Crítica: Han Solo - Uma História Star Wars (Solo: A Star Wars Story)
Harrison Ford não é o protagonista do filme. Essa foi o primeiro choramingo quando anunciaram um filme sobre a origem de Han Solo. Harrison Ford tem 75 anos e eu acho que Hollywood ainda não inventou a máquina de rejuvenescimento pra que ele pudesse interpretar, novamente, o papel do jovem Solo. Isso se ele quisesse tal papel, o que ele já, repetidamente, afirmou que não quer. Então por que diabos nós, os fãs, decidimos criar tanta polêmica com o fato de que Alden Ehrenreich seria escalado para o papel? Por que ele não é um clone de Ford? Faltou a cicatriz no queixo, é isso?
Sejamos honestos, o problema é que é Guerra nas Estrelas. E reclamar de Guerra nas Estrelas tornou-se o motivo pelo qual o nerd millenial acorda pela manhã. Sabe aquele nerd nutella que viu a trilogia original já em DVD e gosta de discutir a diegese da saga enquanto coça a farta barba e come hambúrguer artesanal com catchup de goiaba? Então, toda vez que sou convidado a escrever uma crítica de algo relacionado a Guerra nas Estrelas eu sinto a obrigação, pra ver se aquele cara entende, de falar novamente do que diabos se trata todo esse universo, coisa que já fiz extensamente em nosso Especial Guerra nas Estrelas publicado quando do lançamento de “Os Últimos Jedi” (também resenhado por nada menos que 3 dos nossos colaboradores).
George Lucas, quando criou os primeiros esboços de sua obra prima, tentou fazer uma homenagem aos filmes B dos anos 50, aqueles que passavam em drive ins quando ele era criança. O filme teria personagens inspirados em arquétipos heroicos, se passaria em um universo mágico e irreal (leia-se: de mentirinha), e seria uma aventura no espaço, e não exatamente ficção científica. Han Solo, por exemplo, deveria ser um pirata espacial. Mas Lucas não queria um cara com cara de pirata (Johhny Depp era jovem demais pra interpretar o papel em 1976) e, bem do jeitinho que costuma pensar as coisas, ele imaginou que o “pirata” no imaginário da época seria um cowboy. Solo foi vestido de cowboy (sem chapéu) e sua personalidade foi criada em cima de personagens clássicos dos filmes Western B. E cowboy, historicamente falando, é um veterano da Guerra Civil Americana que foi levado a usar seus treinamentos de soldado pra sobreviver cometendo crimes e é sempre representado como um camarada com cara de durão, que rouba trem e diligência, que atira primeiro e pergunta depois, mas que no fundo tem um senso de justiça e bom coração. Nesses filmes o passado de tal personagem é sempre vago, deixando espaço pra imaginação preencher as lacunas.
No entanto, Han Solo: Uma História Star Wars, lançado ontem nos cinemas do mundo, narra tal passado. Aquele que Lucas omitiu de propósito em seus filmes originais ao criar seu cowboy-pirata-espacial-misterioso. Então, o que tal filme deveria trazer em seu roteiro? O que deveria ser explicado e que adicionaria mais informação e diversão no imaginário do espectador sobre esse personagem icônico? A infância do pobre menino Han tentando sobreviver nas ruas violentas de Corellia, seu planeta natal? Mamãe e papai Solo ferrados lutando para manter seu filho longe da bandidagem? Isso ajudaria a contar como tal menino se tornou o malandrilson que é? Nah, é Cine-BR demais. O treinamento dele na Academia Imperial e como ele veio a se tornar um piloto tão foda? Talvez, mas seria fan service pra agradar jogadores de videogame que acham do caralho ver o personagem ganhando XP.
Pra resolver tal questão, Mickey Mouse, muito sabiamente, recrutou Lawrence Kasdan (roteirista de “O Império Contra Ataca”, “O Retorno de Jedi” e “Caçadores da Arca Perdida”) para alinhavar tal história. Kasdan sabe, desde o início, o que se passava na cabeça de George Lucas que, apesar de não estar mais no leme de sua própria criação, é o supremo criador dessa galáxia muito, muito distante. Quem melhor pra recordar o que era importante pra Lucas na concepção de seus personagens? Pra Han Solo, especificamente? Chewbacca, a Millenium Falcon, Lando Calrissian e por que um criminoso salafrário sairia do seu caminho por amor. E sem dar mais spoilers, tá tudo lá. Tudo o que eu, fan boy de carteirinha, desejei ver em um filme sobre o passado do meu personagem favorito de toda a cinematografia mundial.
Claro, há de ser dito, que tudo isso não foi contado da maneira como eu imaginei por décadas nos recôncavos da minha imaginação de criança que não cresceu. Mas como poderia ser diferente já que não fui eu o roteirista? E eu estou certo de que aparecerão muitas outras crianças frustradas com a ausência daquela ideia sensacional que ele matutou e esqueceu de contar à algum executivo da Disney. Convenhamos, todos nós tínhamos nossas fantasias para preencher as lacunas criadas por todos os McGuffins que Lucas nos deixou. E, a probabilidade de tais fantasias se concretizarem exatamente da maneira como nós sonhamos é menor do que ganhar na loteria. Portanto, toca a vida, camarada.
A outra pergunta que cabe, então, é se a realização do filme foi à altura. Não sei como Phil Lord e Chris Miller teriam terminado o filme (você sabe que o filme teve uma dupla de diretores diferentes no inicio do projeto, não é?), mas levando-se em conta que eles têm no curriculo quase que exclusivamente comédias de animação, talvez Mickey Mouse tenha dado outra bola dentro mudando o comando do filme pras mãos de Ron Howard. Além de ter muito mais experiência com filmes de ação e aventura, Howard também tem uma conexão pessoal com Lucas, e deve ter alguns vislumbres de como o verdadeiro pai de Han pensou em retratar seu filho.
E o filme é exatamente o que eu esperava ver na telona: ação, aventura, raio laser, naves espaciais do caralho (não muitas… a estética do filme foi na direção de Rogue One: mais enxuta e pé no chão, como na trilogia original), vilãozão, alguns easter eggs praqueles nerds mais cascudos perceberem, e várias tiradas espertinhas fazendo uso de referências “futuras” (ou passadas, já que elas apareceram pela primeira vez nos anos 70). Que mais se pode querer?
Ehrenreich faz bonito o papel de guri-Solo, com um rosto e maneirismos que lembram bastante Harrison Ford no primeiro Guerra nas Estrelas, Donald Glover (o grande fetiche do nosso editor como você pode ver no Garimpo Netflix) faz um Lando Calrissian vaidoso e cafajeste, do jeito que um jogador de cartas profissional aparece em filmes clássicos do gênero, Woody Harrelson tá redondinho no papel de mentor de um jovem Han ainda ingênuo, e Emilia Clarke é… assista (será que o próximo filme é sobre Qi’ra, a personagem que ela interpreta? Fica aqui plantada a semente da discórdia por esse seu camarada).
Eu sei que vai ter gente reclamando do droid L3-37, mas serão aqueles machistas babaquaras que reclamam do feminismo no Facebook. Guerra nas Estrelas sempre tem personagens meio fora da casinha, e aqui entra L3 com cenas divertidas e, convenhamos, coerentes com nosso tempo. Então quais críticas eu poderia fazer? Não muitas. Algumas coisas, como a edição rápida demais das cenas de ação, me incomodaram, em especial com aquela merda daquele óculos 3D que todo filme mete na cara da gente. Alguns outros elementos estéticos clássicos também foram mudados, como a abertura, coisa que os fãs mais tarados adoram, ou a inclusão de coisas como longos lapsos de tempo, mas essas mudanças já apareceram em Rogue One, então acho que vale. A trilha sonora não é de John Williams e isso faz diferença. Apesar de John Powell ter usado bem as referências dos temas originais, e apesar de ter feito um bom trabalho, a trilha me parece soar muito como trilha de filme moderno de ação e não trilha de Guerra nas Estrelas. É operática demais, sinfônica demais e “temática” de menos. E trilha de Guerra nas Estrelas tem como característica a criação de temas musicais reconhecíveis pras cenas-chave. Outra crítica possível é que o filme é Indiana Jones demais, ação demais e Jedi vs Sith de menos. E o filme é, de fato, um grande filmão de ação. Eu curto. Vão dizer que o filme não aprofunda muito a linha narrativa da saga principal. Mas o objetivo do filme não é esse. É aprofundar a história de Han Solo, o pirata, contrabandista, salafrário e anti-herói mais do caralho desse lado da galáxia.
Mesmo que haja divergências de opinião, no fim do filme o que importa mesmo é que Han shot first! E tenho dito.
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