Garimpo Especial: 10 Filmes Que Passaram Despercebidos em 2017

Todo ano, em meio a blockbusters absurdos como Transformers, Velozes e Furiosos ou Star Wars, algumas pequenas jóias são lançadas. Num mercado saturado com homens vestindo cueca por cima da calça, robôs gigantes alienígenas e carecas chutadores de bundas, o público em geral deixa passar despercebido um sem número de obras que, muitas vezes, sequer são aquelas popularmente chamadas de metidas à besta. Como acontece com uma parcela significativa dos filmes aqui indicados, eles são até bem convencionais, de gêneros bem populares como terror ou ação, mas, às vezes inexplicavelmente e às vezes por falta de boa vontade dos distribuidores e exibidores, não recebem a atenção merecida.

Para tentar fazer justiça a estes filmes, vamos apresentar hoje aqui 12 excelentes obras que, ainda que suas qualidades sejam inegáveis, passaram zunindo por cima da cabeça de quase todo mundo no Brasil.

Quase nenhuma bunda chutada e nenhum careca em cena.

Para tanto, estamos aqui desconsiderando obras que já tenham sido citadas nas nossas listas de Os Filmes Mais Bem Avaliados de 2017 do MetaFictions e no Top 10 – Melhores Filmes de 2017, bem como deixaremos de fora “Ao Cair da Noite” (resenhado aqui), um título excelente e que também passou meio despercebido, mas que é uma espécie de xodó aqui do MetaFictions, já que foi citado no texto de introdução do Top 10 mencionado acima e também, por já ter estreado na Netflix, esteve em no nosso Garimpo Netflix: Halloween.

Além dele, outros filmes magníficos não estão nessa lista, mas merecem a sua atenção. Filmes como Lady Macbeth e A Criada, ambos eleitos no Top 10, e Frantz, Paterson e Sobre Viagens e Amores, todos recipientes das 5 claquetes, a mais alta nota dada pelo MetaFictions, e, portanto, constantes do artigo Os Filmes Mais Bem Avaliados de 2017 do MetaFictions.

Sem robôs transformistas ou sodomizações de franquias amadas por todos.

Assim começamos a nossa lista, já brindando vocês com 6 filmes para serem assistidos antes mesmo de começarmos a lista. Aos leitores do MetaFictions, tudo! A lista segue abaixo. Ficamos aqui no aguardo dos comentários de vocês sobre quais outros filmes excelentes teriam passado despercebidos do grande público e não ilustram a lista.

O Acampamento (Killing Ground), lançado em 31 de agosto de 2017, dirigido por Damien Power

https://youtu.be/LqafmeraiWU

Eu fui ver este filme em uma cabine de imprensa, que é uma exibição do título para a imprensa algum tempo antes da estréia de modo que se possa fazer uma resenha a tempo. Éramos eu e mais 3 pessoas na sessão. Depois disso, o filme estreou em uma mísera sala no Rio de Janeiro, passando em apenas dois horários. E, puta que me o pariu, que desperdício!! Trata-se de um thriller realmente muito bom, contando com uma assustadora performance do também desconhecido Aaron edersen, como o mestiço (carregando aqui todo o estigma que isso tem na Áustralia, país de origem da película) German. O diretor e roteirista Power demonstra que não é necessário grandes invencionices para se fazer uma história aterradora, valendo-se de temperos fortemente reais e jogando até um quê de crítica social ao status quo australiano aí, demonstrando, ao final, que o mais letal que há na natureza continua sendo o bom e velho ser humano.
Por Gustavo David.
Crítica na íntegra aqui.


Z: A Cidade Perdida (The Lost City of Z), lançado em 1º de junho de 2017, dirigido por James Gray

“Gostaria de deixar registrada aqui a minha admiração pela a belíssima atuação de Robert Pattinson, o vampiro purpurina da nova geração. Talvez a melhor atuação coadjuvante que vi no ano. Mas igualmente proporcional foi a minha decepção com a atuação de Tom Holland, nosso novo Homem-Aranha. Seus breves momentos em tela foram completamente esquecíveis. Embora o filme tenha certa precisão histórica e geográfica, ele não escapa ileso. Alguns estereótipos brasileiros são reforçados, assim como alguns mitos que possuem base em poucos exemplos conhecidos e sem contar os erros de localização de algumas expedições. Tudo isso não tira o brilho do filme, que consegue desenvolver uma história cativante sobre a obsessão de um homem em detrimento de suas obrigações e obstáculos de inúmeros graus.”

Por Ryan Fields em crítica publicada em 2 de junho de 2017

Corpo e Alma (Teströl és lélekröl), lançado em 21 de dezembro de 2017, dirigido por Ildikó Enyedi

“O roteiro do diretor, apesar de esbarrar em alguns clichês na abordagem das condições psíquicas, ganha toda a força na interpretação da dupla de protagonistas. A escolha dos atores foi acertadíssima, construindo em cena uma simbiose que reforça a ideia principal da narrativa: o corpo e a alma. Morcsányi constrói a solidão do gerente com uma crueza que se corporifica em cada gesto (contido) da personagem. Já Borbély aposta em uma interpretação quase glacial de sua Mária, trazendo para a tela momentos em que a naturalidade stalisnaviskiana é abandonada e substituída por uma teatralidade de gestos quase coreográficos. Uma atuação de encher os olhos e de causar um ‘incômodo bom’. Corpo e Alma é uma agradável e forte surpresa nesse final de 2017. É um filme cheio dos dois substantivos que formam o seu título. Além da língua, é bom que o Diabo passe a dar uma olhadinha na cinematografia húngara também.”

Por Marco Medeiros em crítica publicada em 22 de dezembro de 2017


Afterimage (Powidoki), lançado em 17 de agosto de 2017, dirigido por Andrzej Wajda

Afterimage é um trabalho maduro, sóbrio, a conclusão de uma carreira e, acima de tudo, relato de quem lutou contra as muralhas de impérios ditatórias. Se é impecável na parte técnica, o roteiro não hesita em suas tiragens políticas e sobretudo no papel da arte. É no pintor, que deveria encarnar o espírito da revolução, onde Wajda coloca toda a angústia e ceticismo sobre um regime cuja alma está podre das entranhas até o coração. Na perseguição, no ostracismo, por uma estrutura que fundou, Strzeminski nunca perde sua convicção, arte como imortal forma de oposição, na busca pelo que está por trás da imagem, fachadas e cimentos, o que permeia nossos sonhos sacros e noites de barro. Em seu ataque à arte panfletária, que alimenta a hegemonia cultural seja ela qual for, Wajda molda uma obra soberba que faz pensar em liberdade, nas janelas abertas em meio a solidão.”

Por Thotti Cardoso em crítica publicada em 19 de agosto de 2017

Joaquim, lançado em 20 de abril de 2017, dirigido por Marcelo Gomes

“O que o longa talvez não tenha pretendido fazer, mas acaba por fazê-lo de forma possivelmente inadvertida, é traçar um paralelo evidente entre o Joaquim (esqueça Tiradentes) e nós. Eu e você. Pessoas normais, que almejam coisas normais. Mas que são diariamente lembradas de toda a corrupção e putrefação que as impede sequer de fazer isso. Gente que é jogada uma contra outra e é usada como massa de manobra, seja pela sigla que tem o poder, seja pela outra que o quer. Hoje, como antes, almejamos a liberdade de tudo isso. Ainda que tardia.”

Por Gustavo David em crítica publicada em 20 de abril de 2017


La Vingança, lançado em 16 de março de 2017, dirigido por Fernando Fraiha

La Vingança foi uma grata surpresa. Uma comédia romântica que poderia ter tomado o caminho genérico de tantas outras ou então o caminho Zorra Total de antigamente tão comum às comédias nacionais. Aqui, a direção segura de Fernando Fraiha e a atuação deliciosa de Daniel Furlan, respectivamente o diretor e Renan da Towner Azul Bebê do sensacional Choque de Cultura (e se você gosta de cinema e não conhece o Choque de Cultura, faça-se o enorme favor de conhecer) garantem uma comédia competente, divertida e sem apelações. Nela, Caco (Felipe Rocha) pega sua namorada dando para um argentino daqueles bem escrotos mesmo, de mullet e o caralho, por quem ela o deixa para se mudar para Buenos Aires. Convencido por seu amigo putanheiro Vadão (Daniel Furlán), ele parte numa jornada de vingança que envolve ir de SP a Buenos Aires comendo (ou tentando comer) todas as argentinas que se encontrar pelo caminho, fazendo deste filme basicamente a versão cinematográfica da máxima de Galvão Bueno de que “ganhar é bom, mas ganhar da Argentina, amigo, é muuuuito mais gostoso.”.

Por Gustavo David.
Crítica na íntegra aqui.

Doentes de Amor (The Big Sick), lançado em 19 de outubro de 2017, dirigido por Michael Showalter

“Tomando várias lições das comédias independentes americanas, o elenco coadjuvante é impagável, em especial o núcleo familiar de Kumail. Aproveitando as idiossincrasias paquistanesas que ainda são um tanto esquisitas a nós ocidentais, Doentes de Amor funciona um pouco como a série Master of None (indicada em um Garimpo Netflix passado) nesse quesito. A proposta é lançar um olhar sério e ao mesmo tempo bem humorado sobre as diferenças gritantes entre as culturas, apresentando, ainda, uma crítica muito necessária contra a intolerância e o apego obsessivo às tradições, sendo igualmente duro com a própria cultura “oprimida” e em geral tratada como coitadinha pelo politicamente correto e com o status quovigente já alvo de tantas críticas.”

Por Gustavo David em crítica publicada em 19 de outubro de 2017


Punhos de Sangue (Chuck), lançado em 25 de maio de 2017, dirigido por Philippe Falardeau

https://youtu.be/2Frr2yXMSYM

“Certamente o que mais se destaca nesse filme, além da atuação de Liev Schreiber, é o elenco de apoio. Naomi Watts (Linda) é a barwoman mais segura que já vi nos cinemas, se impondo a todo tipo de situação e clientes. Ron Perlman (Al Braverman), nosso saudoso Hellboy, é o agente e técnico de Chuck. É o velho (sim, ele está velho) e bom malandro do boxe dos anos 70, época que o boxe não era algo tão glamoroso quanto foi nos meados dos anos 80/90. Todas as suas maracutaias para deixar a luta prosseguindo e as próprias lutas que ele conseguia arranjar mostram sua sapiência nessa época “raiz” do boxe. Apesar de um ritmo lento, o filme cumpre o que promete: fazer um retrato do Rocky de carne e osso.”

Por Ryan Fields em crítica publicada em 26 de maio de 2017

Thelma, lançado em 30 de novembro de 2017, dirigido por Joachim Trier

Sequer dizer exatamente o gênero a que pertence o norueguês Thelma é dar um spoiler imediato e desnecessário. Limito-me aqui a dizer que trata-se de uma poderosa (talvez até exageradamente poderosa) alegoria que nos alerta das potenciais consequências devastadoras da repressão, seja ela parental, religiosa ou, expandindo mais o tema central da obra, seja ela de qualquer forma. Eu sou um obcecado por personagens que buscam ser os mais fiéis ao que realmente são quanto possível. E Thelma nada mais é do que um libelo a favor da liberdade do indivíduo de ser tudo aquilo que ele deseja ser, a despeito do que o grupo a que pertença exige que ele seja. Contando com uma direção virtuosa do brilhante Joachim Trier, não é a toa que Thelma é o filme indicado pela Noruega para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Por Gustavo David


A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição (Noces), lançado em 22 de junho de 2017, dirigido por Stephan Streker

https://youtu.be/63dvUjZaH5E

Tem sido muito comum o Cinema, especialmente as produções de países europeus imperialistas, começar a dar voz aos colonizados/subjugados. Na França (talvez mais do que nos outros), a questão muçulmana tem sido visitada repetidas vezes. A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição é mais um desses casos. Stephan Streker realiza uma obra sutil e tocante a partir da história de Zahira, uma garota de 18 anos, de origem muçulmana, mas que vive plenamente inserida na sociedade francesa. O tema da identidade é o foco principal, pois Zahira fala a língua local, sai com seus amigos para atividades puramente ocidentais, mas guarda as crenças e ritos islâmicos. No entanto, a corda bamba na qual dança habilmente começa a chacoalhar quando, apaixonada por um europeu, ela se vê obrigada a encarar um casamento pré-selecionado, de acordo com as tradições de sua origem. Tudo isso tendo que ser administrado juntamente com sua gravidez (evidentemente) não planejada, sendo o aborto uma possibilidade que, mais uma vez, bate de frente com suas crenças. Stephan Streker acerta, desde a escolha das cores predominantes em cena até seu casting, fazendo-nos mergulhar no universo de incertezas daqueles que enfrentam conflitos com identidade e se vêem, usualmente, desenquadrados de acordo com todos os modelos que lhes são impostos.
Por Rene Michel Vettori

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