Crítica: Órbita 9 (Orbiter 9)

Poucos meses antes de morrer, Stephen Hawking declarou que apenas uma nova era espacial poderia salvar a humanidade da destruição. Na entrevista, Hawking dizia que a colonização de outros planetas não apenas é vital, mas a humanidade deveria focar todos os seus esforços e recursos para tal objetivo. Eu sabia que o fabuloso cientista era um pessimista e que esta era sua opinião já há bastante tempo, mas ao ler tal reportagem senti-me triste. Primeiro porque parecia o tipo de raciocínio embotado de alguém que já não mais possuía suas capacidades mentais plenas, mazela contra a qual Hawking lutou por toda a sua vida. Segundo, porque se até para um homem com a mente brilhante como a dele nossa última salvação é sugar todos os recursos do planeta para o desenvolvimento de nossas tecnologias e conhecimentos científicos e fugir quando nossa casa não puder mais nos abrigar, deixando-a, covardemente, para morrer, então estamos, mesmo, com os dias contados.

For here am I sitting in a tin can far above the world…

Essa premissa – a de que nosso estilo de vida vai destruir o planeta para além de uma possível recuperação – não é nenhuma novidade. Matrix já alardeava sobre isso e diversos cineastas já exploraram tal história. No entanto, pouco se ouviu dos artistas não-americanos, em especial dos latinos. Nosso lado dessa grande esfera azul, solitária no universo, tem o hábito de focar suas narrativas nas questões humanas com mais ênfase do que nossos contrapartes saxônicos. Hollywood gosta de explorar o macro, o grandioso, as tragédias e catástrofes e, em meio a elas, lá está o Joãozinho tentando sobreviver.

Em Órbita 9 – produção hispano-colombiana de 2017 cujos direitos de distribuição internacional foram comprados pela Netflix – Helena (Clara Lago) é uma colona sozinha em uma espaçonave numa viagem de 40 anos para um planeta que pode vir a suportar a vida humana. Embarcada pouco após seu nascimento e agora na metade do caminho, Helena não conheceu nenhuma pessoa além de seus pais, até que um engenheiro embarca na espaçonave para reparar o filtro de oxigênio, defeituoso há 3 anos. O contato entre os dois acarretará em mais do que apenas a atração física entre a moça e o único homem que ela encontrará na vida, mas poderá pôr em risco todo o programa espacial da terra.

All you need is love… love is all you need…

O filme trata com bastante delicadeza a respeito do que nos faz humanos, dos nossos anseios e necessidades reais. Há, em tempos recentes – em especial em círculos mais “científicos” ou de pseudo-ciência que vive de cifrões – a ideia de que deveríamos conter nossos instintos naturais e focarmos em uma racionalidade fria e maquinal. Aquela racionalidade que dita, eternamente, que o progresso e a evolução do conhecimento humano deveriam ser o nosso objetivo maior. Tal delicadeza, ao meu ver, cria um filme que talvez seja ingênuo – em especial em seu final – mas, ao mesmo tempo, avalia o ponto de vista do indivíduo, pequeno, indefeso, mergulhado em toda uma máquina sem rosto. Máquina esta que defende tudo aquilo que vem causando a destruição do planeta em prol da industria, do comércio, da cultura de massa e de toda a babaquice que alimenta o nosso estilo de vida vazio e que agora vende a salvação, o remédio, para a doença que ela mesma criou na forma de uma debandada de ratos doentes deixando um navio que afunda.

I don’t need to fight to prove I’m right…

O filme é curto, direto, bem dirigido e, novamente, as limitações de orçamento servem como uma vantagem para a produção que, sem computação gráfica ilimitada como muleta, não pode se dar ao luxo de se perder em devaneios. Me agrada ver o cinema latino sair do chavão sacanagem+miséria+humor raso para um gênero raro em sua produção audiovisual (a Sci-Fi) e fazê-lo com criatividade, sem tentar dar um salto maior que as pernas mas sem entregar-se a apelos baratos.

O filme também não tenta ser “cinema arte”. É entretenimento. Bom entretenimento, sob um olhar não-americano, ou seja, sem precisar resolver os problemas por meios maiores do que precisam ser. Nada explode, nenhum computador é hackeado e mesmo a única cena de ação é contida e coerente (leia-se: dentro dos limites do humanamente realizável). E isso me agradou muito. A história se conclui com o uso da inteligência, sem medições de força, sem reviravoltas macarrônicas. Simplesmente alguém pensou e chegou a uma solução razoável para todas as partes. Espero que Stephen Hawking – o gênio que eu tanto admirei por toda a vida – esteja errado e que nossos cientistas futuros sejam mais criativos e inteligentes que os atuais e encontrem soluções menos hollywoodianas que gastar todos os nossos recursos em efeitos especiais de última geração para nos trancafiar em um cruzador estelar e nos catapultar para infestarmos outro planeta.

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