Garimpo Netflix: Castellano

Para o Garimpo Netflix desta semana, o fio condutor que liga as três obras a serem indicadas é o fato de serem faladas na mesma língua. No entanto, não são produções de um mesmo país, nem mesmo tem o continente em comum. Um chileno e outros dois espanhóis (na verdade, um desses é da Catalunha – não entremos em discussões político-ideológicas aqui) são os selecionados para compor a publicação da vez. Tampouco seus gêneros dialogam entre si, restando à língua o elemento de semelhança entre os títulos.

Um drama que se torna um retumbante filme de terror é o representante do Chile. Já da Espanha, um thriller travestido de comédia. E da Catalunya um drama tradicional, sem dialogar diretamente com outros gêneros, tal qual os supracitados. Ainda que multi-gênero, o Garimpo da vez conta com três indicações com uma forte carga emocional, gerando grande impacto em seus personagens e, consequentemente, nos espectadores.


Madre, de 2016, dirigido por Aaron Burns

Diana (muito bem encarnada por Daniela Ramírez) é uma mulher que não esconde os desgaste de ter um filho autista, Martín (Matías Bassi), o qual tem crises cruéis de descontrole. Um simples afazer doméstico se torna pesado fardo para a mãe: alimentá-lo ou dar banho é árdua tarefa e Diana já não consegue fazer qualquer outra coisa que não viver em função do filho. Sua condição parece nunca melhorar, especialmente quando ela se vê sozinha, pois o marido está viajando constantemente à trabalho e nenhuma babá aguenta ficar mais do que um par de dias na casa. No entanto, após um episódio de ataque em um mercado, uma funcionária filipina, Luz (atuada misteriosamente por Aida Jabolin), consegue acalmar a criança instantaneamente.

Luz, portanto, é contratada pela família e o resultado é surpreendente: a cada dia que se passa, é notável a transformação de Martín, que consegue até interagir e aprender filipino (língua na qual Luz conversa com ele); até mesmo expressões de afeto são produzida pelo garoto. Porém, tudo começa a mudar quando Diana desconfia que Luz tem, na verdade, intenções perversas por trás disso. Afastá-la de seu próprio filho é só o início do que Diana imagina que pode estar acontecendo. Sua mente começa a pregar truques? Ela está confusa? Ou as pistas que acha que tem encontrado realmente apontam para uma direção assustadoramente terrível?

Relações conflituosas, desde dramas familiares até imposições de poder (sejam elas na relação patrão-empregado, seja por um modelo cultural colocado ao imigrante), Madre traz uma forte história que se revela cada vez mais obscura.

O Bar (El Bar), de 2017, dirigido por Álex de la Iglesia

https://www.youtube.com/watch?v=n3PB32SMBIk

A proposta do filme é conhecida: disparar um fato que trancafie os personagens em um mesmo lugar, deixando-os à mercê das oscilações emocionais e psicológicas de cada um, as quais vão rendendo teses paranoicas que resultam em conflitos diretos entre suspeitos e acusadores. “O homem é o lobo do próprio homem”, dissera certa vez Thomas Hobbes, e é exatamente isso que encontramos em situações-limite.

No caso específico de O Bar, alguns personagens se vêem isolados dentro de um bar, no centro de Madrid, quando percebem que algum atirador os impede de sair dali, logo após alguém ter sido, bem em frente, alvejado sem qualquer motivo aparente. Em pouco tempo, o enlouquecido centro da cidade parece não mais comportar ninguém além daquelas almas perdidas dentro do estabelecimento. É nesse momento em que uns parecem se virar contra os outros, quando descobertas vão sendo feitas e uma verdade tenebrosa vai se revelando.

Multigênero, esta obra conta com momentos de comédia e horror, sempre tendo no thriller o combustível para sua narrativa. O tragicômico aqui engrossa de modo a incomodar a ingenuidade de quem assiste.

– A Próxima Pele (La propera pell), de 2016, dirigido por Isa Campo & Isaki Lacuesta

Não me chame de burro ao iniciar o filme. Ele é falado em francês, mas logo voltamos à Espanha, onde a narrativa se desenvolverá. Trata-se de uma espécie de reformatório para jovens franceses sem família, que buscam um lugar no mundo. Entre eles, um garoto, a quem chamam de Leo (atuado com vitalidade por Àlex Monner), por ter aparecido muito pequeno e com a camisa de Leo Messi, parece ser um rebelde que tenta quebrar algumas regras; uma espécie de animal selvagem enjaulado pelo seu próprio corpo.

Em paralelo, na região da Catalunya, uma mulher, Ana (fortemente interpretada por Emma Suárez), tenta lidar com os fantasmas de oito anos atrás, quando perdera o marido na mesma ocasião em que seu filho desaparecera. No entanto, um fato ocorre ligando esses dois personagens: suspeita-se que “Leo” seja, na verdade, Gabriel, o filho desaparecido de Ana. O responsável pelo tal reformatório trata de aproximar os dois, objetivando descobrir se a identidade do garoto Leo é, de fato, aquela. Mas as poucas lembranças do menino são empecilho para isso.

Apesar de muitos duvidarem de que o rapaz é quem diz ser, Ana não coloca qualquer tipo de entrave para a relação dos dois e ambos vão se aprofundando em seu convívio diário. Nós, espectadores, assim como os demais do vilarejo, questionamos constantemente a figura de Leo como Gabriel, enquanto o filme vai nos colocando no meio de dois personagens que parecem preferir o calor do afeto à definitiva verdade, que pode se apresentar demasiado fria.

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