Crítica: 21 Thunder
Quando vi que a Netflix havia lançado esta 21 Thunder em seu catálogo – série anunciada como original, mas que na verdade foi produzida pelo canal de televisão canadense CBC com a Netflix somente comprando seus direitos de distribuição internacional – eu fiquei ao mesmo tempo interessado e temeroso de que viria mais uma desgraça em forma audiovisual por aí. Não era para menos. A sinopse anuncia se tratar de uma série que acompanha o dia a dia da equipe sub-21 de um clube de futebol profissional canadense fictício chamado Montreal Thunder. O meu amor pelo futebol me fez ficar interessado e foi este mesmo amor que me fez ficar com um cagaço fodido de que seria uma merda.
E qual não foi a minha surpresa quando eu terminei de assistir aos 8 episódios de 42 minutos em dois dias, sendo que os 5 últimos praticamente de uma vez só. Não se enganem, o Canadá ainda não sabe absolutamente porra nenhuma sobre futebol, mas o país que deu ao mundo gente como David Cronenberg e Dennis Villeneuve (isso sem contar atores consagrados como Seth Rogen, Christopher Plummer, Ryan Gosling, Jim Carrey e a divindade conhecida como Katheryn Winnick) ainda sabe, e muito bem, contar uma boa história.
A trama aqui é bem simples e convencional, o que nesse caso não é sinônimo de coisa ruim. Acompanhamos as idas e vindas da equipe enquanto os dramas pessoais dos atletas e da comissão técnica são colocados em cheque. Temos aqui tudo de que o futebol está cheio: menino da quebrada que tem no futebol uma alternativa à vida de crimes (mas, sendo aqui Montreal, esse menino é louro e tem olhos azuis), a chinesinha escrotinha que quer comprar juiz, o africano fodido-mas-que-joga-pra-caralho-e-é-disputado-a-tapa-pelos-clubes-e-diz-ter-20-mas-tem-30-anos, o ex-craque do futebol inglês que hoje está na merda e precisa ir jogar nos EUA para encerrar carreira e, finalmente, a cereja desse bolo, o argentino filho da puta.
A narrativa acerta enquanto foca nos dramas pessoais dessa galera. O casting da série foi claramente feito com muita competência, mesclando nomes consagrados do cinema e televisão canadense (sendo Colm Feore, do excelente “Bon Cop Bad Cop“, o rosto mais reconhecível) com rostos jovens, talentosos (caso do africano Emmanuel Kabongo) e extremamente carismáticos. Neste último departamento do carisma, inclusive, a série acertou em cheio com o zagueirão cintura dura Kevin Claydon e ao divinar que Ryan Pierce, um jogadorzinho merda de times pequenos da Escócia (passou 11 anos jogando no glorioso Kilmarnock), poderia vir a ser um ator. E ele entrega muito bem o que se espera dele: um ex-jogador em atividade beberrão, comedor, escroto e gente boa (além de ser lindo!).
De todo modo, ainda que o roteiro escorregue em algumas coisas que simplesmente são inacreditáveis demais (como a facilidade de ir e vir de uma prisão, por exemplo), ele acerta na maior parte dos diálogos e consegue até mesmo se manter relativamente ok quando se trata de falar sobre futebol.
Infelizmente, é justamente no futebol – aquilo que deveria ser seu diferencial e que a credenciaria a ser levada para audiências do mundo todo – que a série desliza e desliza feio. As cenas de jogo são constrangedoras, em um nível de dar vontade de desligar a TV. Parecem mais uma propaganda do SportingBet com o Edmundo, Ronaldo e Mauro Beting fazendo aquelas firulas com a bola. E não fica só na ação de jogo, mas também nos bastidores. O argentino filho da puta que é o técnico do sub-21 de um time merda de Montreal tem poderes de contratação e uma sala gigantesca, além de ficar dando esporro no técnico do time profissional. Os jogos sub-21 de um time merda de Montreal são transmitidos pela televisão e pelo rádio, a população toda aparentemente acompanha e, pior, um amistosinho porcaria do time é transmitido em uma prisão e em um TV de tela plana de umas 60 polegadas!!!! Eu já tinha ouvido falar que o Canadá é uma mãe para seus prisioneiros, mas, puta que o pariu, minha mãe nunca chegou perto nem de me dar uma TV de tubo de 14 polegadas, que dirá uma de 60 polegadas e com pay-per-view dos fraldinhas do América-RJ.
E isto tudo sem contar que todos os jogos são transmitidos como se o câmera tivesse dentro do campo correndo atrás da bola com os jogadores.
Com 21 Thunder o Canadá prova que ainda não sabe merda nenhuma de futebol, mas que pelo menos ainda sabe contar boas histórias. Contando com boas atuações e diálogos, ainda que falados em situações muitas vezes esdrúxulas, a parte dramática da série ainda faz com que ela valha alguma pena, tocando até em pontos sensíveis de hoje em dia como a inclusão da mulher dentro de esportes predominantemente masculinos, mesmo que eles continuem sem explicar o que é esse diacho desse impedimento.
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