Crítica: 3% - 2ª Temporada
Olha, eu não sei o que 3% tá fazendo enquanto série e não novela global. Com essa frase inicio e dou a tônica de minha crítica, que tenderá fortemente à puxões de orelha e ao lado mais óbvio da palavra “crítica”. Com uma entrada tradicionalíssima de uma trama das 21h, finalizando sua montagem com o nome da série, eu quase que espero por comerciais anunciando o próximo filme da sessão da tarde ou capítulos da novela do outro horário. Mas não. Trata-se de uma série original Netflix em sua segunda temporada, bem patrocinada e que poderia, sim, ser melhor produzida técnica e criativamente.
Mas… vamos aos ‘mas’: que atuações mal dirigidas e em alguns casos, só ruins mesmo. É verdade que em relação à sua temporada anterior conseguimos notar uma melhoria mas, ainda assim, as falas continuam um misto de tom teatral (inadequado, muitas vezes, para o Cinema) e de trejeitos de Malhação. Sim, vou continuar me apoiando em referências à emissora Globo por que, cacete, realmente me parece saído de lá. Na série, retornamos ao mundo distópico dividido entre miseráveis que são 97% da população e os 3%, que gozam de benefícios em função da aprovação no Processo. Lá no Maralto, a terra dos burgueses safados, temos agora Michele (Bianca Comparato) e Rafael (Rodolfo Valente), aprovados na ultima edição da peneira, que já sabemos que fazem parte da oposição, chamada de Causa.
Reconheço que é incrível a proposta crítica da série de usar o discurso meritocrático como justificativa para a naturalização da desigualdade daquele mundo porque, oras, vemos isso na sociedade em que vivemos. E já mencionei em outros momentos que a distopia melhor bolada é aquela que usa elementos banais de nossa vida e insere num futuro assombroso. Entre alguns elementos copiados, temos em essência o de “Jogos Vorazes” – pela existência de um Processo anual que seleciona pessoas por etapas cruelmente competitivas – e de “Admirável Mundo Novo”, pelo contraste entre uma “civilização exemplar” e uma “civilização selvagem”. Ambos bastante interessantes e bem inseridos na realidade brasileira, o que conta como ponto positivo para a série: faz funcionar pro nosso país as inspirações gringas. Na verdade, todas as vezes que a série acertava em sua narrativa eu conectava aos escritos de Huxley, minha principal referência em meio às distopias por aí.
Mas… a narrativa se perde mais que cego em tiroteio. E isso vai desgastando o espectador que entra no repetitivo ciclo de ser fisgado pela história e perceber que isso é efêmero ao se ver extremamente entediado logo a seguir. A inconsistência do roteiro se dá por uma escrita fraca que não funciona na tela pela artificialidade – a sensação inorgânica de que os atores estão lendo o roteiro pra você, e não interpretando – e por uma história que não se sustenta. Não fecha. E ainda mete um plot twist BIZARRO, inadmissível, nas coxas, apelão. Quando eu começo a ter esperanças e pensar que a série é bem intencionada, tem um tema tão legal e reflexivo… vem o ranço pela forçação inescrupulosa da reviravolta. Difícil.
A história tem pontos originais bons também. Não quero deixar de citar a genial inserção da religião como forma de manutenção da alienação populacional, através do culto ao sistema nos sermões do Pastor (Dárcio de Oliveira). Discursos demagogos venerando o Casal Fundador – responsáveis pelo início de toda a parada – servem de muleta para um povo ignorante politicamente, “filhos do Processo”. Ou, também, ainda que superficial, a exposição ao debate sobre como indivíduos se corrompem a um sistema, cegos por benefícios que ele traz ou tira. Isso se mostra claro nas diversas vezes que é posta em cheque a lealdade e dedicação dentro do grupo da Causa e, até mesmo, dentro do Maralto. São em momentos de crise que vemos aqueles que realmente tem princípios estruturados – ou aqueles que pousam facilmente nos ombros um dia odiados. Alianças: um caminho frágil, necessário ou, destrutivamente, os dois?
Por fim, gostaria de dizer que a ideologia meritocrática existe muitíssimo e, assim sendo, nossa própria versão do Maralto já está aí, estabelecida há muito tempo. Secularmente é naturalizada a desigualdade econômica, quase que como um pilar para a sociedade existir, entrando em fusão com a falsa ilusão liberal de que todos podem chegar lá, do “outro lado”. E é por isso, por essa espécie de soco no estômago ainda que leve, por esse acerto entre tantos erros feios e rudes, que acho que a série merece um pouquinho de atenção.
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