Crítica: Estrelas de Cinema Nunca Morrem (Film Stars Don't Die in Liverpool)
“A ingaia ciência” é uma das reflexões mais doídas sobre o envelhecimento e a morte. Drummond, já dominando totalmente o material da poesia, abre o texto definindo a madureza como uma “terrível prenda”. Gloria Grahame conhece esse presente pressago de forma, talvez, mais cruel que a maioria de nós. Estrela do cinema em preto e branco, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante em 1950 ela encara, no inicio dos anos 80, a decadência da carreira, uma doença terrível e a presença cada vez mais próxima da morte. “A madureza sabe o preço exato/ dos amores, dos ócios, dos quebrantos,/e nada pode contra sua ciência/ e nem contra si mesma”, continua o bardo em seu poema. Gloria Grahame também sabe o preço que se paga e vai encontrar no jovem ator Peter Turner, seu último amor, a mão e o coração aos quais se agarrar enquanto a vida se esvai. É dessa história que o diretor Paul McGuigan constrói Estrelas de Cinema Nunca Morrem, brilhantemente estrelado por Annette Bening e Jamie Bell.
Confesso que, há um tempinho já, um filme não me deixava tão triste após a exibição (Transformers: O Último Cavaleiro conseguiu me deixar, mas pelo motivo de querer explodir a Humanidade, não por ter me emocionado). McGuigan, através de sua protagonista, tece uma reflexão sobre o envelhecer, sobre morte e amor que, embora sejam temas tão comuns no cinema, soa nova porque se apoia no paradoxo de como conviver com a passagem do tempo e da vida quando “o de dentro” se recusa a envelhecer e morrer. É cruel e é bonito. Quase marcando uma sessão extra de análise (às custas do Metafictions!) (Nota do Editor: de nada!).
Esse teor reflexivo da produção vem costurado por um quadrado muito bem urdido: direção, roteiro, edição e fotografia. Como chefe da obra, o diretor aposta num olhar marcante, mas discreto. Sua câmera, sabendo que já há exposição demais na narrativa em si, nunca parece indiscreta, excessiva. Esse toque de discrição diretorial se estende ao trabalho de McGuigan com seu elenco. Fica nítido que ele deu liberdade de criação a seus atores (mas quem não daria tendo Julie Walters e Vanessa Redgrave entre seus coadjuvantes? Ah, easter egg! O verdadeiro Peter Turner faz uma ponta no filme).
O roteiro, por sua vez, tece um jogo temporal bonito, oscilando a história entre flashbacks que mostram a construção do relacionamento entre Gloria e Peter e o presente. O jogo fica mais interessante pela super bem cuidada edição, que une cada cena como uma montagem de tempos também, além de marcar um ritmo muito adequado ao que se mostra. Além disso, o texto também investe numa metalinguagem que soa totalmente adequada, pois conversa com obras do tempo de glória de Gloria (desculpem pelo trocadilho imbecil, mas inevitável), como “Crepúsculo dos Deuses” e “Um Bonde Chamado Desejo” e, também, com peças teatrais que desafiam a ideia de passagem do tempo, como “O Zoológico de Vidro” e “Romeu e Julieta” (que rende, aliás, a cena mais bonita do filme).
Assinando a fotografia, Urszula Pontikos elabora um peculiar trabalho: suas lentes arquitetam uma delicada paleta que se materializa tanto nas cores quanto na luz. Assim, nossos olhos são guiados por uma iluminação de cena que reverbera a imagem. É fotografia muito pensada. Infelizmente, o elo fraco dessa corrente também se encontra no setor imagético. Há alguma coisa na imagem do filme que soa anacrônica em 2018. Quase que como, em vários momentos, a tela fosse um pastiche não intencional de filmes antigos. Desconfio que essa falha venha de uma direção de arte “pesada”, marcada demais, que mirou no kitsch, mas acertou no brega. Uma pena.
Toda a força-motriz do longa, porém, emana de seus protagonistas. Annette Benning e Jamie Bell (Billy Elliot cresceu tempo, tempo, tempo) oferecem dois tour-de-force. Impecáveis. Ela é uma das maiores de sua geração, quatro indicações ao Oscar (como não ganhou um ainda eu não sei). Aqui, Benning se lança em novos abismos de atuação, abandonando a energia altiva de grande parte de suas personagens e trocando-a por um ar Blanche Dubois que a fragiliza e fortalece ao mesmo tempo. Bell, por sua vez, consegue dois feitos gigantescos: não ser eclipsado pela magnitude de sua parceira de cena e, ainda mais forte, conseguir extrair do pouco escopo que o roteiro dá ao seu personagem, já que ele orbita em torno dela, o máximo de humanidade. Não é exagero afirmar que o coração da história está nele. Que dupla, senhores.
Estrelas de Cinema Nunca Morrem é um filme triste. Mas é também uma “terrível prenda”. Às vezes dói, mas também é um presente.
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