Crítica: Edha

Mais conhecida no Brasil por ser uma grande fábrica de filha da puta, mau-caráter e catimbeiro – fama produzida quase que exclusivamente por Galvão Bueno e seu adágio “ganhar é bom, mas ganhar da Argentina, amigo, é muuuuuuito melhorrrr” -, a Argentina também tem uma produção cinematográfica invejável no âmbito da América Latina. Nos últimos anos, são incontáveis as produções do país de qualidade indiscutível (como os nada menos que espetaculares “Relatos Selvagens” e “O Segredo dos Seus Olhos), além de terem revelado ao mundo Ricardo Darín, tranquilamente entre os maiores atores da história da 7ª Arte e meu ator preferido do momento.

Edha, por sua vez, vem para comprovar uma fama e refutar outra. Todos os personagens são, como todo bom argentino Galvãonesco deve ser, canalhas ao extremo. Por outro lado, nem Ricardo Darín conseguiria dar jeito no novelão desfilado pelos 10 episódios de 40 minutos em média, derrubando a falácia espalhada pelos detratores do cinema nacional de que a Argentina, ao contrário do Brasil e seus filmes Zorra Total, só produz coisa boa.

Meu olho é fechadinho assim porque eu sou muito sofrida.

Pegando emprestada uma estrutura narrativa de uma verdadeira novela mexicana, mas valendo-se de um orçamento bem mais generoso e de um desenho de produção exuberante (o que curiosamente também ocorre em alguns momentos de Altered Carbon, também original Netflix resenhado aqui), Edha conta a história de Edha (a estonteante Juana Viale) – que é uma pessoa e, portanto, destrói por completo as expectativas dos nerds de mitologia nórdica -, uma estilista em Buenos Aires que é dona e cabeça criativa de uma marca da alta moda também chamada Edha, na qual é sócia de seu pai.

Talvez tentando tecer um comentário social dos mais rasos, temos aqui um incêndio em uma confecção clandestina que trabalhava para a marca sem o conhecimento de Edha. Este incêndio acaba por matar o irmão de Teo (Andrés Velencoso, dublê mais bonito de El Loco Abreu e catalão cujo sotaque vai irritar os que falam castelhano ainda mais do que o de Wagner Moura em Narcos), cujo olho o próprio Teo havia furado. Já é a partir daqui, em um episódio que trata o espectador como idiota ao usar Edha como narradora de tudo que está acontecendo na tela e passando aquele verniz pseudo-artístico no que é falado, que as coisas começam a degringolar.

Loco Abreu te humilhou / O Mauricio te calou / O Garrincha foi o seu maior terror

Num primeiro momento, Teo parece odiar o irmão e estar meio que cagando para o fato dele ter morrido. Só uns dois episódios depois que ele resolve que está putaço e decide procurar alguma reparação em uma mudança repentina, forçada e cuja motivação não é sequer sugerida no roteiro. E este tipo de coisa acontece o tempo todo, com os personagens tomando decisões cada vez mais tresloucadas, como, por exemplo, quando a filha de Edha resolve ir morar com pai (que anos antes havia largado essa mesma filha dentro de Edha e vazado) sem falar com a mãe e depois fica toda se queixando porque Edha reclama. Ou até mesmo quando o glorioso mullet de Teo desaparece e ninguém sequer comenta.

Edha, a heroína dessa história, é uma escrota absoluta. Ególatra, cheia de caprichos, mimada e incapaz de lidar com qualquer frustração, ela suga todo o mundo ao seu redor. Talvez isto seja um ideal argentino do que pode fazer uma protagonista de uma história ser carismática, mas para mim (e imagino que para o resto do planeta) isso não cola. Há uma lista infindável de protagonistas que são canalhas, mas, para que funcionem, o roteiro e a atuação têm que estar muito bem amarrados. Aqui fica muito difícil de se torcer por Edha ou até mesmo por Teo. A torcida é só para que eles em algum momento apareçam nus, já que são ambos lindíssimos.

Volta pro fogão, Loco!

E, puta que o pariu, pelo menos isso nos é entregue, ainda que em cenas dignas do Cine Privê da Band (entendedores entenderão), porém com mais jazz incidental e caras e bocas e menos partes pudentas, o que certamente desagradará os entendedores dos parênteses acima.

Mesmo prejudicados por um roteiro constrangedor e por uma narrativa morosa, os atores conseguem, em sua maior parte, se salvar do desastre. Destaque positivo nesse quesito para o traficante-viado-agente-de-modelos-casca-grossa Yastin (Flavio Mendoza), ao larga-boneco-e-vaza-pai-da-filha-de-Edha (Pablo Echarri, que com mais um tiquinho de olheira e gel no cabelo poderia estar fazendo cosplay de Família Addams) e negativo para o pai creepy PARA CARALHO da amiguinha da filha de Edha (Antonio Birabent, uma espécie de George McFly com quem você não deixaria qualquer criança abaixo dos 14 anos). 

Argentina’s Next Top Model.

Sem qualquer falsa modéstia, eu sou um verdadeiro bravo por ter chegado até a metade da série. Pensei que, pelo menos, ela poderia engrenar a partir do meio como muitas outras fazem, mas percebia que minha esperança era vã a cada novo episódio e, principalmente, com o final absolutamente insosso, broxante e que não tem qualquer congruência com tudo o que foi estabelecido pelo arremedo de roteiro.

Assim como o mundo da moda aqui retratado, contra o qual eu confesso ter milhões de ressalvas, Edha é só uma embalagem bonita e, ainda assim, nem é lá uma Gisele Bündchen (esgotando aqui as minhas referências da indústria).  Esta é a primeira série original Netflix argentina. Será que o Darín não tava disponível?

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