Crítica: Três Anúncios para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri)
O britânico Martin McDonagh, que fizera sua estréia na direção de longa-metragem com o fabuloso “Na Mira do Chefe“ (In Bruges, no original, porque essa tradução é tenebrosa) – sobre o qual estamos devendo um merecido Assista!, mas que já foi indicado em nosso Garimpo Netflix: Comédias – lança seu mais novo filme – e aparentemente sucesso de crítica – sendo um dos grandes favoritos para levar o mais esperado (mas não mais importante) prêmio da cinematografia mundial: o Oscar. Com uma temática social que transborda a cada frame, talvez seja este Três Anúncios Para um Crime aquele a fazer a grande festa da noite de 4 para 5 de março.
Em uma cidade pequena, com uma delegacia local que cuida dos problemas cotidianos, Mildred (Frances McDormand no que ela sabe fazer de melhor, isto é, ser ela mesma – o que fará com que ela ganhe o Oscar de melhor atriz pela segunda vez atuando da mesma forma, ou seja, como ela mesma) desafia a autoridade policial ao alugar três outdoors nos quais cobra ferozmente do xerife a resolução do crime não resolvido de que sua filha fora vítima, sendo queimada até a morte após ter sido estuprada. Passando por problemas, tendo pouco tempo de vida pela frente, o chefe policial (nas mãos do ótimo Woody Harrelson) tenta caminhar na corda bamba de sua sentença pessoal e do aparente descontrole de Mildred. Contando com uma corporação que mais parece um bando de “aspone”, o caso não se desenvolve muito, testando, cada vez mais, os limites de uma mãe violenta que perdeu sua cria.
Dentre eles, Dixon (em notável atuação de Sam Rockwell – quem provavelmente levará o Oscar de melhor ator coadjuvante nesta edição), um racista de carteirinha, que usa sua autoridade e tempo para agir preconceituosamente com pessoas que julga inferior, e é um dos principais antagonistas da personagem principal, em muito para defender o chefe por quem tem tanto apreço. Enquanto Mildred vai tentando atingir a corporação, Dixon, de maneira pouco convencional, tenta atingir sua algoz. Especialmente após um fato-chave ter ocorrido com o xerife; o que fará com que Mildred seja vista como a principal motivadora do acontecimento.
Os dias de nossa protagonista se dividem em tentar provocar a delegacia, descobrir o responsável por ter agido contra sua filha, relacionar-se conflituosamente com o ex-marido (já que fora trocada por uma mulher bem mais nova) e com a ameaça constante de o criminoso estar à sua espreita, além de tentar se esquivar das acusações que a responsabilizam pelo que ocorreu ao xerife. Em paralelo, recebe ajuda do anão James (pelo sempre excelente Peter Dinklage), com quem se sente constrangida, eventualmente. E isso é um ponto de extrema importância para o discurso do filme.
Há duas semanas, estava conversando com Marco Medeiros (THE Marco Medeiros, aqui do site) e ele, brilhantemente, analisou os 4 ou 5 anos recentes de Oscar: de lá para cá, sempre ganha o diretor visionário, mas o filme com importância social – disse ele. Pois bem – digo eu -, Três Anúncios Para um Crime seria o filme de importância social da vez, não fosse a autossabotagem de seu próprio discurso. A temática social e, especialmente, racial que o filme transborda a cada frame (como falei no início da presente resenha) e que o colocaria na posição da obra importante da vez, é traída pelo fato de que nenhuma – absolutamente NENHUMA – minoria tem voz. Pelo contrário, os personagens principais são americanos caucasianos. O racista escroto e absolutamente detestável encontra seu caminho para redenção – ou, pelo menos, sugere-se isso – e até mesmo o anão, que desponta como uma figura que apoia Mildred quando esta está isolada, é esculachado pelo gritante constrangimento da protagonista, sobre quem a narrativa é desenvolvida. Portanto, o discurso da produção não sustenta o que a história quer ou tenta passar. Fala-se de aceitação do outro, fala-se da minoria, mas tão-somente no discurso. Na diegese (a realidade própria da narrativa), a minoria não tem voz alguma. E isso enfraquece o poder da obra.
Apesar disso, Martin sabe dirigir e, mais uma vez, realiza uma produção com mão firme, que leva o espectador aos limites de cada um dos personagens, pois todos estão em algum limite de suas forças pessoais, prestes a explodir. Uns detonam outros; outros detonam a si mesmos; e alguns parecem usar a força da explosão para dar o próximo passo e o outro e o outro. No entanto, essa força toda é tão mais reduzida quanto mais traidor seu discurso parece ser.
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