Critica: A.I.C.O. Incarnation
Eu sou um espectador muito eventual de animes e, portanto, com gostos muito peculiares quando se trata desse estilo. Não gosto daquelas séries longuíssimas com um zilhão de episódios (a maioria encheção de linguiça – os fillers como os entendidos apelidam) em que um personagem com cabelo de banana começa a conjurar sua magia na segunda-feira pra que ela saia só em setembro. Não gosto de animes com excesso de elementos engraçaralhos (a não ser que seja, de fato, uma comédia…). Séries dramáticas cujos alívios cômicos pareçam um quadro dos Trapalhões com olhos arregalados e uma gigante gota d’água pendendo ao lado da têmpora do personagem me irritam profundamente. A existência do termo “Ero Sennin” desabona qualquer mérito que um desenho animado possa vir a ter.
Portanto, ao ser convidado a escrever a crítica de A.I.C.O. Incarnation, nova aposta da Netflix no segmento, fiz como faço com qualquer animação: sentei-me para ver um filme/série. E um de ficção científica, meu estilo literário/cinematográfico/de vida preferido. Para mim, o fato de os personagens serem desenhados e não atuados na vida real deveria importar muito pouco e a história deveria se sustentar sem que qualquer cacoete estilístico precisasse ser sacado da cartola.
Como aconteceu quando me perdi nas batalhas interplanetárias da Nave Estelar Yamato, no inicio dos anos 80, ou ao fim da mesma década, quando fiquei boquiaberto ao assistir a Akira, ou mesmo quando me derreti com a maravilhosa Viagem de Chihiro, Aiko Tachibana e sua trágica e apaixonante busca por sua família e seu corpo perdido me deixaram na beirada do sofá esperando ansiosamente pelos 5 segundos entre um episódio e outro. Nesta serietta (quase um filme de umas 5 ou 6 horas) estamos em 2035 e, há pouco mais de dois anos, uma pesquisa biológica entrou em colapso causando uma grande erupção de matéria orgânica que consome tudo em seu caminho. Neste cenário, o Japão é um país com áreas cercadas por muros, grades e grandes represas que tentam conter o avanço dessa maré de gosma orgânica, pseudópodos e tentáculos gigantes (a Matéria Maligna), e apenas os Infiltradores (grupos de mercenários altamente treinados) conseguem transitar pelas áreas interditadas.
Aiko, uma colegial em recuperação após um grave acidente automobilístico que a deixou em uma cadeira de rodas e matou toda a sua família, tenta retomar sua vida normal com a ajuda de sua melhor amiga quando Yuya Kanzaki, um misterioso aluno, é transferido para sua escola e conta que sua mãe e irmão ainda estão vivos. Não apenas isso, mas seu corpo não é um corpo real, mas uma cópia artificial de seu corpo original. Este foi criado para armazenar seu cérebro enquanto seu corpo real se recuperava no centro de pesquisa onde foi o epicentro da Erupção. Certo de que apenas Aiko pode conter o avanço da Matéria Maligna, Yuya reúne dois grupos de Infiltradores e, indo contra as ordens do governo, busca escoltar Aiko até o marco zero da Erupção. A partir daí, a série toma um ritmo contagiante, alternando sequências de ação de tirar o fôlego com momentos intimistas em que conseguimos, ainda que essa seja uma série de ação, sentir (mais do que compreender) a motivação dos personagens.
A direção de arte é belíssima e todos os elementos estéticos são precisos. Não há exageros (robôs de 20 metros de altura, espada de 30 metros de comprimentro) ou babaquices modernas (excesso de violência ou sexo). Todos os elementos presentes são de extremo bom gosto. O traço escolhido para o desenho conta com um belo layout de personagens, roupas, armas e objetos, que ilustram com clareza esse mundo fictício.
A trilha sonora é belíssima, com músicas incidentais dignas de grandes produções cinematográficas e tema de abertura que fica repetindo sem parar na cabeça (obrigatório em aberturas de anime). O roteiro não tem nada sobrando (são 12 episódios de 25 minutos cada), nada faltando (a história tem começo, meio e fim, e não há sequer como saber se haverá segunda temporada) e transcorre sem nenhum esforço até seu desfecho. A história, como toda história deveria ser, faz com que a gente entre na pele dos personagens e torça por eles a cada desafio.
Ao fim de uma das mais gratificantes maratonas que eu já fiz, ficaram duas sensações: 1 – a de que a produção audiovisual asiática é, inegavelmente, o que há de melhor hoje no mundo (seja em qual mídia for); e, 2 – a de que a Netflix deveria lançar uma serietta dessa por mês. Ou semana. Na dúvida, tragam Aiko e seus camaradas de aventura de volta ano que vem. Até lá, vou sentar com um amigo e minha esposa (que se chateou com minha espetada em Naruto no início desse texto) e ver tudo de novo hoje à tarde. Sim, é tão bom assim.
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