Crítica: Cinquenta Tons de Liberdade (Fifty Shades Freed)
Cinquenta Tons de Liberdade poderia ser um clipe dos anos 2000, daqueles de hip-hop devido à ostentação e pretensão de conquistar gatas. No entanto, trata-se do terceiro capítulo de uma inacreditavelmente bem-sucedida franquia literário-cinematográfica, ansiado por uma legião de fãs que, pasme, existe MESMO. Tirando a parte musical, que conta até com I Feel Good regravada em voz sensual, o filme continua com os mesmíssimos elementos e objetivos do clipe descrito no início. Ou seja, é uma isca descarada que almeja conquistar mulheres de uma faixa etária diferente do público dos thugs. O gozado é que tenho quase que total certeza de que as mulheres de trinta (ainda que eu veja umas na casa dos vinte pagando pau também) devem desprezar o Snoop Dogg e 50 Cent e suas técnicas how-to-get-a-chick – mal sabendo, contudo, que caem em artimanhas parecidíssimas às dos rappers putões.
Sem intenção de fazer juízo de valor sobre o público da produção, ou de arrogantemente me colocar acima, venho analisar e estimular, sim, uma reflexão a partir do filme. Um pensamento de uma mulher que não caiu nessa ladainha supostamente atrativa; o combo grana+dominância+”cavalheirismo” não me compra.
O filme já abre com a cena do casamento de princesa da Disney, seguido por uma luxuosa lua de mel: jatinho, viagem prazoropa, spa incluso, seguranças na cola e tudo que é do mais nababesco. Já tô eu lá torcendo o nariz e pensando que padrões de felicidade e satisfação são esses, assim como que tipo de expectativas as pessoas devem estar criando de relacionamentos ideais por meio disso. Esse filme merece ser analisado num mestrado sobre frustrações das conexões humanas, embasado em Bauman e a fragilidade dos laços mantidos, neste caso, descaradamente pela conta bancária do maluco. Eu quero deixar bem claro que essa relação provavelmente NÃO EXISTIRIA e, se existisse, NÃO DARIA CERTO na vida real. Ufa. Vamos continuar.
Após muita forçação de barra e suspiros de – ainda? – surpresa de Anastasia (Dakota Johnson) diante da quantidade de bala na agulha que o Mr. Grey (Jamie Dornan) tem, seguimos contemplando a vidinha do casal. Muita transa pode resumir. É uma fodelância que, pra ornamentar com todo o filme, é bastante irrealista também. Um tal de ficar molhada em 2 segundos, gemer horrores com uma mexidinha no peitinho, gozar em 2 minutos e, o clássico, encostou-meteu. Desculpem a grosseria, mas um filme desses exige certa afrouxada de modos mesmo. Ou esse sexo aí é uma utopia (não sei nem se devo chamar de tal) ou eu sou o que chamam de feminazi frígidazona e blábláblá. Ah, e um questionamento ligeiro: por que pode mostrar peitinho, pepeca e bundinha da Mrs. Grey e o mocinho a gente só vê sem camisa?!
Como se não fosse suficiente uma história que centra no quão foda um homem é (por que se você acha que é uma história de amor, leitor, não é mesmo), é necessário que o roteiro relegitime isso o tempo inteiro. E dessa vez, além de colocá-lo como macho alfa no trabalho, na vida a dois e no sexo, Christian é posto também como o super herói que tem como missão salvar a vida da esposa perseguida por alguém misterioso. Eu revirei os olhos e não foi nem pouco e nem por prazer, viu. Ao mesmo tempo, esse cara super foda é um babaca de marca maior que tem uma inteligência emocional e maturidade de um menino de 14 anos. Além de ter a virilidade fragilíssima e abalada por pouca merda. Fica putinho e sai batendo porta, não gosta de ser contrariado, dá o troco e quer ter controle sobre tudo – e ai de quem impedir isso!
Isso é motivo o suficiente pra esse maluco NÃO ser um ídolo da mulherada, certo? Errou, miserávi. Ele é bonito e gostoso (dentro dos padrões, néan) e limpa a bunda com dinheiro. Ah, e é fiel. Tão difícil achar um homem assim, né? Ah, então tudo bem o resto. Ele só não quer que eu me vista do jeito que eu quiser. Ou que saia com amigos na hora que eu achar melhor. Ou que eu tenha filhos. Ou que eu tenha colegas de trabalho homem. Ou que eu dirija o carro dele. Ah, ele mesmo disse, tão fofinho: não quer me dividir com ninguém. Nem com um filho. E quer que ele seja o centro do mundo dele. Posso até ficar em casa sem trabalhar que ele prefere.
Gente. Não!!!!!!!!!!! O BDSM é a menor das questões nos hábitos de Mr. Grey. Ele acontece de ser um tremendo de um bronco, disfarçado pelo machismo benevolente – e aqui são justificadas minhas aspas lá no início na palavra cavalheirismo.
Por fim e de maneira muito paradoxal, Cinquenta Tons de Liberdade é desafiador e previsível. Desafia minha integridade mental enquanto mulher por cuspir na minha cara um bando de coisas que desprezo em alguém. Torna-se previsível por apresentar uma história que é um misto de filme de ação com erótico, solucionando tudo com preguiça e pobreza. E se sustenta UNICAMENTE pela existência de um homem. Já tá errado aí. Quem não concordar comigo, inverte tudo aí e me diz se não ia ser ridicularizado um filme em que uma mulher banca um cara, faz ele de cachorrinho, é possessiva, femista, arrogante, tempestuosa e que é conhecida pelas loucuras que faz na cama. Não ia vingar nem por um caralho por ser ridículo mesmo. Mas atribuir isso tudo à um homem é motivo de admiração…
O legal mesmo ia ser ter um filme em que o Christian começava a ter impotência e tinha que lidar com a contradição que um pau mole, na cabeça de um machão desses, estabelece com um cara que tem tudo na palma da mão. Fica minha dica pra um próximo, e agora bom, filme da sequência. Ia ser foda também se a Anastasia acordasse um dia, percebesse que é lésbica, desse um pé na bunda de Grey e se apaixonasse por uma caminhoneira. Muitas, muitas ideias teriam sido mais emocionantes que a desenvolvida.
Pra isso que foi mostrado aí, Sr. & Sra. Grey, meu voto é não.
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