Assista!: O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain)


Com a chegada aos cinemas de “Me Chame Pelo Seu Nome“, dirigido por Luca Guadagnino, considerado por muitos como um divisor de águas dentro da cinematografia gay, o Assista! de hoje revisita um dos maiores títulos que desnudaram esta temática. Nas mãos de um dos mais habilidosos cineastas quando o assunto são as relações familiares, O Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee é um filme que teve a capacidade de tocar sensivelmente seu espectador, ainda que este não fosse familiarizado com o universo em questão.

Baseado no livro de Annie Proulx (o qual, literariamente, pareceu-me um tanto quanto pobre, muito embora a história em si já tenha uma força notável), O Segredo de Brokeback Mountain transforma em imagem (com a ajuda de uma fotografia impecável assinada por Rodrigo Prieto) toda a poesia deste conto que narra a relação de dois cowboys que se encontram a trabalho para o pastoreio de algumas ovelhas nas montanhas. Longe da família e passando algum tempo juntos, a natureza e o instinto os aproximam para além do labor. Os desejos proibitivos vão se tornando concretos em uma realidade à parte, como se o que acontecesse nas longínquas terras fizesse parte de um outro universo ao qual ambos não pertenciam. Esses encontros se davam de tempos em tempos, quando cada qual tinha a oportunidade de voltar a ser “normal” (como a sociedade da época esperava: trabalhar, casar e ter filhos).

Ennis Del Mar & Jack Twist.

Na pele de dois personagens desenhados com precisão, a relação vai se intensificando à medida em que as impossibilidades do mundo real vão se fazendo cada vez mais concretas. Ennis Del Mar (em primorosa atuação de Heath Ledger, elogiada ao extremo por Philip Seymour Hoffman, ganhador do Oscar disputado pelos dois naquele ano) é muito mais comedido, carrega a culpa, pois como dizia seu pai “dois homens juntos, jamais!”. Não à toa, apesar de sua natureza pedir, gritar pela presença de seu companheiro, ainda assim ele se casa com Alma (Michelle Williams) e tem filho. Como se fazer o que todo mundo faz pudesse apagar o que ele mais almeja dentro de si.

Do outro lado, Jack Twist (não menos brilhante, por Jake Gyllenhaal), que sente a necessidade de estar com homens, muito embora tenha encontrado o amor de sua vida, também casa com Laureen (pela maravilhosa Anne Hathaway) e tem filho. No entanto, ele não esconde a grande farsa que é aquilo tudo. Muito mais empreendedor e decidido que Ennis, o entusiasmado Jack tenta vislumbrar uma possibilidade para ambos, mas sempre encontrando na defesa moral do parceiro um obstáculo aparentemente intransponível. E assim ficam à mercê dos encontros esporádicos nas montanhas ou em datas combinadas, já que tornaram-se próximos.

Apenas fragmentos de memórias que ficam no tempo.

A sensibilidade de Ang Lee nos coloca de frente para a delicadeza da situação de cada um. Em um momento em que os valores eram pouco flexíveis, ambos são obrigados a esconder ou tentar destruir o que sentem. Ainda que amor, ele também pode ser destrutivo de várias formas. Jack jamais concorda com as fugas de Ennis, mas isso é o que ele é e a impossibilidade permanecerá. “Às vezes, eu sinto tanto a sua falta que eu dificilmente consigo aguentar”, diz Ennis em uma das cenas mais fortes de toda a obra. E esse vazio promovido pela ausência do outro é o que preenche os dias da vida de cada um dos dois cowboys. “Eu gostaria de saber como te esquecer”, brada nervoso o enciumado Jack. Ainda que se posicionem de maneiras opostas, a história é a mesma para ambos e os resultados são semelhantes.

“I wish I knew how to quit you”.

Sem prejuízos e preconceitos, O Segredo de Brokeback Mountain é como um tufão que varre seu emocional, desnudando os medos e os desejos de dois homens que se amaram, mas que, por circunstâncias persistentes, não puderam seguir lado a lado. Na figura de dois personagens que se complementam e não fecham em si julgamentos ou conceitos previamente estabelecidos, a narrativa desenvolvida com maestria por Ang Lee se posiciona como uma obra-prima. Sem qualquer letra, sigla, ou gênero cinematográfico para o etiquetar, o filme é maravilhoso em sua essência.

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