Crítica: Star Trek: Discovery - O Lobo Interior (The Wolf Inside) (T01E11)

Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.


Com duas mortes que obviamente não se concretizariam e com a Netflix dando uma cabaçada fortíssima ao cortar a surpresa de uma revelação ao final do episódio com o texto da sinopse, tivemos um capítulo irregular, mas cujos pontos altos foram altos o suficiente para manter o bom nível da série.

O prólogo, que leva assustadores 14 minutos até a abertura, começa com uma cena tocante de Stamets (Anthony Rapp), em um corredor mal-iluminado, sendo encontrado pela eletricista que o consertava. Ele segura o corpo sem vida de seu amante, o Dr. Culber (Wilson Cruz), assassinado por Tyler (Shazad Latif) no episódio anterior e, anunciando o que aconteceria em sua cena final desse episódio, murmura que “a floresta é escura, mas eu consigo te ver por entre as árvores.”

Logo depois, somos agraciados com uma das melhores cenas do episódio. Com uma espécie de montagem para demonstrar a passagem do tempo, Michael (Sonequa Martin-Green) narra as dificuldades que vem tendo para fingir crueldade e descobrimos que, desafiando mais uma vez as probabilidades, nesse Universo-Espelho, Saru (Doug Jones) é um escravo que sequer tem direito a ter um nome, sendo o responsável por dar banho na capitã. As esperanças da primeira aparição de um peitinho humano eram altas para essa cena, mas foram em vão. Michael mostra alguma compaixão para  com ele e até mesmo começa a chamá-lo de Saru, criando uma nesga que seja de empatia ali.

Aqui, contudo, uma pergunta se faz necessária. Há quanto tempo essa filha da puta está lá tomando banho quente, fazendo amor gostoso com Tyler e executando traidores usando o teleporte? Lorca (Jason Isaacs) está naquela merda de dar dó dentro do agonizador esse tempo todo? Burnham já conseguiu os dados da Defiant, mas alega não ter como transferi-los à Discovery e tampouco ter alguma forma de decodificá-los ela mesmo. E, pior, a solução dada ao final do episódio, apesar de engenhosa e bem amarrada dentro do roteiro, poderia ter sido usada muito antes usando-se uma caixa e o teleporte. Continuemos…

Ao falar com Saru pelo comunicador, Michael mente ao dizer que não encontrou nenhum outro Kelpien, a espécie de Saru, enquanto que Saru omite o assassinato do Dr. Culber. Aqui descobrimos que as suspeitas pelo homicídio recaem exclusivamente em Stamets, o que também me parece bem forçado, já que não quero admitir que as naves da Frota Estelar, mesmo com todos os seus aparatos de segurança, não têm uma câmera, sensor ou qualquer coisa que o valha que registrasse quem estava no aposento naquele momento ou até mesmo o próprio assassinato, em especial ao se tratar de um paciente em contenção e que inspirava cuidados especiais.

Michael então recebe uma missão diretamente do imperador (e, diante da já mencionada cabaçada da Netflix, tenho até dificuldade em continuar usando essa flexão de gênero) de obliterar uma base rebelde na qual a inteligência diz estar o líder da rebelião, o Lobo de Fogo. Ela dá um esculacho em sua imediata que já ia antecipando seus movimentos e inventa que, antes de destruírem a porra toda, ela vai descer e se infiltrar na base para extrair informações.

Imediatamente, ela corre para contar tudo para Lorca, que está claramente todo fodido pelo sei lá quanto tempo que ele está ali sofrendo dor indescritível enquanto Michael fica no bem bom. Michael aqui demonstra uma estreiteza em sua mente incompatível com a personagem, já que ela conta a Lorca – que aceita o plano ainda mais inacreditavelmente – que pretende descer ao planeta para falar com o líder da rebelião, um Klingon, justamente para aprender como que os Klingon estão se aliando à outras raças e indo de encontro aos seus princípios. Ora, Michael, é bem óbvio, não?

Paralelamente a tudo isso, Tilly e Saru discutem a saúde de Stamets (Mary Wiseman), com esta última teorizando que o cérebro de Stamets se tornou uma espécie de portal inter-universos e que ele precisa se tornar um com a rede micelial novamente para voltar ao seu normal.

Depois dos dois falarem uma quantidade assombrosa do que se convencionou chamar technobabble, que é basicamente aquele monte de baboseira pseudo-científica que os roteiristas das obras de ficção científica adoram colocar para dar um aparente ar de que eles sabem do que estão falando, eles põem em prática a ideia de Tilly.

Voltando à Shenzhou, Michael e Tyler descem sozinhos para o tal planeta da base rebelde e são recepcionados por atiradores que devem ter ido à mesma escola de tiro que os stormtroopers de Star Wars. Embora tenham alvos estáticos e usem armas que podem explodir a pessoa mesmo que se erre por alguns metros, vários tiros são dados e nem um arranhão é sofrido pelos dois.

Mais uma vez de forma inacreditável, os atiradores aceitam a rendição dos oficiais do Império Terrano, responsável pelo genocídio e escravização de suas raças e, não só isso, eles o levam perante seu líder, o Lobo de Fogo.

Sabedores de todas as “coincidências” deste Universo-Espelho com o original, todo mundo sabia que o tal do líder Klingon só poderia ser T’Kuvma ou Voq (Javid Iqbal), apesar de ser novamente difícil de acreditar que um Klingon albino como Voq seria alçado à liderança de qualquer coisa.

Michael se encontra com Voq que, muito embora faça parte da uma raça guerreira e sanguinária, não a mata imediatamente. Ele chama então o portador do primeiro cavanhaque desta nova versão do Universo-Espelho, Sarek (James Frain), conhecido como o Profeta, para que ele, usando a técnica vulcana da fusão mental. Ao fazê-lo, Sarek vê o passado de Michael e percebe que ela as intenções dela são sinceras e pacíficas.

Quanto a essa fusão mental, mais uma incoerência fica ali escancarada. No universo primordial, Michael só entrou para a Frota Estelar porque ela era filha adotiva de Sarek, um embaixador Vulcano na Federação, após ser rejeitada pela força expedicionária vulcana. É-me muito incômodo ficar imaginando que, mesmo com um histórico de vida COMPLETAMENTE diferente, Michael teria seguido a carreira militar e se tornado capitã da mesma nave que tripulava no universo original.

A lição que fica é que essas histórias de universo paralelo não funcionam muito bem estritamente em um ambiente de ficção científica hard, uma vez que elas tomam liberdades demais com preceitos fundamentalmente científicos. Quando se trata de uma premissa como a do Universo-Espelho de Star Trek, onde as versões paralelas,  mesmo em um universo de circunstâncias totalmente opostas, são idênticas salvo à crueldade e agressividade, a coisa toda toma aspectos muito mais de fantasia do que de ficção científica. Contudo, uma vez superado isto e ajustada a suspensão de descrença para este tipo de história, é possível abraçar o conceito e tirar alguma coisa da obra.

Terminado esse meu interlúdio de velho chato e reclamão, voltemos ao episódio.

Michael e Voq chegam a um acordo e ela, recebendo informações importantes mais inócuas da rebelião, dá aos rebeldes algumas horas para evacuar o local antes de destruir a porra toda. Logo depois disso, ela faz a pergunta com a resposta mais óbvia já feita em Star Trek. Ao perguntar a Voq o porquê dos Klingons terem se juntado às outras raças para combater os humanos, Michael pretende encontrar alguma resposta que a permita fazer com que os Klingons se aliem à Federação. A resposta de Voq é simples e evidente. O inimigo do meu inimigo é meu amigo. Eles matam e escravizam todos que não são humanos, então é de uma clareza indecente que as raças remanescentes vão se juntar.

Ao ouvir Voq falando, Tyler, que já estava suando frio antes, surta e, falando Klingon perfeito, começa a atacar Voq para desespero de Burnham. Voq vence a luta e, ao se preparar para matar Tyler, é interrompido por Michael e Sarek, que reafirma as intenções boas de Michael, mas, convenientemente para o roteiro, não se dispõe a usar a mesma técnica usada em Michael em Tyler para entender ali o que estava acontecendo.

Tilly e Sary começam o procedimento teorizado por ela. Quando a coisa começa dando certo, a cadete coloca suas manguinhas de fora e demonstra que sua ambição de ser um dia capitã não esmoreceu em nada. Ao ser elogiada por Saru, único ser capaz de realmente entender o que ela está dizendo e fazendo, ela pede para ser recomendada para o comando, ao que Saru aquiesce. Contudo, a coisa toda dá errado e Stamets morre (ou não), sepultando, aos olhos dela, sua chances de se alçar ao comando.

E aqui temos o ponto alto deste episódio e talvez da série, a cena que faz com que este episódio valha a pena, mesmo diante de todas as suas inconsistências.

Michael chama Tyler na chincha em seus aposentos para perguntar exatamente que porra teria sido aquela que o fez atacar Voq. Finalmente, temos a certeza mais do que anunciada de que Tyler é, na realidade, Voq. Burnham, inicialmente incrédula, atribui aquilo tudo ao trauma por ter sido usado como boy toy bestial de L’Rell (Mary Chieffo) por tanto tempo, até que Tyler/Voq começa a narrar os eventos do 2º episódio, de quando Michael subjugou Voq e matou seu messias, T’Kuvma. Mesmo percebendo estar ali diante de uma ameça iminente, Michael percebe que perdeu ali seu lastro com a realidade e com a pessoa que realmente é, ficando totalmente atordoada com a situação. 

Isto a impossibilita de tomar qualquer atitude que impeça Tyler/Voq de atacá-la. A poucos segundos de sufocá-la, o escravo Saru, de forma um tanto quanto previsível, entra no quarto e a salva, coisa que ele provavelmente não teria feito se Michael não lhe tivesse demonstrado compaixão e afeto em algum momento.

A execução por teleporte ao vácuo do espaço é a única pena para Tyler. Michael faz questão de ser a pessoa a apertar o botão para a morte de Tyler, mas, fazendo sei lá o quê no console do teleporte com dois cliques e sem que ninguém tenha visto ali ou tenha rastreado depois (ai ai), ela teleporta Tyler justamente para um raio onde a Discovery pudesse teleportá-lo para dentro. A jogada de mestre de Michael foi colocar o pendrive com as informações da Defiant no bolso de Tyler, finalmente conseguindo passá-las à Discovery. Porque caralhos ela não faz algo parecido antes usando uma caixa de sapatos ou qualquer coisa assim ninguém sabe?

Tyler, portanto, não morreu. E Stamets tampouco! Enquanto Tilly observa o corpo sem vida e sem qualquer sinal no monitor cardíaco de Stamets, ele repentinamente tem uns tremeliques. A câmera corre para dentro dele e ele está lá, dentro daquela florestinha de esporos, onde ele encontra a sua versão do Universo-Espelho que, aparentemente, estava esperando por ele “por entre as árvores”. Vamos ver no que esse arco aqui vai dar…

Voltando a Shenzhou e ainda sem ter dado tempo de se fazer a evacuação total do planeta dos rebeldes, uma outra nave chega ao local e lambe o planeta todo de bomba, potencialmente dizimando totalmente toda a rebelião. É aqui, então, que a cabaçada da Netflix prejudica o espectador, pois, ao dizer que “Michael desafia a Imperatriz” (vide abaixo), fica bem claro que só poderia ser uma pessoa: A capitã da Shenzhou, Phillipa Georgiou (Michelle Yeoh).

A imperatriz, usando uma roupitcha bem transada e segurando uma espada belíssima de forma bem ameaçadora, passa um pito fodido em Michael por não ter seguido suas ordens e manda que ela se curve, ao que Lorca dá um sorrisinho misterioso. Será que há ainda algum caroço nesse angu?

Em um episódio com várias inconsistências de roteiro, foram as revelações e reviravoltas, aliadas à consistentemente bela identidade visual desse Universo-Espelho, que fizeram com que ele valesse a pena.

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