Crítica: Harlan Coben's Safe - 1a Temporada

Após terminar de ver os 8 episódios de aproximadamente 45 minutos de Safe, estava eu conversando casualmente com meu pai sobre a série quando comentei que ela havia sido criada por Harlan Coben, um autor de romances policiais-detetivesco de quem eu jamais ouvira falar. Foi por causa do meu pai, um sujeito aposentado de 63 anos que preenche seus dias indo ao supermercado e lendo livros em sua maioria policiais, que eu fui apresentado aos monstros sagrados do gênero como Elmore Leonard, Dennis Lehane e o brasileiríssimo Rubem Fonseca, meu favorito entre estes e criador de Mandrake, personagem que deu origem à talvez a melhor série nacional já feita (e já tava na hora da HBO voltar a produzi-la).

De Harlan Coben, contudo, eu nunca havia ouvido falar. Segundo meu pai, Coben escreve sempre basicamente o mesmo livro. Seu protagonista preferido, Myron Bolitar, desvenda os mais variados mistérios em obras curtas, concisas e EXTREMAMENTE formulaicas. Todo capítulo acaba num cliffhanger que quase que te obriga a continuar a ler, há sempre um tema de fundo sobre o qual o autor nunca se aprofunda e seus personagens têm todos alguma coisa a esconder. E, de alguma forma, ele ainda consegue divertir o leitor com uma pletora de personagens tomando as decisões mais estapafúrdias de que já se teve notícia.

Foi com um sorriso no rosto que eu terminei de ouvir essa explanação do meu pai, já que Safe, à exceção de Myron, é EXATAMENTE isso. Absolutamente todo episódio termina com uma cena muitas vezes gratuita que serve exclusivamente para te deixar tenso e te forçar a ver o próximo episódio imediatamente justamente para conseguir desvendar aquele mistério, ainda que na maior parte das vezes ele apresente uma resposta que não leva a lugar algum. Os personagens tomam decisões imbecis quase que todo o tempo e há um tema de fundo sobre privacidade, segurança e exposição em redes sociais cuja superfície é levemente arranhada.

Em Safe, série criada por Harlen Coben e co-produzida pela Netflix, Michael C. Hall (o Dexter!) vive Tom Delaney, um médico viúvo que mora com suas duas filhas num condomínio fechado em algum subúrbio da Inglaterra (daí o título – Safe = Seguro) no qual, num espaço de 24 horas, sua filha Jenny (Amy James-Kelly) some, há uma morte que pode ou não estar ligada ao desparecimento da menina e uma de suas vizinhas (a MILF francesa Audrey Fleurot), professora da escola local, é acusada meio que do nada de ter uma relação sexual com um aluno de 15 anos, deixando claro que de Safe aquele lugar não tem nada.

“Mas o que caralhos está acontecendo?”

O excelente 1º episódio apresenta os personagens e a trama, já deixa bem claro que todo mundo tem alguma coisa a esconder. E Tom, na sua sanha compreensivelmente obcecada de encontrar sua filha, vai descobrir todos esses segredos, ainda que a maioria deles seja bem menos cabeludo do que o roteiro nos leva a acreditar que são, em uma trama que consegue amarrar com competência o sigilo e as decisões esdrúxulas de por baixo uns 16 personagens sem perder o espectador. Sem sacanagem, até o tiozinho que aparece por 10 segundos no 1º episódio passando um sabão na menina que depois some tem um segredo importantíssimo a ser revelado lá na frente.

O grande problema da série é essa obsessão com os segredos de todo mundo, o que a leva a construir toda uma tensão em torno de um determinado acontecimento de forma a manipular o espectador a pensar que aquela pessoa é um enviado de satanás na Terra, somente para ver Tom descobrir que tem caroço naquele angu e perguntar porque a pessoa agiu assim ou assado. E aí a resposta, que satisfaz todo mundo e faz todo o sentido depois de reveladas as cenas que o roteiro nos suprimiu, é algo absolutamente inofensivo. Isso acontece em todo episódio e praticamente todos os personagens mentem em um primeiro momento para, depois de desmascarados em sua mentira, assumirem o que fizeram, sempre com uma boa intenção e sempre encontrando alguma empatia em seu interlocutor.

Além disso, a série causa alguma estranheza visual, uma vez que é passada na Inglaterra pelo que parece ser uma questão meramente econômica já que foi uma produtora europeia quem resolveu rodá-la e talvez seja mais barato fazer isso na Inglaterra do que na Califórnia. O nosso glorioso Dexter, inclusive, americano da Carolina do Norte, força um sotaque inglês que incomoda, e muito, em especial perto da performance do extremamente inglês (e excelente) Marc Warren. Hall, apesar de ser um puta ator e estar aqui com a sua usual competência, fica parecendo um peixe fora d’água, o que aconteceu provavelmente porque ele é também produtor executivo da série e estrelá-la tenha sido uma condição para que os investidores colocassem algum dinheiro nela.

Como os romances de Harlan Coben, Safe é provavelmente a série mais formulaica que eu já vi na minha vida. E, quer saber? Foda-se! Ainda que seja dessa forma, ainda que nos trate por vezes como idiota ao jogar com as nossas expectativas de forma quase que criminosa, Safe não deixa de ser divertidíssima, em especial se você, como meu pai, adorar obras de mistério e não esperar que o tema “sério” apresentado – pessoas em comunidades fechadas não estão seguras como pensam – seja aprofundado.

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