Crítica: Star Trek: Discovery - O Passado é Prólogo (What's Past is Prologue) (T01E13)

Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.


Depois da quase epifania da semana passada, na qual eu finalmente me dei conta que esta não é uma série de Star Trek tradicional (mas, sim, uma série de ação e aventura com um pano de fundo de Star Trek), eu me senti bem confortável ao assistir o capítulo de hoje que, ao mesmo tempo que confirma isso, também dá mais do que uma mera homenageada em toda a mitologia e essência de Star Trek.

Confortável com isso e ajustada a expectativa, é com muita tranquilidade que eu digo: PUTA QUE ME O PARIU, QUE EPISÓDIO!

Entendendo que se trata de uma obra focada na aventura e na ação, este 13º episódio esteve perto da perfeição, ainda que, como é a praxe no gênero, ele tenha exigido ainda mais suspensão de descrença do que nos anteriores.

Começamos com Lorca (Jason Isaacs, visivelmente gripado quando gravou esse episódio) libertando seus insurgentes, dentre os quais está a Comandante Landry (Rekha Sharma), cuja contraparte morreu de forma ignara e idiota nas mãos do tardígrado no 4º episódio. Aqui descobrimos que ele está gestando este plano há 1 ano e 212 dias e logo depois, quando Lorca consegue encontrar o Stamets (Anthony Rapp) tentando se esconder em seu laboratório, também passamos a saber quais foram as circunstâncias do transporte de Lorca para o universo original.

Stamets fazia parte da rebelião de Lorca, mas, sendo o covardão clássico que é, acabou por trai-lo e entregá-lo à imperatriz. Essa traição quase que dizimou a rebelião e foi por consequência dela que Lorca sofreu um acidente usando o teleporte no meio de uma tempestade de íons. Segundo nos explica muito didaticamente Stamets, a tempestade de íons deve ter transportado Lorca para o outro universo. Fica, contudo, a pergunta: transportado para onde exatamente? Para o espaço sideral? E, mais, ainda fica a dúvida de como Lorca conseguiu se vender como um sobrevivente da Buran. Será que ele se teleportou magicamente exatamente para a Buran quando da batalha em que ela foi destruída? Perguntas que provavelmente ficarão sem respostas.

Dando mais uma mostra de ser realmente um vilãozão daqueles de dar gosto, Lorca usa uma arma química desenvolvido por Stamets para matar muita gente e de forma horrível, em mais uma morte extremamente gráfica para os padrões da franquia.

Na sala do trono, Michael (Sonequa Martin-Green) tenta dar uma lição na imperatriz Georgiou (Michelle Yeoh) sobre o quanto Lorca é manipulador, como se ela não soubesse exatamente como era a personalidade do cara que era seu braço direito por anos, seduziu sua “filha” irremediavelmente e ainda a traiu. Michael é enviada à detenção, mas escapa numa daquelas cenas que são clichês de filmes de ação e que meio que gritam “Idiota!!!” para o espectador, já que Michael está cercada por algumas dezenas de guardas com armas apontadas para ela, mas, mesmo assim, consegue incapacitar dois deles e fugir sem que antes um deles atirasse nela. E isso tudo dura uns 5 segundos, tempo mais do que suficiente para se tomar um teco (o que está ilustrado no screenshot abaixo).

Olha os dois maulcos ali assistindo como se nada de mais acontecesse.

Na Discovery, temos um belíssimo salve aos rudimentos do que é Star Trek ao vermos Saru fazendo o primeiro “Captain’s Log” desse seriado. Antes disso, se não me falha a memória, só o Mudd tinha feito e, francamente, foi num episódio esquecível e desnecessário demais para ser lembrado. E talvez tenha sido uma homenagem dos próprios roteiristas a este personagem fascinante que é Saru, o único do elenco principal que teria lugar na ponte de comando de qualquer uma das instâncias de Star Trek.

Enfim, Stamets original e Airiam (Sara Mitich), aquele robô que não tinha falado porra nenhuma até então e é espetacularmente lindo (vide abaixo), descobrem que a ISS Charon tem uma assinatura micelial de energia naquela bola gigante que fica no meio dela. É isso que está infectando a rede micelial e que pode significar o fim da vida ao longo de todo o multiverso. Se alguém já fez uma analogia mais exagerada para os horrores do avanço tecnológico desmedido e do aquecimento global eu nunca vi. Uma só nave é capaz de destruir todo o universo. Ok então…

Voltando à Charon, temos a comprovação, sem sombra de dúvida, que Lorca é mau igual ao pica-pau mesmo. Seu golpe não é dado para salvar o povo oprimido e proibir o consumo de Kelpiens. Ele quer usurpar o trono de Georgiou porque ele a considera muito relaxada com as raças alienígenas e que isso ameaça o estilo de vida terrano. Ele é, portanto, o T’Kuvma humano e é nesse discursinho de 30 segundos que vemos aquela pincelada bem forte do que é Star Trek, pois Lorca reflete aqui a insidiosidade e a arbitrariedade do pensamento xenófobo e protecionista que tem cada vez mais se alastrado pelo planeta. É ao refletir temas em voga na realidade e apresentar questões sobre eles que Star Trek (e toda a ficção científica) brilha, ainda que, no caso de Discovery, o brilho seja breve e sirva só para dar a desculpa de uma cena sanguinolenta de tiroteio que vem logo a seguir.

O tal discurso é transmitido para toda a Charon e Georgiou, caindo na arapuca da qual Michael havia lhe avisado, vai atrás. Os dois então se encontram em um corredor e aqui temos um tiroteio que mostra aos Stormtroopers de Guerra nas Estrelas como é que se atira em um corredor. Várias pessoas morrem alvejadas por disparos dos fuzis desintegradores da trupe de Lorca, que, com a ajuda de Landry, ainda dá uma lacrada forte ao destruir duas torretas automáticas.

No final disso, a imperatriz é a única de suas forças que resta. Em uma cena que inadvertidamente se torna hilária, Georgiou, interpretada por uma asiática, grita “TRANSPORTE DE EMERGÊNCIA”, tal qual aquela menina rosa dos Changemen ao usar seu poder especial, e é teleportada dali. Isso, além de engraçadíssimo, também torna obrigatória a pergunta: Se ela podia fazer isso, porque não mandar transportar toda a galera do Lorca para o espaço e assim resolver todo o seu problema?

Burnham contata a Discovery e conta tudo sobre o Lorca. O pessoal aceita toda aquela história fantástica com uma facilidade alarmante. Stamets tenta ajudar o telespectador ao explicar que o capitão deve ter usado aqueles 133 saltos ao redor da nave Klingon para fazer seus cálculos e trocou as coordenadas na cadeira dele quando tiveram que fazer o último salto. Mas, eu pergunto, se as coordenadas têm de estar na cabeça de Stamets, que é, afinal de contas, o navegador da rede micelial, como é que o capitão poderia mudá-las de sua cadeira?

E, por falar em Lorca, lá está ele na sala do trono ameaçando matar Stamets como se fosse um vilão de James Bond ao abrir um alçapão e jogá-lo pra dentro da bola de energia. Felizmente, ele continua sendo o mesmo personagem pragmático de sempre e manda desintegrar o sujeito com um tiro mesmo. Lorca usa uma transmissão por toda a nave para falar com Michael, tentando seduzi-la para o seu lado e dando a ela uma chance de tomar o lugar da Michael-Espelho, que, além de seu braço direito, era também sua amante.  Aqui ele ainda dá uma escrotizada na falecida ao dizer que a Michael que ainda está viva é muito melhor do que a que já morreu. Esse é aquele tipo de cara cujo perfil no Tinder tem tudo que você, mulher, quer ler, mas é um cara que vai te deixar no motel com a conta para pagar.

Essa oferta de Lorca vai ser fundamental para o plano de Michael. Ela se encontra com Georgiou, passa uma conversinha de que ela está tão puta quanto a imperatriz e isso inacreditavelmente cola! Lorca não tirou nada de Michael, só a levou para outro universo. Comparado a ter tirado sua filha e seu império da pessoa, eu diria que é fichinha. Mesmo assim, as duas concordam no plano de baixar o campo de contenção do orbe, de modo a permitir o ataque da Discovery e a destruição da Charon.

De volta à Discovery, Stamets avisa a todos que o ataque à Charon vai prescindir de todo o estoque de esporos que eles têm, de modo que será impossível voltar para casa. Tilly (Mary Wiseman) ainda torce mais a faca ao dizer que a Discovery não vai suportar a onda da explosão e que todos vão morrer. Saru, mais uma vez demonstrando que tem lugar em qualquer ponte de comando de qualquer uma das Enterprises, faz um discurso comovente e motivacional. Algumas cenas após, contudo, Tilly, tendo incrivelmente conseguido tempo de lavar o cabelo e abandonado a chapinha no meio de uma crise com potencial de ser uma hecatombe multiversal, descobre que eles talvez consigam usar a onda de esporos causada pela explosão do orbe de energia para energizar o motor de esporos e ir de volta ao universo deles.

Na Charon, Michael vai ao encontro de Lorca na sala do trono, único lugar de onde é possível baixar a contenção da bola de energia. Lá chegando, ela propõe se dar a Lorca em troca da Discovery. O capitão, galudo que só ele, resolve aceitar, mas, desconfio, logo se arrepende depois que Burnham diz que dessa vez é só na amizade, efetivamente colocando na friendzone um tirano maluco do caralho.

A Discovery chega e aqui temos os 12 minutos mais espetaculares da série até agora. Lorca conversa com a tripulação da Discovery e reafirma seu aparentemente genuíno orgulho de ter servido com eles e tê-los treinado. Saru, fiel que é aos princípios da Federação e quase não conseguindo manter a compostura diante do sujeito que o traiu, o corta, querendo apenas a confirmação de que Michael vai ficar lá com ele mesmo, Michael só falta dar uma piscada para a tela para deixar bem claro onde ela está e onde a Discovery deve atacar.

Depois de um bem colocado disparo de phaser da Discovery, Georgiou e Michael se aproveitam da confusão para deitar na porrada todo mundo que está por lá. Mais uma vez, a série apresenta uma sequência de ação muito bem feita e quase que inédita na televisão, rivalizando e até mesmo passando o que foi feito nos últimos filmes de Star Trek, com direito a tiro de phase na cara à queima-roupa. Depois de Michelle Yeoh relembrar seus tempos de Hong Kong ao dar um bicudão na cara de Lorca enquanto estava de costas, Michael finalmente rende o capitão.

Ela passa uma lição de moral, explicando que a Frota Estelar o teria ajudado a voltar para casa se ele tivesse pedido e está disposta a poupá-lo. Phillipa não quer saber de nada disso e enfia aquela espadona maneira dela pelas costas de Lorca, empurrando depois em direção ao alçapão James Bond. Lorca cai e morre gloriosamente, sendo desintegrado pela energia micelial. Nos filmes, em especial os de fantasia e ficção científica, isso provavelmente quer dizer que ele está vivo e que vai reaparecer em algum momento, mesmo que ele agora tenha um buraco menstruante no meio do peito.

Elas abaixam a contenção e a Discovery se prepara para o ataque. Georgiou se sacrifica por Michael, dizendo que ela não tem mais porque continuar ali, já que o império dela está perdido e sua situação é insustentável, então ela vai segurar os homens de Lorca para dar tempo a Michael de fugir muito embora um teleporte seja instantâneo. Tudo me pareceu uma motivação meio merda, mas, de todo modo, no último momento, Michael agarra Georgiou e as duas são transportadas à Discovery, ao que Georgiou fica putaça.

Tudo dá certo, temos mais uma homenagem à série original com os efeitos sonoros originais do disparo dos torpedos de fótons e eles conseguem voltar para casa. Stamets só consegue navegar porque seu amor por seu falecido amante o guia e eles chegam de volta ao universo original. E aí temos mais uma reviravolta, perfeitamente traduzida na expressão do fantástico Doug Jones como Saru, que, mesmo debaixo daquela máscara de maquiagem, consegue competentemente demonstrar a estupefação condizente com quem voltou ao seu universo original, mas 9 meses em um futuro no qual os Klingons ganharam a guerra.

Ufa!

Sem os dados sobre como anular o manto de camuflagem Klingon e sem o poder da dobra cogumelo, a Frota Estelar deve ter sido presa fácil para os Klingons. E isso também explica, por ora, o porquê do uso dos esporos como fonte de combustível não ocorrer no futuro daquele universo.

Faltando apenas mais dois episódios, a série se assume escancaradamente como o que é com tiro, porrada e bomba, além de reviravolta atrás de reviravolta. Felizmente, ainda presta tributos à essência de Star Trek aqui e ali. Os roteiristas, ainda que continuem pecando muito nas motivações e na falta de explicações de coisas bem implausíveis, parecem estar encaminhando a história para amarrar suas pontas, com dois episódios finais que prometem ser espetaculares e nos quais a dobradinha Voq/Tyler (Shazad Latif), que sequer apareceu nesse episódio, deve ser muito importante.

Uma última pergunta: o que diabos é aquele esporinho verde que pousa no ombro de Tilly e depois some? Será Lorca?

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