, dois alunos se destacam: Greg (na medida por Dave Franco), por suas péssimas esquetes apresentadas, e Tommy (em acertada encenação de James Franco), por sua excentricidade que transborda. Greg, o apagado estudante, aproxima-se de Tommy para que juntos façam trabalhos para que o professor os note. Algo despertou no tímido ator wannabe enquanto assistia àquela demonstração irreverente de alguém que, em seu physique du role, não é nada usual. Surpreendido pelo convite do colega de aula, Tommy começa a “lapidar” a timidez de Greg, para que ele se torne destemido em suas atuações também. Disso, uma linda amizade começa a se desenvolver: de morar juntos em LA até – o motivo pelo qual James fizera esta obra – a produção de um filme: o supracitado e inacreditável “The Room”.

Juntos para sempre.

Ocorre que Tommy aparenta ser bem mais velho do que diz ser, carrega um sotaque do leste europeu (apesar de dizer que vem de New Orleans) e tem uma conta bancária supostamente infinita (ao que parece a todos). Ainda assim, Greg jamais o julga pelos seus enigmas nunca respondidos (até pouco tempo – com exceção do dinheiro insistente do misterioso homem), fazendo com que os dois passem a buscar o mesmo sonho: estar no meio dos grandes de Hollywood. Para conquistar esse objetivo, decidem fazer, eles próprios, com dinheiro pessoal, um longa-metragem (essa história é demasiado familiar para mim; muito embora, eu não conte com uma gorda conta bancária, mas que é, sim, diminuída pelos meus devaneios cinematográficos que, com indesejáveis hiatos, se realizam, ainda que timidamente).

Não é spoiler dizer que eles conseguem (com dinheiro, é difícil não conseguir produzir algo) fazer o filme e que o fracasso é retumbante. Não à toa, esse é um dos motivos da realização da obra de Franco. Mas quando Tommy, completamente abalado pelo estrondoso som de gargalhadas da platéia durante sua premier (visto que não se tratava de uma comédia), Greg consola o amigo com lindas palavras: “eles estão se divertindo e quem proporcionou isso a eles foi você”. Isso mostra o quão genuíno fora o trabalho de ambos. Isso mostra que, naquele caso, o Cinema (ainda que de maneira contestável para padrões técnicos) fora feito com coração, com alma. E, na boa, por pior que seja, é bem melhor do que milhares de filmes desalmados e formulaicos com os quais somos alvejados diariamente.

Em todos os momentos.

James faz de seu novo filme diversas odes: à Tommy Wiseau, à amizade (não à toa, a escolha de amigos-irmãos para a realização, como Zac EfronSeth RogenJosh Hutcherson e Dave, é claro), ao sonho, à determinação, mas, sobretudo, Franco faz uma calorosa e tocante ode ao fazer Cinema, trazendo à luz (tal qual Tim Burton com seu marcante “Ed Wood) uma figura que, por sua sinceridade e amor pelo que faz, merece os aplausos e reconhecimento que começam a aumentar, agora; pois, como costumo dizer, é melhor um filme ruim do que não existir filme.

Tommy e James.

Repetindo a dose de sinceridade presente em Wiseau, James faz um belíssimo e acertado filme. De tal forma que, aparentemente, “The Room” será, inclusive, reexibido em algumas salas dos Estados Unidos.

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