Crítica: Gloria Allred - Justiça Para Todas (Seeing Allred)
Poucos sabem mas há muitos anos eu tinha o sonho de ser advogada. Nosso editor-chefe deve estar lendo isso bem surpreso, inclusive (Nota do Editor: Não.). Essa aspiração datada era por uma ingênua admiração por telesséries americanas, em especial meu eterno guilty-pleasure “Lei e Ordem: Unidade de Vítimas Especias“. Sim, eu ficava sonhando com aquele tribunal pomposo, com o drama e em ser a Olivia Benson (Mariska Hargitay). Conforme o tempo passou, caí na realidade e na total desilusão que seria seguir a carreira e cá estou, professora. Outra tristeza também, de fato…
Meu ponto é que minha grande referência de quando criança existe e existe pra caralho e ela se chama Gloria Allred. Eu podia somente dizer, sem muita articulação e enrolação, que a mulher é FODA e a crítica ia acabar aqui. Mas se antes de assistir o documentário, com o pouco que conhecia da advogada de respeito que Allred é, eu já tinha essa concepção, o documentário só me fez estender em ainda mais elogios. Portanto, vamos a resenha!
Com uma temática pontualíssima e necessária diante de recentes casos de denúncia de abuso sexual em Hollywood, assim como o efervescente debate por maior equidade entre homens e mulheres na indústria, um documentário que retrate a rotina de uma promotora dedicada à tais assuntos vinga bem. Allred tem sua carreira edificada na luta pelos direitos femininos, que engloba o direito de ser ouvida e validada quando denuncia um abusador, um pai que não cumpre com obrigações de pensão ou até mesmo quando se refere a direitos LGBT, como o de se casar com uma outra mulher.
Acompanhamos em uma linha do tempo muito bem construída, de forma a não deixar a narrativa maçante e cada vez despertar maior curiosidade no telespectador, a formação de uma advogada feminista, sim. Em plenos anos 60, onde ser feminista era ainda mais julgado e mal interpretado do que nos dias de hoje. Se hoje já somos, mulheres, invalidadas, postas ao grupo das mimizentas, reduzidas a um pseudo feminismo soft que consiste em ter sovaco cabeludo e odiar homens… imagina antes, que estávamos ainda mais desunidas e alienadas pelo próprio sistema patriarcal. Allred lutou e luta contra um machismo estrutural, enraizado e ainda sendo cortado, residente na cultura mundial.
A parte que mais acho interessante é o esclarecimento de um dos argumentos que tenta invalidar muitas denúncias de assédio, em especial quando contra estrelas e gente de relevância na TV: por que tantos anos de silêncio e um grito tão tardio? Falta sensibilidade e alteridade pra compreensão disso. Ser abusado não se trata de um crime simples como ser roubado ou até mesmo agredido fisicamente. Quando contra mulheres, o pano de fundo que isso inclui é julgamento, muito julgamento, coisa que uma recente vítima de abuso não está preparada para enfrentar – e é perfeitamente compreensível que opte por não se expor.
Outro ponto interessante para rebater o argumento é a própria diferença de época – a conversa aberta, na medida do possível, que temos hoje em dia diante do estupro é relativamente nova. É infeliz mas é um fato: quantas mulheres você não conhece por aí que, em diferentes níveis, vivenciaram uma experiência de abuso sexual? E quantas se mantiveram caladas? Seja por não ter a quem confidenciar, seja pelo tempo rudimentar em que vivia. “Ah, homem é assim mesmo, esqueça isso e continue vivendo”. Seja pelo medo do agressor ou dos que ouvirem. Ou por vergonha. Seja pela incapacidade de enfrentar o que aconteceu consigo mesma, alimentando uma mentira até onde surge uma ruptura. E essa ruptura pode ser um dano psicológico não mais negligenciável ou o espaço aberto por outras mulheres denunciando.
Gloria Allred – Justiça para Todas é revigorante, empoderador (vou usar essa palavra sim) e inspirador. Façamos nossa parte, mulheres e homens, pois temos responsabilidade sobre a sociedade que construímos. E mulheres, pratiquemos a sororidade, preparemo-nos com conhecimento e reflexão, serenidade mas, quando necessário, ataque também, e vivamos sob a otimista perspectiva de que tudo que tudo que é sólido se desmancha no ar. E que não será diferente com o patriarcado.
We can do it!
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