Crítica: Roxanne Roxanne

Shante (Chanté Adams), uma adolescente criada nos subúrbios de Nova Iorque, se vê pressionada a amadurecer com rapidez diante de instabilidades familiares. Tendo como modelo um pai ausente – ou seja, na verdade não tendo modelo masculino algum -, a necessidade de assumir responsabilidades dentro de casa é imediata e abrupta como a mais velha dentre as irmãs. Sua mãe, alguém endurecida pelas porradas da vida, se mostra uma mulher batalhadora e intolerante à grandes conversas, sendo uma pessoa inacessível emocionalmente na vida da garota.  

A partir de batalhas de rap, com apenas 14 anos, Shante se torna referência no bairro de Queens, e vê naquilo não só um ganha-pão como uma fonte de legitimação pessoal e de construção de autoestima. Afinal, a cena rap dos anos 80 era um meio no qual mulheres raramente eram aceitas, que dirá respeitadas ou aclamadas. E lá estava Shante abrindo espaço pra si mesma e pra tantas outras que viriam ao longo dos anos.

O filme trata não somente da carreira de Roxanne Shanté (como viria a se entitular mais tarde), mas também de sua vida pessoal. Apesar de ser uma artista confiante e bem sucedida nos palcos, seja prosperando com a grana ou levando calote de empresário, por trás dessa imagem existe a fragilidade de uma garota ainda adolescente. Com 16 anos ela conhece Cross (Mahershala Ali, o homem mais lindo de Hollywood) e se vê encantada com tamanha estabilidade que ele lhe oferece.

Com a idade para ser seu pai, e isso não é um puro detalhe nesse contexto, o cara entra na sua vida tratando-a com luxos, carinho e maturidade – e é claro que essas características são tentadoras à qualquer menina jovem. Tratando-se de uma adolescente que nunca teve ninguém que lhe tratasse nem perto disso, não seria diferente. Mas o final feliz tão sonhado e romantizado vindo do discurso conquistador de Cross não chega.

Parece inacreditável o quão susceptível mulheres das mais diversas estão em cair num relacionamento abusivo. E é isso que segue na vida de Roxanne. Por um lado, é obviamente triste ver uma mulher com personalidade forte e cheia de atitude numa situação dessas. Mas, por outro, de alguma forma, é importante e até necessário se deparar com esse choque de realidade. Nesse sentido, o filme conduz o telespectador à imersão no relacionamento abusivo através desse exato sentimento que sufoca e sequestra emocionalmente alguém. Roxanne é ao mesmo tempo o refém e o carrasco, paradoxalmente.

O filme é empoderador, tanto pela exposição à história de uma rapper quanto pelo espaço para contar a infeliz comum história de uma mulher tão somente. Seja no desenvolvimento da personagem principal ou até mesmo analisando as mulheres como um todo no filme – desde sua mãe durona, Ms. Peggy (Heather Simms), até suas irmãs e vizinhas. E brinda, do iníco ao fim, à sororidade feminina.

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