Os 10 Melhores Especiais de Stand-Up da Netflix de 2017
Em meados da década de 90, o Brasil foi tomado de assalto por uma grande novidade. A TV à cabo. Meu pai, sendo um sujeito que rivaliza comigo em misantropia e vontade de ficar em casa para sempre, aderiu à onda logo de cara e assinou a TVA. Além dos filmes soft porn que passavam na HBO de madrugada e a programação de esportes da ESPN, o canal que eu mais via era o Sony Entertainment Television e suas chamadas ridículas de um americano falando português com sotaque.
Nele, apesar do grande fenômeno ser Friends, eu gostava mesmo era de passar a tarde vendo reprises de Seinfeld. E foi aqui que eu fui apresentado ao stand-up, já que em todo episódio o próprio Jerry Seinfeld apresentava uma piadinha mais ou menos em um clube de comédia. A partir dali tomei gosto pela coisa, baixei vídeos e mais vídeos de monstros como George Carlin, Lenny Bruce, Richard Pryor e Eddie Murphy (esses dois últimos tem dois especiais antológicos, ainda que um tanto datados, disponíveis na própria Netflix).
Meu preferido, contudo, sempre foi Bill Hicks. Na tradição de George Carlin, ele te fazia rir e te perturbava ao mesmo tempo, fazendo com que você questionasse não só a autoridade e as verdades absolutas do mundo, mas a sua própria existência.
A Netflix, indo na tradição da HBO, tem lançado mais ou menos 1 especial de stand-up a cada duas semanas. Tem muita coisa boa, mas também tem uns comediantes que são simplesmente inassistíveis, seja porque é um gordo escroto (como eu), que só deve ter comido alguém depois que ficou famoso (como eu também, só que eu não fiquei famoso), que passa seu especial inteiro falando do quanto ele comia as menininhas no sul dos EUA (Ralphie May), seja porque é uma mulher cuja ideia de comédia é falar 10 vezes por minuto a palavra “pussy” (Amy Schumer), seja porque um deles é o Felipe Neto falando da sua vida. Têm seu valor (menos o Felipe Neto), mas não é para mim.
A seguir eu compilei os 10 melhores especiais de stand-up lançados pela Netflix ano passado de acordo comigo e mais ninguém. Fica também a dica, para aqueles que amam a comédia e as pessoas que a fazem, da série disponível na Netflix “Comedians in Cars Getting Coffee”, produzida, estrelada e dirigida pelo próprio Jerry Seinfeld, na qual ele basicamente dá uma volta de carro com um outro comediante, toma café e fala merda, em geral produzindo maravilhosos insights sobre a comédia e sobre o quanto americano bebe uma porra dum chafé nojento e ralo.
– Hasan Minhaj: The Homecoming King
Falando sobre as dificuldades e maravilhas de ser americano ao mesmo tempo que vive o estigma de imigrante, Hasan Minhaj, comediante que fez seu nome nos EUA como um dos correspondentes do Daily Show do Comedy Central (mesmo lugar de onde saíram nomes como John Oliver, Stephen Colbert e Trevor Noah), faz um especial diferente. Em vez de ficar contando piadas aleatórias, este é um especial sobre ele, sobre sua vida, sobre sua família muçulmana de origem indiana vivendo nos Estados Unidos e, principalmente, sobre o quanto ele era um merda enquanto criança. Tocante, engraçado e limpo.
– Jim Norton: Mouthful of Shame
Usando uma linguagem chula e escatológica, Jim Norton é o tipo de comedianta que passa a maior parte do tempo no palco zuando a si mesmo. Desde seu corpo bizarro até sua (falta de) técnica sexual, Norton é daqueles que acreditam que nada é sagrado, o que é sempre salutar. Ele é bastante conhecido pelos amantes do MMA nos EUA por causa de seu podcast famosíssimo com o ex-campeão Matt Serra. Joe Rogan, aquele cara que faz entrevista no UFC, é, assim como Norton, também um excelente comediante de stand-up e também tem um puta especial na Netflix lançado em 2016.
– Bill Burr: Walk Your Way Out
Um dos mais influentes e aforistas comediantes de stand-up da atualidade, Bill Burr tem também mais um especial na Netflix além desse, chamado “I’m Sorry You Feel That Way”, lançado em 2014 e que é ainda melhor que esse. Ele também é o criador da excelente série animada original da Netflix “F… is For Family”. Burr faz aquele estilo do maluco que tem muita, muita raiva dentro de si e a extravasa na comédia. Com insights absolutamente hilários, Burr é um dos meus comediantes favoritos de hoje em dia e esse seu especial é uma comprovação cabal disso.
Neal Brennan fez seu nome no meio do show businees ao escrever, junto com Dave Chappelle, o “Chappelle Show” no inícios dos anos 2000. Depois disso, ele permaneceu na cena da comédia mais como escritor, roteirista, diretor e produtor de séries e filmes de comédia. Foi só há pouco tempo que ele resolveu tentar o stand-up e, mesmo assim, não o fez da forma tradicional. O especial é chamado 3 Mics porque são 3 microfones no palco. No 1º ele faz um stand-up tradicional, no 2º ele conta piadas prontas lidas de um cartão (as chamadas one liners em inglês) e no 3º ele fala sobre seus problemas com a depressão e sua relação com seu pai. Com tons excelentes de comédia, entremeados por momentos comoventes da vida pessoal dele, 3 Mics é, no mínimo, diferente e merece sua atenção por isso.
Até poucos meses atrás, Louis CK era não só o mais respeitado comediante de stand-up da atualidade, mas também criador, diretor, produtor, roteirista e estrela de “Louie”, uma das séries de comédia mais ovacionadas por público e crítica dos últimos tempos, além de ser dos poucos a serem reconhecidos largamente como um verdadeiro artista. Ele também tinha escrito, dirigido e estrelado um filme que vinha sendo extremamente bem falado para ser lançado. Mas aí, com todo o escândalo de Harvey Weinstein, todos os machos do show business americano estão sendo acusados de assédio. CK é engraçado até nisso, porque ninguém o acusou de estupro ou de qualquer coisa física. Seu assédio consistia basicamente nele, um cara meio gordinho, batendo punheta e pedindo para que as mulheres assistissem ainda quando era só um nome respeitado no meio do stand-up. Simplesmente hilário de tão ridículo. Sua escrotidão não muda o fato de que este é o comediante mais Carlinesco desde o próprio George Carlin, conseguindo fazer com que você ria de piadas de peido e ao mesmo tempo questione o status quo de basicamente tudo. Em seu especial “2017”, temos mais uma prova disso, com CK nos convencendo que o Cristianismo, apesar dos pesares, venceu. Ele ainda tem mais 3 especiais na Netflix, todos excelentes: Hilarious (o melhor), Live at the Beacon Theater e Live at the Comedy Store.
Jerry Seinfeld, por causa da sitcom, é o comediante de stand-up mais reconhecido do mundo. Com a série, ele fez uma fortuna de algumas centenas de milhões de dólares e ficou na maciota. Seinfeld é um amante incomparável da comédia e, por causa disso, ele fez o documentário “Bastidores da Comédia” e, principalmente, a já referida “Comedians In Cars Getting Coffee”, ambas disponíveis na Netflix. Neste especial, que marca a volta dele aos palcos depois de quase duas décadas, Seinfeld se concentra em sua história e no seu amor pela comédia como forma de arte, entremeando tudo com imagens de arquivo e um estilo semi-documentário mostrando sua vida e seu começo na carreira.
– Mike Birbiglia: Thank God For Jokes
Mike Birbiglia, como eu falei no nosso Garimpo Netflix: Especial Dia das Crianças, é uma das mais gratas surpresas que tive nos últimos anos. Isto porque Mike é realmente um ponto fora do curva no mundo do stand-up. Ele não fica lá em cima apontando obviedades, não usa palavrões como muleta e raramente faz piadas sexistas e/ou ofensivas. Em vez disso, ele se fia na sua história de vida que, como a de todos nós, é tragicômica, e conta-nos anedotas do dia a dia, sempre com uma ternura e um talento narrativo realmente incomparáveis neste meio. Em seu segundo especial para a Netflix (o primeiro é das melhores coisas que eu já vi e se chama “My Girlfriend’s Boyfriend”), Mike fala de sua relação com a religião (ou a falta dela) e de como a comédia salvou a sua vida.
– Judah Friedlander: America Is The Greatest Country In The United States
Friedlander experimentou alguma fama com o seu Frank, em 30 Rock, mas seu talento mesmo está no stand-up. Toda a sua encenação está presente em uma persona de palco que jamais ri, muito embora faça comentários como “eu tenho uma faixa preta extra escura em caratê” ou pergunte às pessoas se elas são a favor ou contra o racismo. É um estilo de comédia baseado em um personagem criado por Judah que talvez esteja até mais perto do que nós estamos acostumados aqui no Brasil do que eles estão nos EUA, já que é tudo muito mais calcado em como a piada é contada do que na própria piada. Boa parte da graça não é roteirizada e sua performance depende pesadamente da interação com a plateia, em especial porque ele brinca com verdades absolutas e sentimentos equivocados de patriotismo. E, puta que o pariu, como ele faz isso funcionar bem. Um comediante um tanto diferente dos demais aqui da lista, mas que, talvez até mesmo por isso, também merece a sua atenção.
– Norm Macdonald: Hitler’s Dog, Gossip & Trickery
Uma das muitas crias do Saturday Night Live, Norm Macdonald é daqueles sujeitos em cujo rosto você olha e ri sem muito bem saber o porquê. A cara dele é de quem está sempre debochando de absolutamente tudo e, a se julgar por sua comédia, é exatamente assim que ele é. Nesse especial, ele faz piada com sua família, com seu cachorro e, principalmente, sobre seu medo da Alemanha. Fechando com uma piada sobre Hitler e seu cachorro, Norm é um comediante já veterano, mas cujas piadas continuam tão atuais quanto quando era o responsável pelo weekend update do SNL.
– Dave Chappelle: The Age of Spin, Deep in the Heart of Texas, Equanimidade e The Bird Revelation
Para fechar, a indicação de agora contempla não um, mas 4 especiais de uma hora. Dave Chappelle recebeu uma pilha de dinheiro da Netflix e lançou dois especiais de uma vez em março de 2017 e mais dois no dia 31 de dezembro. Todos, TODOS, são absolutamente hilários e merecem sua atenção, tanto que os primeiros dois já foram indicados num Garimpo Netflix. Chappelle é provavelmente o sujeito com o maior domínio dessa forma de arte hoje em dia. Suas piadas são altamente relevantes e apelam para absolutamente todo mundo, até mesmo aos grupos que ele zoa durante elas. Nestes quatro especiais, ele aborda temas variados como religião, racismo, assédio sexual, os limites (ou falta deles) da comédia e a cria demoníaca de uma asiática com um mexicano. Se você tiver que escolher alguma coisa para assistir dentre tudo que indiquei aqui, pode ir sem medo nos especiais de Dave, sendo o último deles, The Bird Revelation, o mais confessional e sério de todos.
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