Crítica: O Motorista de Táxi (Taeksi Woonjunsa)

Na primavera de 1980, a Coréia do Sul passava por uma série de levantes contra o governo ditatorial e sua lei marcial (de suspensão dos direitos básicos do cidadão). A cidade de Gwangju fora tomada pela população local, em demonstração de resistência. Porém, a quase primavera do povo coreano seria apagada pelas ações invernais das forças armadas do país. Esse é o pano de fundo no qual se inicia a narrativa do novo filme de Hun Jang, mas que, ao longo, torna-se cenário principal deste conto.

Man-seob (nas mãos do excelente e carismático Kang-ho Song, presente em maravilhosos filmes como “Lady Vingança“, “O Hospedeiro” e “Sede de Sangue“) é um viúvo motorista de táxi, que tem que se equilibrar entre o trabalho, a crise financeira e os cuidados com sua filha pequena. Quando, em um restaurante, como um golpe do acaso, Man-Seob escuta de um outro taxista que vai levar um gringo à cidade de Gwangju por um alto valor (exatamente aquele que ele deve de quatro meses de aluguel atrasados), como um belo trapaceiro, ele vai na frente do colega de trabalho para realizar a corrida. No aeroporto, encontra-se com Peter (Thomas Kretschmann) e, criando uma justificativa para a “substituição” do taxista contratado previamente, inicia a jornada que mudaria sua percepção de vida.

“O vento da mudança sopra sobre nós” (Bruce Dickinson).

É nesse momento que O Motorista de Táxi vai deixando para trás seus elementos um pouco mais cômicos, enquanto ruma para o dramático e trágico que aguarda os personagens na cidade de Gwangju. É nesse momento que o motorista de táxi, Man-seob, vai deixando para trás seus elementos apolíticos, enquanto ruma para o ativismo e resistência que o aguarda junto aos personagens da cidade de Gwangju. É que Man-seob sempre esteve muito preocupado em passar pelos dias, sobrevivendo e balançando no fio da navalha, conseguindo cumprir com suas responsabilidades. Para ele, trabalhar e arcar com os compromissos diários é o que cada um deve fazer, enquanto a política é feita pelos políticos. “Vão para a Arábia Saudita e aí darão valor ao seu país”, brada ele sozinho dentro de seu automóvel-ganha-pão, reclamando das manifestações que começavam também em Seul. Mas ele não é um conservador (ou fascistinha, como você, no Brasil de hoje, poderia assumir). Não. Ele é apenas um “bestializado” (como qualquer brasileiro na História do Brasil sempre foi e sempre haverá de ser), que nunca enxergou na ação coletiva uma saída para se fazer ouvir, para mudar, para transformar. Então, ele segue com Peter, um repórter alemão (travestido de missionário religioso para garantir sua entrada no país), para a cidade sitiada: o coreano para garantir seu sustento próprio; o gringo para documentar as notícias escondidas pela mídia nacional.

Um coreano em uma Coréia, agora, subdividida. Um alemão vindo de seu país dividido. A História da Humanidade em poucos personagens: divisão e subtração.

Irmãos em armas.

Chegar à cidade é um suplício, já que as vias principais estão bloqueadas pelo exército local. Mas na velha lábia do taxista, eles conseguem passar: o gringo (agora travestido de homem de negócios) surge como passaporte para tudo. O turning point da história acontece no momento da chegada. Gwangju fantasma, com revoltosos se organizando para os motins que continuam. A mentalidade individualista de Man-seob vai se modificando à medida em que ele nota os citadinos criando uma espécie de comuna, na qual o coletivo fala mais alto e um ajuda ao outro, fazendo a resistência se levantar contra o poder bélico do Estado opressor. O turning point de Man-seob acontece no momento em que ele vê seus compatriotas serem alvejados brutalmente por outros conterrâneos – esses, porém, fardados – enquanto a mídia diminui números e acontecimentos, em clara e manifesta ação de censura. O objetivo dele, agora, será ajudar seus compatriotas, em especial através da garantia do retorno de Peter com as filmagens realizadas para que o mundo possa saber os eventos grotescos que se desenrolam em território sul-coreano.

timing de lançamento do filme é perfeito: exatamente quando o mundo vê os radicalismos se manifestarem e teme um evento mundialmente caótico devido às pressões de uma esquerda opressora, encarnada na figura da Coréia do Norte, contra a opressão de uma direita repressora, ilustrada na figura de um Estados Unidos intolerante. De um lado ou de outro desse maniqueísmo político, a Humanidade pode vislumbrar o mesmo resultado: nada além da destruição. No entanto, a resposta se concentra sempre na forma como se olha para o outro e como podemos nos entender como coletivo. Hun Jang fala sobre um tema delicado da História do seu país, utilizando-o para discorrer sobre um tema delicado da História do ser-humano. Com a sutileza, a sensibilidade e a força características do Cinema coreano, ele produz uma obra que nos toca com sinceridade e determinação.

Sociedades divididas em união para (re)construção.

Hoje, a Coréia permanece dividida. A Alemanha, reunida, assiste à fragmentação da União Européia. E a sociedade ainda balança no fio da navalha de seus escombros, nacionais ou internacionais.

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