Crítica: Rapture
Ano passado a Netflix disponibilizou em seu catálogo a excelente minissérie documental em 4 episódios Hip-Hop Evolution (indicada em nosso Garimpo Netflix: Hip-Hop). Produzida originalmente pela HBO e dirigida pelo experiente documentarista musical Sam Dunn, Hip-Hop Evolution se propunha a contar de forma audiovisual a história dos primórdios do movimento e consegue entregar uma obra absolutamente competente em sua proposta.
Ano passado, a HBO lançou a espetacular minissérie documental “The Defiant Ones“, na qual a parceria entre os mitológicos Dr. Dre e Jimmy Iovine é dissecada e apresentada como um dos grandes turning points dentro da história do Hip-Hop. E eu acabo de descobrir que ela foi disponibilizada na Netflix há poucas semanas.
Consagrando a era dos documentários sobre o gênero musical que mais cresce no planeta já há décadas (não, meus amigos, não é o sertanejo universitário), a Netflix, em parceria com o rapper Nas, lança Rapture (um trocadilho com culture e rapture, palavra em inglês que quer dizer arrebatamento, um enlevo dos sentidos), minissérie em 8 episódios de 1 hora cuja proposta é oferecer um olhar ao Rap enquanto gênero musical nos dias de hoje, deixando de lado um pouco o Hip-Hop enquanto movimento e focando realmente nas transforações que o gênero vem passando.
Para tanto, Rapture acompanha a vida de 8 rappers. 6 deles – Logic, G-Easy, Rapsody, 2 Chainz, A Boogie wit da Hoodie (nome mais escroto do hip-hop) e Just Blaze – são iniciantes que começam a experimentar o estrondoso sucesso de que os demais, os estabelecidíssimos Nas e T.I., já usufruem. A ideia é demonstrar o quanto o rap se tornou abrangente enquanto forma de arte, alastrando-se para temas relevantes como a misoginia e o cuidado com aflições mentais como depressão, ansiedade e afins, assuntos sempre evitados em um gênero que se tornou célebre pela objetificação da mulher (ou bitch como eles gostam de dizer) ou a glorificação do quão fodões e absolutamente livres de qualquer problema de “bichinha” como depressão e pensamentos suicidas são seus MCs com pose de bandido.
É uma proposta louvável e relevante, mas que sofre em sua execução um tanto chapa-branca, pouco crítica e quase em nada documental, assemelhando-se quase a um reality show tamanha é a vontade de se demonstrar os artistas sob uma luz favorabilíssima. Felizmente, a tese apresentada é poderosa o suficiente para que a série ainda valha a pena, superando até mesmo o extremamente maniqueísta caráter semi-messiânico atribuído a alguns dos artistas.
Curiosamente, é justamente no episódio que mais canoniza o artista que a série se destaca. Ao demonstrar a “conversão” de T.I. – cujo primeiro grande sucesso narrava a história de que ele era o homem elástico porque era o material que ele usava para juntar maços e maços de dinheiro e com eles pegar todas as piranhas do local – em uma figura importante na luta pelos direitos iguais dos negros nos EUA. Aqui praticamente se abandona a música e o foco é voltado quase que exclusivamente para este assunto tão pertinente e sempre atual, o que, por si só, é excelente, mas que sofre pelo excesso de roteirização dos acontecimentos.
No mais, temos episódio atrás de episódio com uma formuleta até eficiente, entremeando trechos de performances dos artistas em shows com ensaios e depoimentos nos quais eles, invariavelmente, entendem que são alguma espécie de segunda vinda de Jesus Cristo, naquele rompante de confiança e falsa auto-estima tão próprio dos artistas e rappers em especial.
Ainda que não seja tão competente em sua execução quanto as demais obras aqui mencionadas, Rapture certamente enlevará os amantes deste gênero e, em especial, qualquer um que tenha algum carinho por qualquer um dos artistas retratados. De todo modo, não deixem de conferir o já referido Garimpo Netflix: Hip-Hop caso queiram assistir algo que lhes permita entender melhor sobre as raízes deste movimento, bem como ser absolutamente devastados pela qualidade absurda de Atlanta, série tão excepcional que me colocou numa missão de convencer o mundo todo a assistir.
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