Crítica: Feliz! (Happy!)

Ao assistir o primeiro episódio de Feliz!, eu imediatamente fui transportado de volta a Adrenalina, filme de 2006 no qual Jason Statham interpreta Chev Chelios, um assassino de aluguel em quem é injetado um veneno que o matará se sua frequência cardíaca baixar de um certo nível. Por causa dessa premissa completamente despirocada e gratuita, temos basicamente um filme em que Jason Statham faz de um tudo para manter a adrenalina (daí o nome do filme) correndo por suas veias e sua frequência cardíaca alta, inclusive comer a namorada em plena luz do dia na frente de estranhos enquanto tenta desesperadamente descobrir o antídoto do tal veneno.

No 1º e realmente excelente episódio de Feliz!, temos algo parecido, pois é uma maluquice do caralho com MUITA violência estilizada por cada um dos seus 42 minutos de exibição. Somente no primeiro episódio, nosso protagonista Nick Sax (Christopher Meloni) – um ex-policial caído em desgraça que agora é um assassino profissional que remete muito ao brucutu Marv de Sin City – sobrevive a um tiro, a uma equipe de torturadores, a um acidente de carro e a dois ataques cardíacos consecutivos, tudo enquanto mata impiedosamente os 4 irmãos Scaramucci (o que terá ramificações mais ao final), chacina com verve e gosto a tal equipe de torturadores liderado pelo bizarro (ainda que um tanto exagerado) Smoothie (Patrick Fischler) e foge de um hospital apinhado de bandidos e policiais corruptos querendo capturá-lo. 

E isso, que se repete ao longo de toda a série, sequer é a coisa mais doida dela, já que Nick, depois de sobreviver aos dois primeiros infartos e um tiro, é acordado no hospital pelo unicórnio-azul-voador chamado Feliz (voz do comediante Patton Oswalt), amigo imaginário da menina Hailey (Bryce Lorenzo) que acabara de ser raptada por um Papai Noel meio mendigão. Hailey então o enviou, na inocência própria das crianças, para buscar ajuda e Nick, por razões que serão reveladas mais adiante na série, consegue vê-lo e ouvi-lo.

Com uma sinopse biruta dessas, cenas de ação com cortes rápidos e câmera tremida, fotografia com cores explodidas na tela e primeiros episódios onde a ação simplesmente não para, não era de se espantar eu achar estar diante de mais um filme da franquia Adrenalina (sendo certo que há um 2º e pior filme). E, para a minha surpresa, um dos criadores (e diretor de 5 episódios) desta série é Brian Taylor, o idealizador e diretor dos dois filmes de Chev Chelios. Juntando-se a ele também na criação e no roteiro da série, temos aí um nome estelar no mundo nerd: o escocês Grant Morrison, argumentista de quadrinhos de renome internacional e responsável por versões sublimes de personagens icônicos como o Batman, além de ser o autor da graphic novel em 4 partes que na qual se baseia à série (e que eu não li).

Contando com criadores com essas credenciais e com uma sinopse completamente estapafúrdia, Feliz!, enquanto série de ação, teria tudo para ser um sucesso retumbante, correto? Sim e não.

Ao mesmo tempo que Meloni e Oswalt funcionam muito bem como a dupla anti-herói brutal, mas de coração de ouro, e pelotinha de fofura, mas com um instinto violentíssimo de proteção, os demais personagens não só são em geral unidimensionais, mas sofrem também com um roteiro que vai além do extremo da maluquice ao misturar drogas, submundo do crime, amigos imaginários, teletubbies, gente que se identifica como insetos, crianças sádicas, reality shows e possessão demoníaca, bem como com as atuações por vezes sofríveis claramente prejudicadas também por uma direção bem frouxa nesse quesito. São muitos temas, muitos personagens, muitas subtramas ao mesmo tempo que acabam por esvaziar um pouco a narrativa, sendo que duas dessas histórias paralelas ficam totalmente sem resolução, o que talvez seja uma preparação meio tosca para a 2ª temporada já encomendada.

Outro ponto simultaneamente alto e baixo da série é a direção das cenas de ação. Ainda que as situações nas quais Nick se encontra e que plenamente justificam o massacre de dezenas de dublês requeiram um pouco mais do que o usual da sua suspensão de descrença, elas são bem orgânicas e naturais dentro do cenário totalmente escalafobético determinado pela série. O problema, contudo, jaz no uso excessivo do artifício de cortes rápidos e cenas de 2 segundos filmadas com 8 diferentes câmeras, todas tremidas demais. O cinema oriental de ação e a franquia John Wick (cujo 2º capítulo foi resenhado aqui) já conseguiram deixar bem claro o salto de qualidade que qualquer cena de ação tem sem o uso tresloucado desse monte de corte por segundo em imagens balangantes consagrado por “Busca Implacável“, filme no qual isso é até compreensível, já que resolveram, com sucesso, alçar um irlandês de 60 anos ao posto de herói de filme de ação, mas aqui a coisa simplesmente soa preguiçosa.

O roteiro vai pelo mesmo caminho, conseguindo juntar diálogos e situações realmente criativas e engraçadas com algumas outras que soam simplesmente desnecessárias e/ou apelativas, o que muitas vezes acaba tirando da série o almejado choque ao banalizar demais a capacidade sobre-humana de Nick para receber e distribuir violência.

Feliz! é caos do início ao fim e, para uma série de ação, isso é uma coisa boa. Apesar de nos deixar com uma sensação de que ela talvez tenha dois episódios a mais do que deveria (ainda que dois arcos apresentados não se resolvam ao final), a série certamente saciará a sede de sangue dos espectadores que não sejam epilépticos, porque, puta que o pariu, se os cortes e fotografia bizarra da série não provocarem um ataque em quem sofre disso, então aquele monte de anúncio antes de qualquer jogo de videogame não serve realmente de porra nenhuma.

P.S.: Netflix, cacete, pare com esta porra de anunciar uma série como original sua quando nos créditos, logo depois de aparecer “A Netflix Original”, vem um logo enorme dizendo “A SyFy Original”. Esta série, assim como várias outras obras (The Alienist, Star Trek: Discovery, Fullmetal Alchemist, dentre outras), teve seus direitos de distribuição internacional comprados, o que não a  faz uma série de produção original Netflix, mas só de distribuição exclusiva.

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