Crítica: Star Trek: Discovery - Ambição Desmedida (Vaulting Ambition) (T01E12)
Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.
Em um episódio redondo e que serviu para começar a amarrar as pontas para preparar terreno ao final da temporada, temos a confirmação de mais uma teoria de fã, finalmente deixando claro que, apesar de todo mundo estar com a roupinha correta, esse seriado tem uma essência completamente diferente do que Roddenberry imaginou para Star Trek há tanto tempo. E isto, se você conseguir se desvencilhar das amarras do fanatismo e encarar o seriado como o thriller espacial de ação/aventura que efetivamente é, pode ser ótimo.
O episódio mais curto da temporada até aqui, com 37 minutos, começa com Michael (Sonequa Martin-Green) e Lorca (Jason Isaacs) a bordo de um transporte em direção ao Palácio Imperial para atender a uma convocação da imperatriz Georgiou (Michelle Yeoh). Os dois discutem que as informações obtidas a respeito da Defiant foram cortadas em parte, fazendo com que todo aquele trabalho tivesse sido por nada até aquele momento, já que não é possível se aprender nada que ajude na volta da Discovery ao seu universo original. Conclui-se que o único lugar no qual poderiam conseguir o relatório original e sem cortes seria no palácio imperial. Coincidentemente, é para lá que eles estão indo.
E, puta que o pariu, que palácio, meu amigo! Trata-se de uma nave gigantesca, com uma bola de energia enorme no meio e com um design bem ameaçador, deixando no chinelo o nosso Paço Imperial aqui no Rio de Janeiro.
De volta à Discovery, Tilly (Mary Wiseman) continua a tratar Stamets (Anthony Rapp) com sua terapia de esporos enquanto a consciência dele permanece dentro da rede micelial trocando uma ideia com a sua versão-espelho. Descobrimos que o Stamets-espelho é também um astromicologista (porque não?) e estava no palácio imperial fazendo experimentos com a rede micelial quando, por acidente, acabou entrando em coma e sendo transportado para dentro dela. Ele narra que começou a ter vislumbres do Stamets original quando este passou a ser o navegador da rede micelial, o que quer dizer que ele está lá já há meses.
Chegando ao palácio, batizado ISS Charon (Caronte, em português, o barqueiro que leva as almas para Hades na mitologia grega), Michael é incitada pela imperatriz a escolher um Kelpien sabe-se lá para o quê. Michael escolhe um sem fazer a menor ideia de que mais tarde estaria jantando aquela espécie de grelo que eles têm na nuca e que avisa do perigo.
Depois de um mise-en-scène fodido que vê a a imperatriz num púlpito que roda (uau!), Michael entrega Lorca para sofrer a justiça da imperatriz. Eu tenho um certo problema com essa parte da história, já que não entendo o porquê de Lorca não ter sido levado à imperatriz logo depois de sua captura se ele era assim tão valioso a ela. Georgiou determina que Lorca passará o resto de sua vida em dor em um daqueles agonizadores.
Em um jantar meio oriental e que me deu água na boca de verdade, descobrimos que Kelpiens são considerados uma iguaria (jamais olharei para Saru da mesma forma) e que a imperatriz na realidade é uma espécie de mãe adotiva da Michael-espelho, cujos pais também morreram quando ela ainda era criança. Claramente há uma ligação muito forte entre Michael e Georgiou aqui também neste universo.
Esta ligação, contudo, não impediu Michael-espelho de se juntar ao Lorca-espelho na rebelião contra a imperatriz. Ao que parece, o Lorca desse universo seduziu e preparou Burnham para trair a mãe adotiva e assumir o controle do império, não se sabe se para o bem ou para o mal, e a imperatriz estava ciente de tudo isso. Depois de fazer essa revelação durante o jantar, em uma cena digna de uma novela das 8, Georgiou manda que levem Burnham à sala do trono onde ela mesmo executará sua filha.
Na sala do trono, cercada por alguns de seus mais leais oficiais, Georgiou faz juras de amor à Burnham e diz que é só por causa disso que ela morrerá de forma rápida. Sentindo que seu tempo acabou, Burnham faz a revelação meio que de novela mexicana de que ela não é na verdade a Michael Burnham que Georgiou adotou, mas que ela, a Discovery e Lorca são de outro universo. Para provar isso, ela apresenta a insígnia da Federação pertencente à Georgiou do universo original.
Usando um aparelho incrivelmente específico, a imperatriz verifica que a variação quântica daquele objeto é diferente daquela de seu universo e que Burnham fala a verdade. Imediatamente ela usa uma espécie de shuriken tirado diretamente daquele filme “O Procurado” para matar todo mundo daquela sala, menos um puxa-saco cujo silêncio ela compra com um cargo importante dentro de seu governo, muito parecido com o que acontece aqui em terras tupiniquins.
Enquanto isso, os Stametses estão conversando sobre como conseguirão sair dali, quando o Stamets original vê seu falecido macho, o Dr. Hugh Culber (Wilson Cruz), andando por dentro da rede micelial. Saudoso e galudo que só ele, Stamets vai atrás e, quando o encontra, Hugh revela que morreu. Hugh aqui, na verdade, se revela uma espécie de avatar da rede micelial. Por causa dos experimentos nocivos que o Stamets-espelho vinha conduzindo, a rede está à beira de ser destruída, o que acabaria por também destruir o universo.
É com um beijão na boca ainda mais erótico do que qualquer um dos inúmeros dados pelo Capitão Kirk que os esporos convencem o Stamets-original a acordar e, com isso, a tentar salvar o universo. Consequentemente, o Stamets-espelho também acorda e é aqui que eu acho que a porra vai ficar séria. Enquanto que em outra instância da série teremos duas pessoas lutando pelo controle de uma galáxia, acredito que os dois Stamets vão lutar pela sobrevivência de todos os Universos.
Na Discovery, Saru está a voltas com Tyler/Voq (Shazad Latif) e seu comportamento violentíssimo. Ele tenta recrutar a ajuda de L’Rell (Mary Chieffo) e ela nos revela o que fizeram com Tyler. E eu confesso que continuo sem entender exatamente o que é. Parece, contudo, que o corpo de Tyler morreu e o corpo que lá está é o do Voq. Foi feito um procedimento estético invejado por toda os travestis desse planeta, já que não foi uma mera questão de troca de sexo, mas de raça. O corpo de Voq foi remodelado para parecer com o de Tyler, enquanto que a psiquê de Tyler e seu DNA foram fundidos naquele corpo para que ele passasse despercebido. É uma loucura do caralho, mas é isso aí ao que parece.
Depois de sofrer uma chantagem psicológica e não aguentar ver o tormento daquele corpo/alma/mente que ela amava, L’Rell afirma que o procedimento pode ser revertido, mas que tem que ser feito pelas mãos dela. Ela, então, em uma cirurgia a laser que dura 36 segundos, desfaz completamente um procedimento que parece complicado demais para ser explicado, retirando, aparentemente, a psiquê de Voq do corpo de Tyler. E isso tudo enquanto o tal laser pegava em todo canto da cabeça dele, já que nem para travarem a cabeça no lugar esse povo da Federação serve. Se o lamento de L’Rell ao final pode ser confiado, agora temos Tyler habitando um corpo que não é seu, embora pareça ser.
Voltando ao palácio imperial, um capitão genérico, boladaço por causa da honra de sua irmão, quer que Lorca admita que fez alguma com a sua irmão (o que fez A sua irmã), usando para tanto a ameaça de uma bactéria que “não se dá bem com o nosso dna”. Um insurgente leal a Lorca é trazido e ele, diante da ameaça de morte do sujeito, fica impávido, dando a entender que sequer sabia do que estava sendo falado.
Temos então a morte mais gráfica, brutal e violenta de absolutamente toda a franquia, com um sujeito ardendo em dor agonizante e explodindo como uma bolsa de sangue ao final, tudo sem que Lorca esboce qualquer reação para ajudá-lo.
Ao mesmo tempo, Burnham pede à imperatriz que Lorca seja solto, já que aquele Lorca não seria o que a teria traído, usando como forma de barganha somente o amor que Georgiou teria tido pela Michael-espelho. Ela ainda pede que lhe seja dado total acesso ao relatório da Defiant, ao que Phillipa informa que a tripulação da Defiant ficou maluca e mataram uns aos outros depois daquilo que chamaram de viagem interfásica. Ela obriga Burnham a confessar que a Discovery usa o motor-cogumelo e consegue a promessa de Burnham que a tecnologia será entregue ao império em troca de ajuda para voltar para o universo original.
É aqui, em uma cena que vai e volta entre Burnham conversando com a imperatriz e Lorca se resolvendo com o capitão genérico, que mais uma teoria de fãs se revela verdadeira. Depois do pessoal acertar com o Universo-Espelho e com o Voq no corpo de Tyler, agora descobrimos que, sim, o nosso Lorca é o Lorca do Universo-Espelho, o que provavelmente quer dizer que o Lorca-original morreu junto com a Buran.
Ao conversar com a imperatriz e ver que ela tem fotossensibilidade como Lorca, Burnham começa a colocar os pingos nos “i”s em sua cabeça, enquanto que a edição do episódio nos joga de volta à cela onde Lorca agoniza. Lembremos aqui que logo no começo do episódio, Burnham sintetiza uma droga e a injeta em Lorca, de modo que ele possa melhor resistir ao agonizador. Valendo-se disso e do medo do tal capitão de matá-lo e sofrer as consequências nas mãos da imperatriz, ele se finge de morto e domina o malandro com facilidade, somente para ao final deixar bem claro que sabia sim o nome da irmã do cara, que lambeu os beiços com a pela, mas que a largou de mão quando apareceu coisa melhor.
Ao mesmo tempo Burnham finalmente entende que Lorca usou todo mundo para finalmente entrar no palácio imperial e ter sua chance para matar a imperatriz. Tudo, portanto, não passava de um plano dela para voltar ao seu universo e usurpar o trono de Georgiou, embora ainda não saibamos se ele quer fazê-lo para se tornar um novo déspota ou se para acabar com a tirania daquele universo. Essa última possibilidade me parece improvável.
Recapitulando, temos aqui um plano que envolve um sujeito escapando para um universo paralelo, assumindo o papel de um capitão que teria sobrevivido sozinho à destruição de sua nave nas mãos dos Klingons e manipulando tudo e todos para conseguir novamente ser capitão de uma nave (o que me parece improvável quando ele, capitão da nave, teria sido o único sobrevivente dela). Esta nave teria obrigatoriamente que ser a Discovery (ou então aquela outra que também tem a dobra champignon e que é destruída no 3º episódio) por causa do seu acesso à rede micelial. Ele então teria que em algum momento fazer com que a Discovery desse 133 saltos para conseguir mapear a volta ao seu Universo-Espelho e manipular todos para conseguir isso.
Por fim, chegando ao seu universo original, ele tinha que contar com um milhão de variáveis para que, finalmente, ele conseguisse ser transportado à nave da imperatriz. E isto sem contar que tanto a imperatriz quanto a própria tripulação da Shenzhou e da ISS Charon poderiam tê-lo matado a qualquer momento, o que quase aconteceu, inclusive.
Se ao ler isso você fica com a sensação de que tudo parece muito rocambolesco e improvável, é justamente por que é. E muito! Mas, de alguma forma, é exatamente isso que aconteceu e tudo parece fazer algum sentido. Espero que os roteiristas amarrem muito bem isso e por enquanto mantenho minha suspensão de descrença, concedendo-lhes, magnânimo que sou, o benefício da dúvida.
A cada episódio a série dá provas de ser um excelente thriller de ficção científica e ação, mas que, sim, está muito longe de carregar em sua essência o que é ser uma série da franquia Star Trek. Os fãs mais xiitas têm total razão ao reclamar do formato serializado porque é justamente isso e as necessidades de roteiro que este formato exige que impedem que a série seja, fundamentalmente, Star Trek. Em compensação, usando a ficção científica como pano de fundo e a mitologia Star Trek para conferir uma belíssima roupagem a tudo que se apresenta, temos em nossas mãos um excelente thriller de ação/aventura espacial, com uma identidade visual e gênero que talvez nunca tenham sido explorados com o nível de competência e esmero.
Em comum com as demais séries da franquia, Discovery tem bons atores e bons argumentos. E só. Em sua essência, é uma série diferente, melhor em vários aspectos técnicos (como no design de produção e na ação) e pior em outros (roteiro em especial), mas, ainda assim, uma série bem competente no que se propõe a fazer e que, devido ao seu formato, é obrigada a criar reviravoltas e ciffhangers a todo momento.tar tre
Em se conseguindo passar por cima do purismo e do desvirtuamento da alma do que é Star Trek (o que realmente ocorre) e em se conseguindo olhar para Discovery pelo que ela é e pelo que, episódio após episódio, ela efetivamente se propõe a fazer, a série é muito divertida. Os 3 próximos episódios, que culminarão com o fim da temporada, provavelmente confirmarão isso, com muita ação e outras reviravoltas, ou alguém aí acredita que essa historinha do Tyler/Voq com L’Rell acabou?
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