Crítica: Star Trek: Discovery – A Guerra Por Fora, A Guerra Por Dentro (War Within, War Without) (T01E14)
Como já é a praxe aqui do MetaFictions em nossos reviews de episódios de séries, teremos spoilers do episódio e da série inteira no texto a seguir.
Quase que como um “cala-boca” aos detratores da série que a acusam de não ser Star Trek (no que eles têm bastante razão), A Guerra Por Fora, A Guerra Por Dentro veio para diminuir a intensidade dos últimos dois ou três episódios, preparar terreno para o season finale da semana que vem e dar aos fãs mais hardcore os diálogos e questões filosóficas que fizeram Star Trek o que é, mais ou menos como sonhou o nosso leitor André Lobato em comentário sobre o frenético episódio passado.
A ação começa com os robozinhos apagando o ISS e recolocando o USS na Discovery. Somos imediatamente levados para dentro da sala de transporte para onde Michael (Sonequa Martin-Green) se teleportou com a imperatriz Georgiou (Michelle Yeoh). Imediatamente, esta verdadeira filha da puta mete uma arma na cara de Saru (Doug Jones) e manda que ele se ajoelhe a seus pés como o escravo que é, não sem deixar de lembrar a Michael que na noite anterior elas estavam se fartando com os miúdos de outro kelpien, começando aqui a série de diálogos e situações que podemos categorizar como bem Star Trek.
Michael acalma a imperatriz e Saru a confina em uma espécie de prisão domiciliar. Isso, junto com a tornozeleira-eletrônica-que-na-verdade-é-uma-pulseira que vai aparecer mais para frente, é infelizmente um pouco familiar demais para os brasileiros de hoje em dia.
Saru fica meio puto com Burnham porque ela mentiu descaradamente quando ele perguntou de Kelpiens no Universo-Espelho e Michael admite que só trouxe a imperatriz por questões pessoais. Ele aproveita para contar a Michael do procedimento que supostamente erradicou Voq do corpo de Tyler (Shazad Latif) e pede, na esperança de que possa ajudar em algo, que ela vá ver o seu peguete, mas ela, ainda meio bolada com a asfixia erótica quase fatal que Tyler lhe aplicou alguns episódios atrás, declina.
Isto não impede Saru de ir ver como Tyler, recém desperto da cirurgia mais rápida da história, está se saindo. Tyler explica o procedimento cirúrgico de mudança de raça usado invejado por toda a comunidade trans do universo e explica que Voq foi a primeira cobaia dela com o intuito de se infiltrar na Frota Estelar e destrui-la por dentro. Saru, aparentemente o sujeito mais fiel aos ideais e preceitos da Federação, mostra compaixão para com a situação de Tyler e, ao invés de confiná-lo à detenção da nave, deixa-o solto, usando apenas a já referida tornozeleira-eletrônica-que-na-verdade-é-uma-pulseira.
Saru agora é o capitão efetivo da Discovery e descobrimos que seu imediato é a androide Airiam (Sara Mitich), o que, salvo engano, deve ser a primeira vez na história da franquia em que nenhum humano é um dos oficiais de comando e certamente é a primeira vez que um não-humano é o capitão de verdade da nave principal e não somente um interino. Infelizmente, isso não vai durar muito.
Depois de muito tentar contato com as naves da Federação, a Discovery finalmente é encontrada por uma delas, mas que chega já com a faca nos dentes, com phasers armados e escudos levantados. Imediatamente eles são abordados pela Almirante Cornwell (Jayne Brook), Sarek (James Frain) e mais um grupo de ETs aleatórios. Antes que eles tenham a chance de falar qualquer coisa, Cornwell manda Sarek fazer a fusão mental com Saru e tudo é esclarecido.
Após a introdução, vemos Cornwell desintegrando a tigela de biscoito da sorte de Lorca de tanta raiva por ter dado para um maluco que não era bem quem ela achava que era. Ela e Sarek também explicam que a tecnologia para anular o manto de invisibilidade Klingon foi enviada para o pouco que resta da Frota Estelar, mas que agora já deve ser tarde demais. Os Klingons empregaram táticas malucas e diferentes entre si pois estão divididos entre 24 casas e a aniquilação da Federação é uma espécie de jogo de poder para as casas.
Cornwell quer botar a Discovery para funcionar de cara, mas Stamets (Anthony Rapp) a corta logo dizendo que não tem mais esporos para alimentar o o motor de esporos. Aqui me vem a pergunta que já veio lá quando ainda estavam no Universo-Espelho. Porque eles simplesmente não vão lá e fazem mais? Afinal de contas, os esporos vêm de uma espécie de planta que eles tiraram de algum lugar. Bastaria ir lá pegar mais e, se eles tivessem pensado nisso logo de cara, talvez nem tivessem tido que ficar tanto tempo fodidos lá no Universo-Espelho.
E aqui mais um momento Star Trek é jogado deliciosamente na nossa cara quando Sarek discute as repercussões existenciais em todas as raças com a descoberta de que há outros universos e de que é possível ir até eles, o que acaba também por amarrar outra ponta que sempre ficou solta, já que a Almirante manda que todos os registros disso sejam apagados, explicando o porquê dos universos paralelos não serem de conhecimento notório nas demais séries de Star Trek.
Assassino confesso e uma aberração genética bizarra, é permitido a Tyler que fique andando por aí pela Discovery e aqui, mais uma vez, percebemos uma exaltação aos ideais da Federação. De forma bem natural e nada forçada, Tyler é recebido de braços abertos pela tripulação no refeitório, ainda que ele tenha tomado um esculacho de Stamets pouco antes (ele matou o amante do sujeito, afinal de contas) e tenha recebido uns olhares meio enviesados. Mantendo a mesma coerência com o que Saru demonstrou, a tripulação, ainda que um tanto reticente, é compreensiva e tem compaixão pela situação realmente escrotíssima que Tyler enfrenta.
Chegando à ultima base estelar da Federação, a Discovery descobre que esta foi dominada pelos Klingons, com a potencial escravidão ou morte de 80.000 pessoas que estavam a bordo. Cornwell, agora agindo como a capitã da nave, fica abaladíssima, obrigando Saru a interceder e tomar as rédeas da situação.
Totalmente sem esperanças, ela apela a L’Rell (Mary Chieffo) usando seus argumentos humanos e cheios de moral, o que evidentemente não funciona. L’Rell profere então o aforismo que define o que são os Klingons: “Conquista-nos, ou pararemos jamais”. Michael, também sem saber o que fazer, vai conversar com Georgiou, já que o império terrano subjugou os Klingons décadas atrás. É a partir dessas duas informações que se resolve partir para uma ofensiva diretamente a Qo’noS (anteriormente chamado Kronos), o planetal natal dos klingon.
Ocorre que, conforme aponta Cornwell, ninguém pisa em Qo’noS desde o capitão Archer da Enterprise (um belo salve ao seriado “Enterprise”) 100 anos antes, e é impossível mapear o planeta por causa da densidade de sua atmosfera. É só aqui que Stamets lembra que tem uma muda da planta que produz os esporos e que dá para produzir mais. A mim parece que isso deveria ter sido a prioridade desde que eles voltaram ao universo original, mas só pensaram nisso agora porque o roteiro mandou.
Basicamente, Stamets precisa de mais esporos para conseguir usar a rede micelial para pular para dentro de um dos gigantes e intricados complexos de cavernas do planeta. De lá, a Discovery mapeará o planeta e ter-se-á uma chance de anular suas defesas. O plano, portanto, envolve um movimento que sequer se sabe se é possível, o mapeamento e o posterior ataque.
Para tanto, Stamets pega a sua mudinha da planta e terraforma toda uma lua para conseguir os esporos necessários para, mais uma vez, operar o motor champignon. Este episódio, já que não gastou toda a sua verba de efeito especial em tiro e gente morrendo de forma horrível, entrega uma bela cena do planeta sendo terraformado e, em questão de segundos, o plano final está em curso.
Neste ínterim, Georgiou, mãe adotiva da Michael-Espelho, convoca Sarek, pai adotivo da nossa Michael, para uma DR sobre quem tem a filha mais fodona. Sarek dá uma lacrada fenomenal, o que faz com que a imperatriz mude de assunto. Georgiou conversa com Sarek sobre a necessidade de se tomar medidas drásticas naquele momento em que a Federação está diante de sua potencial aniquilação total. Apesar de não sabermos exatamente o que ela propôs, é certo que vai ser alguma coisa genocida e violentíssima. Sarek decide até mesmo ir a Vulcano para ponderar sobre a questão toda, despedindo-se de forma tocante de Michael. A guerra provavelmente fez com que Sarek entendesse melhor suas reprimidas emoções de vulcano e ele, em mais um momento Star Trek, reflete sobre a necessidade existencial de amor e de não se arrepender jamais disso.
Michael, abalada pela conversa com seu pai, vai conversar com Tilly. E esta, mais uma vez fiel aos preceitos da Federação e à máxima faustãoniana de que “só o amor constrói”, urge Burnham a ir conversar com Tyler. Os dois têm uma DR tão complicada quanto se imagina que seria uma conversa entre você e a pessoa que tentou te matar depois de você amá-la. Juras de amor são feitas, dois dos melhores atores da série brilham e Michael, ao que parece, mesmo entendendo que quem tentou matá-la não foi Tyler, mas Voq, não consegue se desvencilhar do ocorrido.
Depois de tantos momentos Star Trek nessa série de Star Trek que não é bem de Star Trek, a cena final volta à lógica que tem permeado todo o seriado: o da reviravolta. Cornwell abre um comunicado para a nave toda e começa a anunciar a missão. Para comandar a Discovery, ela anuncia que a Federação conseguiu, depois de 2 anos, recuperar o corpo com vida de Georgiou dos escombros da batalha das estrelas binárias e que ela agora é a capitã.
Boom!! Na tua cara, Michael!
Saru também não fica nada satisfeito de ter como capitã uma pessoa que acha que suas vísceras são uma iguaria a ser degustada em situações especiais, mas, como bom e fiel oficial da Federação que é, aquiesce. Pelo menos por enquanto.
Descobrimos então que parte do que foi discutido por Georgiou com Sarek devia envolver isso. E o que mais? Minhas fichas vão ser apostadas em Georgiou ter sugerido a destruição total do planeta Klingon com algum ataque em seu núcelo, ao que Sarek, Cornwell e o comando do que resta da Frota Estelar, desesperados com a derrota iminente, anuiram, mesmo que isto vá de encontro a tudo o que a Federação prega.
Em mais um bom episódio, Discovery mantém seu nível e entrega um penúltimo capítulo cheio de devaneios filosóficos e questões mais relevantes à alma do que meramente ao visual. Sem ter havido sequer uma cena de ação, este é talvez o episódio mais Star Trek de Discovery, preparando terreno para uma última e suicida missão, no que está prometendo ser um finale de tirar o fôlego.
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