Crítica: Violet Evergarden

O chileno Humberto Maturana, um dos criadores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical, advoga que nós somos seres emocionais. E com isso ele afirma que nossas atitudes, antes de tudo, passam por um filtro emocional no instante que as colocamos em prática. Isso significa que quando você está com raiva você vai agir de forma agressiva e quando você está feliz você tende a ser mais compreensível. A nossa racionalidade, então, não é 100% baseada na razão. Com isso em mente, aventurei-me durante 3 meses nos episódios semanais no simulcast do anime Violet Evergarden na NETFLIX.

A obra foca essencialmente no entender e traduzir das emoções. Quantas vezes você já não sentiu algo, mas não sabia como expressar aquilo em palavras? Essa nossa necessidade (e falta de vocabulário) em colocar para fora o que sentimos conduz toda a história do anime, sendo protagonizado pela descoberta das emoções por uma ex-combatente, Violet Evergarden (Yui Ishikawa), com forte laços com seu superior, Gilbert Bougainvillea (Daisuke Namikawa).

Violet Evergarden.

Violet é uma menina bem jovem que, após uma guerra devastadora, se vê sem utilidade, sem parentes e sem o querido major Gilbert, que a criou/treinou durante todos os anos que a guerra durou. Obcecada para entender o que significou o “eu te amo” proferido por Gilbert em seu último momento juntos, ela passa a trabalhar como uma autômata de automemórias. Essa profissão, de forma cruta e grossa, consiste em escrever cartas para pessoas analfabetas, o que era bem comum no pós 1a Guerra Mundial (1914-18) na Europa. Por mais simples que possa parecer, essa é uma profissão complexa e que exige bastante. Leve em consideração que a maioria da população analfabeta também possui um vocabulário muito restrito e chulo, cabendo à autômata traduzir e expressar os sentimentos do que está sendo dito e não apenas transcrever o que é falado. Há casos também que pessoas letradas usam de seu serviço, não por sofrerem das limitações supracitadas, mas por almejarem algo muito específico naquele escrito.

O trunfo do anime está na incapacidade de Violet em entender os sentimentos, já que ela é uma psicopata. Para ilustrar ainda mais a falta de compreensão dos sentimentos da protagonista, ela é retratada com braços mecânicos (ela perdeu os originais na guerra), materializando em seu corpo a sua forma pragmática e racional de pensar e interpretar o mundo a sua volta. Lentamente vemos a construção dos conceitos mais básicos sobre amor, tristeza e ódio se formando conforme ela estabelece elos do que está tentando traduzir para uma carta com as memórias que ela tem de Gilbert. Sem sombra de dúvidas, as melhores cenas do anime são dessas memórias, especialmente porque é ele quem a ensina a ler e escrever.

Escreve que eu tô mandando!

Mas o que poderia ser um anime fantástico, cai numa fórmula que não agrada muito. Quase todo episódio temos um “novo” trabalho para Violet, mostrando o uso dos textos em diversas áreas, quase como uma aula inaugural de redação onde o professor fala da importância da escrita. Mesmo assim, a obra se sustenta, apresenta diversos personagens que ajudam a conduzir a história, especialmente as 3 companheiras de trabalho de Violet, que enfrentam desafios diferentes e desenvolvem em conjunto com ela a sua escrita.

Tecnicamente o anime se destaca em sua trilha sonora sublime e delicada, transmitindo precisamente as emoções de cada personagem. Visualmente o anime não apresenta nada que salte aos olhos, com a exceção de algumas tecnologias steampunk originais e coloridos vibrantes nos olhos dos personagens (que, convenhamos, é o que transmite as emoções) e os imbui com muita expressão.

Violet Evergarden é uma versão estendida de “Central do Brasil“, mas com menos pobreza e mais esperança e sangue. A NETFLIX acerta mais uma vez na distribuição nipônica animada de forma não muito usual na plataforma, o simulcast. Será que veremos essa gigante distribuindo títulos de peso no futuro nesse formato? Mande uma carta para eles e descubra. Onde se encontra a autômata de automemórias quando se precisa dela?

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